Alcoolismo atinge 11,2 % dos brasileiros
Alcoolismo atinge 11,2 % dos brasileiros
BRASÍLIA. O primeiro Levantamento Domiciliar Sobre o Uso de Drogas no Brasil revelou que 11,2% dos brasileiros que vivem nas 107 maiores cidades do país são dependentes de álcool (o que equivale a 5,2 milhões de pessoas), 9% são dependentes de tabaco (4,2 milhões de pessoas) e 1%, de maconha (451 mil). O estudo revela ainda que 4% dessa população já se submeteu a algum tratamento para se livrar da dependência de drogas.
Pesquisa realizada ano passado ouviu 8.589 pessoas
A pesquisa, da Secretaria Nacional Antidrogas do Ministério da Justiça, foi aplicada nas cidades com população superior a 200 mil habitantes, incluídas as capitais, o que totalizou aproximadamente 47 milhões de habitantes, que representam 41,3% da população. Foram ouvidas 8.589 pessoas entre outubro e dezembro do ano passado.
O levantamento mostrou que 61% dos entrevistados (28,6 milhões) acham muito fácil conseguir maconha.
Esse percentual é superior à opinião dos colombianos, onde 28% da população julgam obter a droga facilmente.
Apesar da maioria considerar a droga acessível, apenas 15% declararam que já viram consumidores procurando traficantes e apenas 4% afirmaram que já foram procurados por alguém que oferecia droga.
No caso da cocaína, 45,8% responderam ser muito fácil encontrá-la. Na Colômbia, maior produtor dessa droga no mundo, apenas 18% consideram muito fácil o acesso à cocaína.
O álcool também é a droga mais consumida entre as pessoas que admitiram ter feito alguma vez uso de alguma droga lícita ou ilícita: 68,7% dos entrevistados disseram que experimentaram álcool pelo menos uma vez. Segundo o Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), esse número está próximo de outros países, como Chile (70,8%) e Estados Unidos (81%).
Consumo de tabaco está abaixo dos níveis de Chile e EUA
O tabaco é a segunda droga mais experimentada pelo menos uma única vez pelos brasileiros e é consumida por 41% dos pesquisados. Este número está bem abaixo do Chile (70%) e dos Estados Unidos (70,5%).
Dos entrevistados, 6,9% declararam ter fumado maconha ao menos uma vez. Na Colômbia, esse percentual chega a 5,4% da população e na Alemanha, a 4,2%. Um número muito maior de americanos (34%) e ingleses (24%) admitiu ter experimentado maconha uma vez na vida.
Segundo o levantamento, 5,8% já experimentaram solventes; 4,3%, orexígenos (drogas que abrem o apetite); 2,3%, cocaína; 2%, xaropes; 1,5%, estimulantes.
Segundo o secretário nacional Antidrogas, Paulo Roberto Uchôa, a ausência da cocaína na estatística de dependentes — não chega a 1% dos entrevistados — e o baixo número de dependentes de maconha — 451 mil pessoas — mostram que o quadro não é alarmante.
— O que nos dá segurança é saber que no Brasil nenhum dado nos alarma. Tanto que, estatisticamente, somente a maconha apareceu como droga ilícita consumida. Claro que setorizadamente temos problemas sérios. Se formos fazer uma pesquisa num determinado baile, numa determinada hora, num determinado local talvez encontremos 70% de viciados em cocaína — disse Uchôa.
O elevado consumo de álcool revelado pelo levantamento é a nova preocupação da Secretaria Nacional Antidrogas. Uchôa afirmou que a pesquisa deve dar uma nova orientação à campanha do governo.
— Vai haver uma revisão de procedimento, certamente. Nossa preocupação agora é com o uso indevido do álcool. O abuso é prejudicial, provoca violência e muitos acidentes de trânsito. Faço um apelo às indústrias de bebidas, que façam campanhas para que os consumidores não abusem de seus produtos — afirmou o general.
