As ligações de Pedro Passos








As ligações de Pedro Passos
Agenda apreendida pela Polícia Federal registra todas as relações do empresário com o Governo do Distrito Federal.Ela revela a posição privilegiada de Passos na hierarquia de poder da capital. Nela, estão anotados contatos com Roriz e seus assessores

Agenda Comercial — A única de Janeiro a Janeiro. La única de Enero a Enero. Essa frase em português e espanhol impressa sobre uma capa de couro azul anuncia o mais completo mapa das relações do empresário Pedro Passos com o alto escalão do Governo do Distrito Federal (GDF). Apreendida pela Polícia Federal e hoje em poder do Ministério Público Federal (MPF), a agenda do empresário — que passou toda a semana passada foragido da polícia — revela a posição destacada de Pedro Passos dentro da hierarquia de poder do Distrito Federal.

De acordo com agenda e com um Caderno de Recados, também confiscado pela PF, Pedro Passos era constantemente procurado, por telefone, em seu escritório, na SCLN 311, pelo governador Joaquim Roriz ou assessores diretos, por secretários de estado e presidentes de estatais. Boa parte de quem é poder no GDF ou o exerceu nos últimos quatro anos telefonou ou recebeu telefonemas de Pedro Passos.

A agenda de Pedro Passos e seu Caderno de Recados mostram, por exemplo, que o governador Joaquim Roriz ligou no dia 18 de dezembro de 2000, às 14h30, para o empresário. Em outra ocasião, cuja data não está registrada, o empresário recebeu um telefonema feito por Cap. Cassimiro (provavelmente, o militar ajudante-de-ordens do governador Roriz).

A agenda do empresário, condenado pela Justiça por parcelamento ilegal do solo, aumenta o calibre da ameaça feita por Márcio Passos, irmão de Pedro, que disse ter gravado em vídeo ou em fitas K-7 quase todas as autoridade do GDF.

Há 15 dias, motivado por disputas políticas, Márcio Passos entregou ao Correio uma fita de vídeo onde o ex-secretário de Assuntos Fundiários Odilon Aires (PMDB) aparece, em conversa com Pedro Passos, falando de propinas e distribuição de lotes para autoridades. Na gravação, Odilon reclama que estava levando apenas 50 lotes, enquanto outros receberiam de 100 a 300.

Na entrevista que concedeu ao Correio, Márcio Passos afirmou que
todas as autoridades do GDF foram gravadas em vídeo ou em fitas comuns. Perguntado se havia grampeado o governador Roriz, Márcio respondeu: ‘‘Gravei todo mundo que está ou passou pelo governo’’.

Os dois cadernos reunidos mostram que Pedro Passos trocava telefonemas e tinha, de fato, contatos com o alto escalão do DF (veja exemplos de fac-símiles extraídos da agenda). Mas só em raros casos há indicativos do teor das conversas ou dos encontros mantidos pelo empresário com seus interlocutores. Em 22 de fevereiro (provavelmente de 2000), por exemplo, a agenda do empresário anota, para às 20 horas, uma reunião no restaurante La Gioconda, na 102 Sul, para discutir a escolha de juízes.

As ligações e recados anotados nos dois cadernos apreendidos pela PF mostram que o empresário, que tem negócios públicos de criação de cavalos e uma pequena imobiliária, manteve, durante todo o ano de 2000 e parte de 2001, contatos freqüentes com empreiteiros da cidade e com o então secretário de Obras, Tadeu Filippelli (PMDB). Também foram muitos os contatos com Roberto Scaringella, o mentor das obras viárias tocadas pelo GDF.

Houve, ainda, várias ligações, por exemplo, para o empreiteiro José Celso Gontijo, dono da Via Engenharia, construtora da Terceira Ponte sobre o Lago Sul. Pedro Passos teve, justamente, sua prisão decretada pela Justiça porque foi apontado pelo Ministério Público do Distrito Federal como responsável pelo parcelamento (loteamento) de um terreno de aproximadamente 200 hectares próximo a futura ponte.

As agendas fazem parte de um vasto material apreendido pela PF na empresa dos irmãos Passos (leia matéria abaixo), objeto de um processo por improbidade administrativa, movido contra o governador Joaquim Roriz, em tramitação na 3ªVara Federal.


Avenir é solto pelo TER
O advogado Avenir Rosa poderá continuar sua campanha para deputado distrital pelo PFL. O candidato, acusado de promover venda de lotes em troca de votos, saiu à noite da carceragem da Polícia Federal onde estava preso desde a última sexta-feira. O pefelista foi solto graças à decisão do juiz auxiliar George Lopes Leite, do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), que concedeu relaxamento de prisão ao candidato.

Assim como o empresário e candidato a distrital Pedro Passos (PSD), Avenir Rosa foi beneficiado pelo artigo 236 do Código Eleitoral. A norma proíbe a detenção de candidatos a cargos públicos no período de 15 dias antes das eleições, salvo em flagrante. A diferença em relação a Passos, acusado de parcelar irregularmente área nobre no Lago Sul, é que Avenir passou quatro dias na PF. O empresário, por sua vez, ficou foragido até sábado, quando começou o período de 15 dias que protege os candidatos de prisão.

Avenir Rosa saiu da carceragem da PF às 20h20. Sorridente e de banho tomado, foi recebido na porta da Superintendência da Polícia Federal por cerca de 50 pessoas, entre parentes, amigos e cabos eleitorais. O candidato subiu em um carro de som e aproveitou para fazer discurso. ‘‘Esse alvará de soltura é do povo de Brasília. Nada vai calar a voz de Avenir Rosa’’, disse.

