Hélio Pellegrino
(Escritor)
1924-1988
Quanto você faz 20 anos está de manhã olhando o sol do meio dia. Aos 60 são seis e meia da tarde e você olha a boca da noite. Mas a noite também tem seus direitos. Esses 60 anos valeram a pena. Investi na amizade, no capital erótico, e não me arrependo. A salvação está em você se dar, se aplicar aos outros. A única coisa não perdoável é não fazer. É preciso vencer esse encaramujamento narcísico, essa tendência à uteração, ao suicídio. Ser curioso. Você só se conhece conhecendo o mundo. Somos um fio nesse imenso tapete cósmico. Mas haja saco!"
(Carta a Fernando Sabino, revista pelo autor ao fazer 60 anos).
1924
Hélio Pellegrino nasce em Belo Horizonte (MG) no dia 05 de janeiro, filho de Braz Pellegrino, médico ilustre, e Assunta Magaldi Pellegrino, nascida no Sul da Itália.
1928
Conhece Fernando Sabino, seu colega de jardim-de-infância, de quem se tornaria amigo por toda a vida.
1939
Demonstrando seu interesse pela literatura, dedica-se à leitura de Drummond e escreve seus primeiros poemas.
1940
Uma geração de mineiros, que viriam a ser grandes escritores nacionais, circula por Belo Horizonte: Emílio Moura, João Ethienne Filho, Francisco Iglésias, Wilson Figueiredo, Carlos Castello Branco, Autran Dourado, Sábato Magaldi, entre outros. Hélio estreita sua amizade com Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Fernando Sabino. Formou-se, assim, o grupo que ficou conhecido como "Os 4 mineiros". Publica, pela primeira vez, um poema no jornal "O Diário".
1942
Face à pressão da família, ingressa na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte. Dizia, depois, aos amigos: "Eu queria mesmo era fazer filosofia, mas naquela época, não tinha Faculdade de Filosofia em Minas". E acrescentava: "Na verdade eu fazia era medicina, boemia e política".
"Deixai-o", considerado seu primeiro poema significativo, é publicado na revista católica "A Ordem". Conhece em Belo Horizonte o poeta Vinicius de Moraes.
1943
Decide-se pela área da medicina psiquiátrica. Em sua "Autobiografia" ele fala do incidente que motivou essa decisão:
"...Lembro-me de uma aula de fisiologia nervosa, no segundo ano. O doente, com tabes dorsal, ao centro do anfiteatro escolar, era um velhinho miúdo, ex-marinheiro, vestido com o uniforme da Santa Casa, onde estava internado. Suas pernas, hipotônicas, atrofiadas, pendiam da mesa de exame como molambos inertes. Jamais me sairá da memória o antigo lobo-do-mar, exilado das vastidões marítimas, feito coisa, diante de nós. Suas andanças pelo mundo, seus amores em cada porto ficavam reduzidos, em termo de anamnese, a um contágio venéreo ocorrido décadas atrás. O velhinho, contrafeito, engrolava o seu depoimento, fustigado pelos gritos de — "fala mais alto!" —com que buscávamos saciar nosso zelo científico. De repente, o desastre. Sem controle esfincteriano, o velho urinou-se na roupa, em pleno centro do mundo. Vejo-o, pequenino, curvado para a frente, tentando esconder com as mãos a umidade ultrajante. Seu pudor, entretanto, nada tinha a ver com a ciência neurológica. Esta lavrara um tento de gala, e o sintoma foi saudado com ruidosa alegria, como um goal decisivo na partida que ali se travava contra a sífilis nervosa.
O velho ficou esquecido como um atropelado na noite. A aula prosseguiu, brilhantemente ilustrada. Os reflexos e a sensibilidade cutânea do paciente foram pesquisado com maestria. Agulhas e martelos tocavam sua carne — esta carne revestida de infinita dignidade, que um dia ressurgirá na Hora do Juízo. Meu colega Elói Lima percebeu, juntamente comigo, o acontecimento espantoso. "O marinheiro está chorando" — me disse. Fomos três a chorar.
Entre lágrima e urina, nasceu-me o desejo de me dedicar à psiquiatria. O choro do velho, seu desamparo, sua figura engrouvinhada sobre a qual parecia ter-se abatido todo o inverno do mundo, tudo me surgiu de repente como o grande tema de meditação, a partir de cuja importância poderia eu, quem sabe, encontrar um caminho. ...".
Ainda nesse ano, viaja a São Paulo com Fernando Sabino, onde conhece Mário de Andrade. Começam uma correspondência que durou até a morte de Mário, em fevereiro de 1945.