A discrepância entre os brasileiros que consideram ser fácil o acesso às drogas e os que de fato já viram uma cena de tráfico ou já foram abordados por traficante foi explicada pelo professor Elisaldo Carlini, diretor do Cebrid e responsável pelo levantamento:
— A droga está no imaginário popular do brasileiro. Mesmo que nunca tenha sequer visto maconha ou cocaína, a pessoa acha que é fácil obtê-la. Pesa a disseminação do assunto na sociedade.
Lula: ‘O candidato do governo é um chorão’
BRASÍLIA e RECIFE. O “Lulinha paz e amor" começou ontem a reagir, embora de forma leve, ao anúncio de que os adversários José Serra (PSDB) e Ciro Gomes (Frente Trabalhista) vão centrar fogo em sua candidatura daqui para a frente. De forma irônica, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chamou Serra de chorão por ter dito que fora vítima de uma dobradinha entre os adversários no debate da TV Record na segunda-feira passada.
— A verdade é que o candidato do governo é um chorão! Ele só quer o bônus da máquina fazendo campanha para ele, mas não quer o ônus de ser candidato do governo — disse Lula.
Imediatamente o tucano respondeu, dizendo que Lula também choramingou durante o debate e que deixou sem resposta quatro perguntas feitas por ele.
— Que houve tabelinha, houve tabelinha! De fato eu pedi a palavra várias vezes. O Lula também pediu e também ficou chorando quando me foram concedidos direitos de resposta. Uma ciumeira injustificada dadas as características de elegância que o Lula tem — reagiu Serra, em Recife.
O petista ironizou o fato de Serra evitar discutir supostos erros do governo Fernando Henrique. Durante o debate, toda vez que era confrontado com alguma crítica ao governo, Serra dizia que não queria discutir o passado e sim pensar em propostas para o futuro.
Lula vai elevar o tom das críticas ao governo
O comando da campanha de Lula já começou a traçar sua estratégia para reagir a possíveis ataques dos adversários. Para neutralizar, por exemplo, a artilharia vinda de Serra, Lula deverá aumentar desde já, no primeiro turno, o tom das críticas ao governo federal.
Como Serra não pode se desvincular da imagem do governo, a cúpula petista considera que a melhor maneira de atingi-lo é focalizar os principais problemas da administração de Fernando Henrique paralelamente à apresentação das soluções propostas por Lula.
Mas uma das preocupações do PT neste momento é não explodir pontes para alianças no segundo turno.
Como o quadro da sucessão ainda está embolado, todo cuidado será tomado na hora do revide dos possíveis ataques. O alerta foi feito durante reunião na última terça-feira com o presidente nacional do PT, deputado José Dirceu (SP), principal articulador das alianças do partido.
No Nordeste, Serra diz que vai recriar Sudene
RECIFE. Em busca de votos na região onde tem seu pior desempenho, o candidato tucano José Serra prometeu ontem que fará o Nordeste evoluir 20 anos em quatro se ele for eleito presidente. E anunciou que pretende recriar a Sudene, extinta pelo presidente Fernando Henrique devido a denúncias de corrupção. O tucano disse ainda que comandaria pessoalmente a autarquia nos primeiros meses.
As promessas foram feitas durante o lançamento, em Recife, de seu programa de governo para a região, intitulado Ações para um novo Nordeste. O governador Jarbas Vasconcelos (PMDB) e o vice-presidente da República, Marco Maciel participaram do evento.
Tucano promete criar Instituto do Semi-Árido
Falando para uma platéia formada por empresários, políticos e militantes, que lotava a casa de eventos Blue Angel, Serra também se comprometeu a criar o Instituto do Semi-Árido para desenvolver tecnologias e estudar as potencialidades de produção na região.
— Nós temos que pisar no acelerador do desenvolvimento econômico e social do Nordeste. Temos em quatro anos que percorrer 20 anos. Tem que ser 20 anos em quatro. Na Presidência da República eu vou chefiar a Sudene nos primeiros meses para dar o impulso inicial e tirá-la da inércia — disse.
O tucano citou seis ações que têm o objetivo de melhorar as condições de vida da população, aumentar a competitividade do setor produtivo e gerar empregos. A primeira obra citada foi a ferrovia Transnordestina que, segundo o candidato, é importante para ampliar as exportações.
Depois citou a duplicação da BR-101, que chamou de a rodovia atlântica, e os investimentos em saneamento que calculou em R$ 850 milhões por ano nos próximos quatro anos. Disse que fará o Programa de Desenvolvimento do Turismo II com investimentos de US$ 800 milhões nos próximos quatro anos em obras de infra-estrutura.
A revitalização do Rio São Francisco também foi apontada como uma das prioridades. Evitando o problema da transposição das águas do rio, que divide opiniões na região, Serra afirmou que a revitalização do rio é uma questão preliminar que precisa ser resolvida antes de qualquer outra.
O candidato também prometeu mais investimentos na agricultura irrigada, que destacou como grande geradora de empregos.
Ele também apresentou suas metas para a área social, entre as quais destacou a criação de oito mil equipes do Programa Saúde da Família. Na área de educação, disse que sua meta é duplicar o atendimento a crianças de até quatro anos na pré-escola.
O tucano teve uma recepção calorosa, bem diferente da que ocorreu há um mês, quando visitou o estado. Serra desfilou pela cidade ao lado de Jarbas Vasconcelos, que tem cerca de 60% nas pesquisas sobre a eleição para o governo do estado. Jarbas, que há um mês dissera não ver problemas em abrir seu palanque ao candidato da Frente Trabalhista, Ciro Gomes, disse que o assunto estava encerrado. Jarbas gravou cenas ao lado de Serra e mensagens que serão exibidas no horário eleitoral.
— Aqui nunca abrimos o palanque. Isso é assunto morto e vencido. O próprio Ciro disse que não precisava.
Estou com o Serra e não abro. Ele é o candidato mais lúcido, que tem as melhores propostas, o mais desenvolto e vai ganhar as eleições — afirmou Jarbas.
No fim da apresentação de seu programa para o Nordeste, Serra conversou com os atores Marcos Frota e Carolina Dickman, e pegou no colo o filho de 3 anos do casal, David. A atriz subiu numa cadeira e discursou agradecendo a Jarbas pela preservação de Fernando de Noronha e a Serra por ter tirado o Ministério da Saúde das páginas policiais.
Ciro diz que sente ‘vergonha de ser político’
SÃO PAULO. O candidato a presidente Ciro Gomes, da Frente Trabalhista, disse ontem que sentiu “muita vergonha de ser político no Brasil” após assistir ao filme “Uma onda no ar”, de Helvécio Ratton, que retrata o cotidiano de jovens numa favela de Belo Horizonte. A exibição do filme fez parte da entrega aos candidatos a presidente do documento “Por uma política da juventude para o Brasil”, elaborado pelo Instituto Ayrton Senna.
Além de Ciro, estiveram no evento e receberam o manifesto Anthony Garotinho (PSB) e os candidatos a vice José Alencar (PL), de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e Rita Camata (PMDB), de José Serra (PSDB). Ciro, que chorou ao lado da mulher, a atriz Patrícia Pillar, disse que o filme o deixou com “sentimento dúbio”:
— Candidato não pode ser manteiga-derretida, mas eu senti muita vergonha de ser político no Brasil. Depois, quando o nó na garganta se desfazia, a vergonha foi se dissipando porque me lembrei que estou contra isso e me esforçando para a coisa mudar.
A trama exibe jovens pobres e os caminhos que podem ser seguidos, abordando o tráfico, a falta de expectativas, a violência policial e os sonhos da juventude, e mostra a luta de um grupo de amigos para manter no ar uma rádio pirata, a Rádio Favela de Belo Horizonte, que hoje se tornou comunitária. O criador da Rádio Favela, Misael dos Santos, criticou a ausência de Lula:
— Mandei o convite faz 30 dias e ele faltou num evento tão importante para o povo.