1944
Com Wilson Figueiredo, Simão Vianna da Cunha Pereira, Otto Lara Resende, Francisco Iglésias e Darci Ribeiro, edita o combativo jornal clandestino "Liberdade". É um dos fundadores da União Democrática Nacional - UDN. Conhece o escritor francês católico George Bernanos.
1945
Participa do Primeiro Congresso de Escritores, realizado no Teatro Municipal de São Paulo. Colabora regularmente no suplemento literário de “O Jornal” ,no Rio de Janeiro. Concorre, pela UDN, ao cargo de deputado federal.
1946
Se desliga da UDN e funda a Esquerda Democrática, ligada ao Partido Comunista. Conhece, no Rio de Janeiro, Mário Pedrosa, o responsável, anos mais tarde, por sua presença na fundação do Partido dos Trabalhadores - PT.
1947
Inicia a prática psiquiátrica no Raul Soares, manicômio do Estado. Conhece o poeta Murilo Mendes. Capitaneia uma iniciativa editorial, a revista “Nenhum”, que teve um único e sensacional exemplar. Publica pelo grupo literário “Edifício”, formado por Wilson Figueiredo, Autran Dourado e Sábato Magaldi, um livreto com dois poemas: "Poema do príncipe exilado" e "Deixe que eu te ame".
1948
Em 11 de dezembro, casa-se na Igreja de Nossa Senhora de Lourdes com Maria Urbana Pentagna Guimarães, companheira nos próximos quarenta anos, com quem terá sete filhos.
1949
Nasce a primeira filha, Maria Clara Guimarães Pellegrino.
1950
Abre consultório particular, transfere-se do manicômio Raul Soares para o Hospital de Neuropsiquiatria Infantil. Nasce o segundo filho, Pedro Guimarães Pellegrino.
1952
Nasce Hélio Guimarães Pellegrino. A família Guimarães Pellegrino se muda para o Rio de Janeiro. Hélio inicia análise didática com Iracy Doyle e trabalha como redator no jornal “O Globo”.
1953
Colabora no semanário “Flan”, onde conhece o escritor Nelson Rodrigues. Abre consultório psicanalítico com Hélio Tolipan e Ivan Ribeiro.
1954
Nasce Clarice Guimarães Pellegrino.
1956
Morre Iracy Doyle. Hélio interrompe a análise didática.
Fernando Sabino lança "O encontro marcado", romance no qual o médico Mauro Lombardi é inspirado na pessoa do biografado.
1957
Nasce Tereza Guimarães Pellegrino. Mudam-se para a rua Nascimento Bittencourt, 85,Jardim Botânico, local que logo se torna ponto de encontro de intelectuais e artistas.
1958
Reinicia o processo de análise didática, agora com D. Catarina Kemper, com o propósito de se formar psicanalista, o que ocorre em 1963.
1960
Nasce Dora Guimarães Pellegrino.
1964
O escritor sofre uma isquemia coronária.
1965
Nasce seu sétimo e último filho, João Guimarães Pellegrino.
1966
Hélio colabora, até fins de 1968, no jornal “Correio da Manhã”. Participa de congresso na cidade de Santiago do Chile, onde apresenta a tese "O pacto edípico e o pacto social", de grande repercussão no meio psicanalítico.
1968
Sua participação na política o faz ser respeitado pelos estudantes, líderes da movimentação política libertária desses anos, tornando-se porta-voz dos intelectuais. Discursa na “Passeata dos Cem Mil”, e participa da Comissão dos Cem Mil. No dia 13 de dezembro é decretado o Ato Institucional Número 5.
1969
É mantido preso por dois meses — divididos entre o Regimento Caetano de Farias e o Primeiro Batalhão de Guerra. É processado sob a acusação de líder comunista. Morre aos 63 anos seu pai, Braz Pellegrino.
1970
A tensão em que todos viviam também o atinge. Sofre um enfarte no miocárdio.
1971
A idéia da Clínica Social de Psicanálise surge das conversas que mantinha com D. Catarina Kemper. Visando sua realização, iniciam-se na Faculdade Cândido Mendes os “Encontros Psicodinâmicos”, que coordenavam.
1973
Inaugura, com um grupo de psicanalistas, a Clínica Social de Psicanálise, instituição pioneira de atendimento gratuito que visava a integração entre psicanálise e sociedade
1974
Casa-se com a física Sarah de Castro Barbosa, com quem ficará por sete anos.
1977
Morre José Pellegrino, seu irmão mais velho.