O documento entregue aos candidatos propõe a criação de ações governamentais e não-governamentais integradas que envolvam União, estados e municípios. Entre elas, uma política de desenvolvimento humano sustentada na educação básica e profissional, fazendo da ampliação e da melhor qualidade do ensino médio o seu primeiro e maior desafio; e um plano de saúde capaz de educar os jovens para situações de risco como sexo inseguro, drogas, violência.
Garotinho disse que se emocionou porque se lembrou do projeto “Jovens pela paz”, feito em parceria com a Unesco, e da época de radialista, quando se “rebelou contra oligarquias” que o tiraram do rádio.
Viviane Senna pede ação de diversos ministérios
A presidente do Instituto Ayrton Senna, Viviane Senna, defendeu uma política que envolva diversos ministérios, sob a coordenação do presidente. Ela disse que viabilizar o projeto com instrumentos econômicos, sociais e político, é “imperativo ético do próximo governante”. Viviane também citou a questão da violência e afirmou que a “escalada homicida” vitima, principalmente, os jovens.
Collor também entra na guerra de ações no TSE
BRASÍLIA. Até o ex-presidente Fernando Collor entrou na guerra de ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedindo direito de resposta no horário político do tucano José Serra. Collor, candidato ao governo de Alagoas, diz que se sentiu ofendido por ter sido apresentado de forma pejorativa (fazer declarações polêmicas e ser agressivo) quando foi comparado ao candidato da Frente Trabalhista, Ciro Gomes, a quem apóia, e pediu um minuto.
Em menos de uma semana Ciro já perdeu quatro minutos e meio do programa eleitoral para Serra. Duas novas decisões do TSE determinaram ontem que Ciro ceda mais dois minutos e meio.
Ciro foi punido com a perda de um minuto por classificar como mentira a promessa de Serra de criar oito milhões de empregos; e com um minuto e meio por causa de uma fala no programa de 27 de agosto em que afirmou que a equipe de seu oponente estaria manipulando imagens subtraídas clandestinamente, em referência à veiculação da cena em que chamou de burro um ouvinte de uma rádio baiana.
O direito de resposta, entretanto, não será veiculado imediatamente. O ministro José Gerardo Grossi determinou que se aguarde o exame pelo plenário de possível recurso da Frente Trabalhista.
Serra já entrou com novo pedido contra Ciro por causa do uso de sinais para encobrir falas vetadas pelo TSE em seu programa que tratou de desemprego. O tucano também recorreu da decisão do ministro Peçanha Martins, em nova tentativa de barrar a participação de Ciro no programa eleitoral de Antonio Cabrera, candidato ao governo de São Paulo pelo PTB. Já Ciro recorreu de outra decisão que lhe negou direito de resposta no programa do tucano. Segundo ele, houve montagem no programa de Serra que falou sobre sua passagem por escolas particulares.
Ciro entra com três ações contra Serra
O advogado Hélio Parente, que representa Ciro, entrou com duas ações contra Serra no TSE e hoje impetra outra no STF. Esta, por injúria, vai contestar a afirmação de Serra, no debate na TV Record, de que Ciro é o único candidato condenado pela Justiça, em queixa-crime movida pelo ex-ministro da Saúde Henrique Santillo, já falecido. Uma das ações no TSE é por calúnia, por causa da comparação, feita no programa de Serra, de Ciro com Collor. A outra pede direito de resposta pelo mesmo motivo.
Segundo os advogados, no caso Santillo houve uma condenação em primeira instância, no Tribunal de Alçada de São Paulo, mas Ciro recorreu e a ação não foi julgada pelo Superior Tribunal de Justiça. Portanto, não há condenação, já que o caso está tramitando. Ciro chamara Santillo de corrupto e o acusara de conivência no desvio de verbas.
O advogado-geral da União, José Bonifácio Borges de Andrada, explicou a decisão de representar o Ministério da Saúde em ação contra Ciro, que afirmou existir corrupção generalizada na pasta. Segundo Andrada, a honra da administração federal é patrimônio do povo e a Advocacia Geral da União tem de defendê-la.
FH quer ouvir sucessor sobre alíquota de 27,5% do IR
JOHANNESBURGO (África do Sul). O presidente Fernando Henrique Cardoso pretende conversar com seu sucessor sobre a manutenção ou não da alíquota de 27,5% no Imposto de Renda da Pessoa Física em 2003. O problema é que a vigência da alíquota termina em dezembro e, se não houver renovação, o próximo presidente terá menos uma fonte de receita no já apertado Orçamento.
Durante a permanência em Johannesburgo para a Rio+10, Fernando Henrique disse a integrantes da comitiva que não queria arcar sozinho com o ônus de tomar uma medida impopular como essa, embora concorde que a prorrogação da alíquota seria importante do ponto de vista de arrecadação. Segundo estimativas do governo, a manutenção dos 27,5% permitiria uma receita adicional de R$ 1,7 bilhão.
Segundo assessores, Fernando Henrique é favorável à manutenção da alíquota, mas só tomará uma atitude se houver consenso com o presidente eleito em outubro. A preocupação do presidente, segundo aliados, é evitar um desgaste desnecessário, já que os efeitos já valerão para o próximo governo, sem reflexo na atual administração.
Acompanhado pelos presidentes da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), e do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), Fernando Henrique aproveitou a viagem para falar sobre o processo de transição. Ele explicou que pretende esperar passar a eleição para tratar de alguns assuntos, como a compra de aviões pela Força Aérea Brasileira (FAB).
Artigos
Os empregos do “Navega, Brasil”
Luiz Chaves
A propósito do debate sobre a construção de plataformas e navios petroleiros no exterior, a indústria de construção naval e off-shore do Brasil tem, sim, condições de construir a P-51, a P-52, assim como os 22 navios que a Petrobras precisará até 2007. A indústria do Rio, Angra dos Reis e Niterói já deu provas de competência, colocando o Brasil na segunda colocação mundial em produção e qualidade tecnológica.
As plataformas P-31 e P-34, iguais à P-50 (que terá 50% das obras feitas em Cingapura), foram construídas nos estaleiros fluminenses e continuam operando plenamente. A chamada “tecnologia de ponta só encontrada em outros países”, ao contrário do que apregoam, já levou para o fundo do mar a caríssima P-36 e com ela os corpos de 11 trabalhadores brasileiros.
Um projeto alternativo desenvolvido pela Coppe/UFRJ comprova que os estaleiros do Estado do Rio de Janeiro têm competência e mão-de-obra qualificada para construir as plataformas. Bastariam pequenas obras de adaptação, investimentos insignificantes frente ao retorno, em empregos, impostos e capital de giro, que a construção das plataformas traria para o país.
Na década de 80, o Estado do Rio de Janeiro empregou mais de 40 mil trabalhadores diretos e outros 120 mil nas empresas periféricas do setor. Crises econômicas, má administração, abertura aos importados e desdém do governo federal levaram à míngua as empresas e seus milhares de empregos.
Hoje, tenta-se recuperar o setor com incentivos fiscais e introdução de empresas estrangeiras, mas a realidade continua longe da expectativa criada pelo programa “Navega, Brasil”. Um programa envolvendo a Petrobras, com incentivos fiscais e linhas de financiamento do BNDES, que, conforme prometeu o presidente Fernando Henrique, iria soerguer a indústria naval brasileira e gerar no mínimo 40 mil empregos diretos no Estado do Rio de Janeiro.