1978
Com João Batista Ferreira e Jochen Kemper, assumem, por quatro anos, a direção da Clínica Social. Publica nos “Ensaios de Opinião”, volume 7 da editora Paz e Terra, “A dialética da tortura: direito versus direita”. Inicia colaboração, por dois anos, em “O Pasquim”.
1979
Colabora por cinco meses no “Jornal da República”. Desenvolve um trabalho de integração entre a Clínica Social e a comunidade da favela do Morro dos Cabritos.
1980
Adere, com Mário Pedrosa, Lula, Antonio Candido, Apolônio de Carvalho, Sérgio Buarque de Hollanda, ao manifesto de fundação do Partido dos Trabalhadores - PT. Tem início nos auditórios da PUC-Rio, durante o seminário “A psicanálise e sua inserção no modelo capitalista", a crise de Hélio e Eduardo Mascarenhas com a Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro. Motivada pela denúncia do apoliticismo da instituição e pelo fato de ela ter, entre seus quadros de candidatos a analistas didatas o médico e, revelado, torturador Amílcar Lobo. Tal crise se estende por dois anos, culminando na expulsão de Mascarenhas e Pellegrino, reintegrados somente por decreto judicial.
1981
Forma, com Carlos Alberto Barreto, um núcleo antiburocrático do PT, o Clube Mário Pedrosa, freqüentado por diversos intelectuais e artistas. Retoma o casamento com Maria Urbana. Lança, em parceria com Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino, o disco-recital “Os 4 mineiros”.
1982
Inicia colaboração por três anos e meio no jornal “Folha de S.Paulo”.
1983
Integra a Comissão Teotônio Vilela para as Prisões, do grupo Tortura Nunca Mais.
1985
Colabora quinzenalmente na página 11 do “Jornal do Brasil”. Juntamente com Frei Betto e Fábio Lacombe, cria o “MIRE, Mística e Revolução”, grupo de estudos e orações.
Lya Luft e Hélio Pellegrino se encontraram num congresso de escritores em São Paulo. Conheciam-se apenas de nome; depois, por cartas. Nove meses mais tarde, iniciava-se o casamento entre os dois mitos. Uma mulher disposta a começar tudo de novo. Um homem "em sua melhor fase; fascinado pelo mistério: de Deus, da vida, das pessoas, da natureza".
1986
Casa-se com a escritora Lya Luft.
1988
Na madrugada de 23 de março, morre Hélio Pellegrino, vítima do coração.
"Nunca vi tanta mulher bonita", escreveu Rubem Braga, impressionado com a enorme quantidade de mulheres chorando, algumas quase desfiguradas, outras ocultas por grandes óculos escuros, entre as mais de 500 pessoas que foram ao cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro.
Conclui o "velho" Braga: "Eu gostaria de conversar sobre isso e outras questões de amor com uma pessoa, ao mesmo tempo imaginosa e lúcida, mas esta pessoa estava metida num caixão em uma capela onde sequer cheguei a entrar, e se chamava Hélio Pellegrino".
A editora Rocco lança a coletânea de artigos “Burrice do demônio”, organizada pelo autor.
1992
A família Pellegrino doa o arquivo do escritor para a Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.
1993
É publicada a seleção de poemas “Minérios domados”, editora Rocco, organizada por Humberto Werneck.
1998
A coleção “Perfis do Rio”, editora Relume Dumará, lança “Hélio Pellegrino, a paixão indignada”, de Paulo Roberto Pires.
2003
A editora Planeta publica o livro “Meditação de Natal”.
2004
A editora Bem-Te-Vi publica “Arquivinho de Hélio Pellegrino".
Sai, pela editora Planeta, “Lucidez Embriagada”, organização de Antônia Pellegrino, neta do autor.
Foi pensando na morte de Hélio que a escritora Lya Luft escreveu esses versos, logo após sua morte. Segundo ela, para reviver um grande amor entre dois pássaros "varados em pleno vôo".
(...)
V
Insensato eu estar aqui, e viva.
O rosto dele me contempla
vincado e triste no retrato sobre minha mesa;
em outros, sorri para mim, apaixonado e feliz.
Insensato, isso de sobreviver:
mas cá estou, na aparência inteira.
Vou à janela esperando que ele apareça
e me acene com aquele seu gesto largo e generoso,
que ao acordar esteja ao meu lado
e que ao telefone seja sempre a sua voz.
Sei e não sei que tudo isso é impossível,
que a morte é um abismo sem pontes
(ao menos por algum tempo).
Sobrevivo, mas pela insensatez. (...)
("O lado fatal", Editora Siciliano - São Paulo, 1988).
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