A Petrobras, responsável pela encomenda de plataformas, barcos de apoio e navios petroleiros, é a mola propulsora desse mercado. Mas, ao contrário do anunciado pelo programa federal, as principais obras estão indo parar no exterior, criando empregos, renda e desenvolvimento em outros países.
A polêmica sobre a obra de conversão do navio Felipe Camarão na plataforma P-50 é exemplar. A Petrobras optou por entregar a encomenda, no valor de US$ 496 milhões (algo próximo a R$ 1,4 bilhão), ao estaleiro de Cingapura por uma diferença de 6% em relação ao preço apresentado por outro concorrente que garantia a construção integralmente no estado, o que geraria oito mil empregos diretos e indiretos, além de girar o valor total dos investimentos em território fluminense.
Trabalhadores, empresários, o governo do estado e o Parlamento espernearam e criou-se uma pendência por força da lei 3.851/2002, conhecida como Lei Valentim, pela autoria do deputado estadual Edmilson Valentim (PCdoB), que traz para a Petrobras e seus fornecedores um novo enfoque sobre preço final das obras.
A lei, muito oportuna, sancionada pela governadora Benedita da Silva, corrige uma distorção fiscal que vinha prejudicando a competitividade da indústria local em 10% a 20%. Estabelece cobrança de 18% de ICMS das plataformas de exploração e perfuração que forem construídas no exterior. Ou seja, acaba com a isenção do imposto estadual para as empresas estrangeiras estabelecidas no estado que queiram levar as obras para seus países, tirando-nos nossos escassos empregos. Essa mobilização fez a empresa de Cingapura concordar em construir 50% da P-50 no Brasil. Menos mal.
Outro exemplar é a encomenda de quatro navios ao Estaleiro Eisa, da Ilha do Governador. Completou um ano que o estaleiro venceu a concorrência para construir os petroleiros para a Petrobras (estimativa de emprego direto e indireto de 13 mil trabalhadores). Apesar de ter-se associado a uma empresa estrangeira, por exigência do BNDES, a liberação do financiamento de US$ 244 milhões, também por exigência do banco, ainda depende de um seguro de garantia, que poderá ser feito por um pool de seguradoras ou pelo Fundo de Marinha Mercante, através do Ministério dos Transportes. Sem as novas obras, o estaleiro deverá dispensar grande parte dos atuais 1.100 trabalhadores.
O governo federal sabia da realidade financeira dos estaleiros nacionais quando lançou há um ano e meio o “Navega, Brasil”. Sabia que os estaleiros, quebrados, não teriam lastro financeiro e patrimonial para tocarem por conta própria tal empreitada. A letargia do “Navega, Brasil” em um ano e meio não financiou a construção no país de um único navio.
Está certo, pelo histórico de escândalos no passado, como os que envolveram a Sunaman, que ainda se justificam certas preocupações. Mas, ainda assim, a Petrobras é a única capaz, como armadora que é, de tomar a garantia do financiamento e tornar real o emprego desses milhares de trabalhadores brasileiros. Para obter absoluto controle sobre a aplicação dos recursos e cumprimento de prazos da entrega das obras, basta-lhe acionar mecanismos disponíveis e necessários, diferentemente do que fizeram no passado outras diretorias.
Todos esses investimentos, empregos e renda só se tornarão reais se o governo assumir de fato o “Navega, Brasil”. Basta adequá-lo à realidade brasileira, com incentivos reais, como fazem Noruega, Estados Unidos, Alemanha, Suécia e Austrália, que recomendam às suas companhias de petróleo que comprem plataformas construídas no próprio país. Caso contrário, continuaremos a ver navios e plataformas, infelizmente, gerando empregos reais no exterior.
Colunistas
PANORAMA POLÍTICO – Tereza Cruvinel
Os ausentes
A última pesquisa Ibope mostrou que andam por aí 4% de eleitores que deixaram Ciro Gomes mas não se juntaram nem aos de Serra, como seus precursores, nem aos de Lula ou de Garotinho. Engrossaram o contingente de indecisos, de onde teoricamente sa em os eleitores que não vão às urnas. Eles têm crescido de eleição em eleição no Brasil, enfraquecendo o sistema político.
Contar os votos perdidos e refletir sobre o fenômeno depois da eleição é um exercício acadêmico importante.
Aos políticos, cabe antever, diagnosticar e se possível evitar comportamentos nocivos ao aprimoramento democrático. A França levou seu susto recentemente, quando o absenteísmo, supostamente fruto da desilusão com a política, levou à derrota do socialista Lionel Jospin e ao horror da passagem do ultradireitista Le Pen para o segundo turno. Temos pela frente uma eleição que promete elevar as perdas.
Os dados que se seguem foram extraídos de artigo da socióloga Maria Lúcia de Santana Braga, que está publicado pelo site do Diap (www. diap.org.br). Ela demonstra que entre a eleição de 1994 e a de 1998 a abstenção saltou de 17,76% para 21,49%, um aumento real de 35,46% no índice dos que ficam em casa. No mesmo período o eleitorado cresceu apenas 11,94%. Os votos nulos cresceram 19,38%, superando também o aumento do número de eleitores. Já o número de votos em branco caiu em 7%. Descontadas as perdas, o presidente foi eleito por 66,8% do eleitorado, no primeiro turno, em 1994. A soma das perdas permite dizer que 33,2% dos eleitores recusaram todos os nomes propostos. Em 1998, o quadro piorou. Fernando Henrique foi reeleito por 63,8% dos eleitores, contra 36,2% que não quiseram saber de ninguém, votando nulo, em branco ou não comparecendo. O resultado, diz a professora, é que o presidente vem sendo eleito por pouco mais da metade dos eleitores, “o que sinaliza a presença de problemas estruturais no sistema político-partidário nacional”.
Como evitar a repetição, neste pleito em que, com 115 milhões de eleitores aptos a votar, as urnas serão todas eletrônicas e haverá seis cargos em disputa? No interior de Minas, esta semana, constatei o receio que deve ser o de chefes políticos de todo o Brasil: uma nevasca de votos em branco, uma enxurrada de nulos e muita abstenção. Cabe ao TSE intensificar sua campanha, se possível com aumento dos postos onde urnas experimentais estão à disposição dos eleitores. Eles precisam saber onde elas estão, em cada cidade. Cabe aos partidos, além de apresentar propostas e nomes, mobilizar os eleitores para o pleito.
A sociedade muitas vezes anda na frente de seus líderes. Na internet, circula uma campanha de incentivo ao voto, puxada por um texto adaptado de Brecht:
“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala nem participa dos acontecimentos políticos. Não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, da farinha, do aluguel e do remédio dependem de decisões políticas. Não sabe que de sua ignorância nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista e corrupto”.Ciro Gomes não foi apenas o único a cair no último Ibope. A taxa de rejeição dos outros também. Só que a de Ciro aumentou, de 15% para 20%. A luz vermelha continua piscando forte.Volta por cima
O governador Jorge Viana (PT), novamente candidato à reeleição no Acre, tem 62% de preferência, segundo o Ibope, contra 27% do adversário Flaviano Mello (PMDB), patrocinador da ação que levou à impugnação de sua candidatura, anulada pelo TSE, que os números ajudam a explicar.
Recebido ontem em Rio Branco por uma multidão, Viana diz que o episódio é uma prova de que o Brasil vai mudando.
— Em outros tempos, o Brasil não se importava com o que acontecia na fronteira distante. Agora, um caso no Acre causou indignação nacional e o TSE fez prevalecer a Justiça em questão de horas.Lula mudando
Lula diz que não mudará nada em sua campanha, mas ontem mesmo começou a salgar um pouco seu discurso “paz e amor”. Chamou o governo de desastroso e seu candidato, José Serra, de chorão. De sua parte, Serra também abriu mais fogo contra o petista, cobrando respostas que teria deixado de dar no debate de anteontem.
Uma resposta, pelo menos, Lula lamentou não lhe ter dado. Cobrado a explicar por que o PT votara contra o Fundef, deveria ter repetido Serra. Pouco antes, recusando-se a discutir erros do governo, disse que importava agora tratar do futuro, e não do passado.GAROTINHO comprou briga com o governador Itamar Franco ao dizer, no debate de segunda-feira, que as privatizações começaram em seu governo. Começaram no de Sarney, diz Itamar. “É verdade que a CSN foi privatizada em meu governo, mas recusei-me a vender as teles e continuo me batendo contra a entrega do setor elétrico”. Itamar não gostou do debate. Acha que os candidatos não estão discutindo em profundidade os problemas, talvez porque a briga Serra-Ciro atrapalhe.
COMEÇOU a cair o índice de audiência do horário eleitoral, segundo avaliação ainda preliminar dos institutos. Mas o pico deve ser retomado quando faltarem apenas 15 dias para o primeiro turno.
Editorial
PREÇO A PAGAR
O desfecho da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável foi uma espécie de crônica do fracasso anunciado: se não houve grande decepção, foi simplesmente porque não se esperavam grandes realizações.
O que ficou evidente foi a falta de vontade, principalmente por parte dos países ricos, de investir em programas de vulto de combate à pobreza e às ameaças ao meio ambiente — dois problemas, ou conjunto de problemas, intimamente ligados, porque nada polui mais do que a indústria incipiente de um país subdesenvolvido, e ninguém é mais indiferente aos danos ambientais do que a população miserável que luta cotidianamente pela sobrevivência.
O descaso demonstrado em Johannesburgo vai acabar tendo o seu preço. Por enquanto, tudo pode ser medido em dinheiro: o custo da adaptação dos parques industriais à menor emissão de gases de efeito estufa, da implantação de fontes de energia renovável, da criação de uma infra-estrutura de água potável e saneamento na África Subsaariana e assim por diante. Durante algum tempo — um período que é cada vez mais curto — tudo pode ser calculado em cifras.
Mas chegará o dia em que dinheiro algum será capaz de reverter os efeitos dessa política de inação. Nenhum investimento poderá fazer voltar à vida espécies extintas, reflorestar desertos, recuperar cidades costeiras inundadas devido à elevação do nível dos mares, reconstituir geleiras que o aquecimento global tiver feito derreter.
O que o presidente Fernando Henrique chamou de sovinice dos ricos é fato indiscutível. Em 2001, os países mais desenvolvidos concederam US$ 54 bilhões em ajuda aos pobres, mas deram subsídios a seus próprios agricultores de mais de US$ 350 bilhões. Calcula-se que o custo de manutenção de uma vaca, no Primeiro Mundo, seja três vezes a renda média de um pobre na África.
Mas os ricos recusam-se a aumentar sua contribuição, a gastar menos com suas políticas protecionistas e a sequer discutir a possibilidade de um corte em seus programas de subsídios. No momento, os Estados Unidos são vistos como o grande vilão ambiental, e com certa dose de razão — principalmente, mas não só, por terem rejeitado o Protocolo de Kioto. É uma boa demonstração da visão ecológica do presidente Bush o fato de ele ter escolhido para chefiar seu programa de prevenção de incêndios florestais o geógrafo Allan Fitzsimmons, que não acredita na existência de ecossistemas. Mas protecionismo e subsídios, que ajudam de maneira decisiva a manter na miséria os países mais atrasados, são típicos da política econômica dos países europeus.
Faltou em Johannesburgo, sobretudo, um sentido de urgência. Tanto que foi saudado como um raro grande progresso o acordo para reduzir à metade, até 2015, o número de pessoas carentes de saneamento básico. É, de fato, um avanço; mas o que há para comemorar , se nos dez dias da conferência cerca de 50 mil crianças terão morrido de doenças decorrentes da falta de saneamento?
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09/05/2002
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