Apesar de solto, o candidato responde a inquérito aberto pela PF por infração ao artigo 299 do Código Eleitoral, que proíbe ao candidato dar vantagens em troca de voto. A polícia instaurou inquérito depois que o Correio publicou reportagem sobre reunião promovida por Avenir na área rural do Gama, na qual prometeu vender lotes a R$ 1 mil em troca de votos.


Sem medo de ficar na cadeia
Pedro Passos diz ter certeza de que a Justiça revogará seu pedido de prisão. Carro de som do empresário convida moradores do Paranoá para comício e anuncia presença do governador Roriz

Os planos do governador Joaquim Roriz de se manter afastado do empresário Pedro Passos esbarraram em um obstáculo inconveniente: o próprio empresário. Candidato a deputado distrital pelo PSD, Passos adotou na campanha o slogan Amigo do governador. E não pretende se livrar dele. Em corpo-a-corpo ontem no Paranoá, ele garantiu que sua ligação com o governador continua inabalável. ‘‘Nossa relação é ótima porque é construída em cima de uma amizade leal’’, afirmou.

A convicção do candidato se estendeu à propaganda no carro de som que o acompanhava na avenida principal do Paranoá. Ao convidar os moradores para o comício de Pedro Passos, na noite de ontem, o locutor confirmava a presença da dupla Chico Rei e Paraná e do ‘‘senhor governador Joaquim Roriz’’.

Em meio a manifestações de apoio de moradores do Paranoá, o empresário disse ter certeza de que não irá preso. O prazo do relaxamento de prisão — concedido sábado pelo desembargador Edson Smaniotto — termina 48 horas depois do dia 6 de outubro. Mas ele está confiante de que, até lá, o pedido de prisão será revogado.

‘‘A prisão foi fundamentada em argumentos falsos, não tem consistência jurídica. Tenho certeza absoluta de que a Justiça vai acatar um de nossos recursos.’’ A confiança de Pedro Passos não foi suficiente para livrá-lo de uma situação constrangedora, domingo. Em um comício no Setor de Cargas, o governador fez questão de ficar distante dele. ‘‘Isso são intrigas’’, desconversou Passos.

A decisão de esfriar as relações com o empresário foi tomada depois que Roriz constatou a insatisfação dos eleitores com as denúncias de envolvimento do governo em grilagem de terras. Ele decidiu apoiar as investigações. Apresentou-se ao Ministério Público e tenta co nvencer os deputados governistas a aprovar a CPI dos Passos.

‘‘Nunca neguei minha amizade com os Passos, mas eles nunca interferiram no governo, assim como não me meti em seus negócios’’, afirmou Roriz. O governador tinha comício em São Sebastião, ontem à noite, mas cancelou os compromissos após o acidente que resultou na morte de uma pessoa segunda-feira, no comício de Santa Maria (leia na página 12).

A prisão dos irmãos Pedro e Márcio Passos e do topógrafo Vinicio Tasso foi decretada dia 11. Eles são acusados de fazer parcelamento ilegal de área atrás da QI 27 do Lago Sul.


Cabral repele ataque à liberdade de imprensa
Durante seis minutos e 35 segundos, o presidente dos Grupo Associados e do Correio Braziliense exerceu o direito de resposta, concedido pelo TRE,no programa da Frente Brasília Cidadão

Paulo Cabral de Araújo, presidente dos Grupo Associados e do Correio Braziliense, ocupou parte do programa da Frente Brasília Cidadã no horário eleitoral gratuito da noite de ontem. Era o direito de resposta concedido ao Correio pelo Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF) diante dos ataques dirigidos pela coligação que apóia o governador Joaquim Roriz (PMDB) contra o jornal e contra Paulo Cabral e os jornalistas Ricardo Noblat, chefe de redação do Correio, e Rebeca Scatrut, mulher de Noblat.

‘‘Fomos todos alvos de graves ofensas à nossa honra. Pior do que isso. Vimos ressurgir em plena capital da República uma velha prática autoritária que pensávamos enterrada. Refiro-me à tentativa de cercear a liberdade de imprensa garantida pela Constituição’’, disse Paulo Cabral, no pronunciamento de seis minutos e 35 segundos. ‘‘Mas o Correio e seus jornalistas não se renderão diante de ameaças e fanfarronices. Ao contrário, serão ainda mais estimulados a buscar a verdade e a publicá-la.’’

O direito de resposta foi concedido pelo juiz eleitoral substituto Jair Oliveira Soares no domingo. No entender do magistrado, a coligação ocupou espaço destinado à apresentação das propostas de seus candidatos com ataques contra a honra de pessoas que sequer estão envolvidas no processo eleitoral. Os repetidos ataques da Frente Brasília Solidária foram ao ar terça, quarta e quinta-feira da semana passada.

Leia a seguir a íntegra do pronunciamento de Paulo Cabral de Araújo no horário eleitoral.


Governo gasta mais com juros
Apesar de uma economia de R$ 37,3 bilhões este ano, as contas da União registram rombo de R$ 23,3 bilhões quando são registrados os gastos com juros. As despesas com taxas da dívida pública subiram 76% em agosto

O que era para ser um dia de boas notícias, transformou-se em uma decepção. Estava tudo preparado pelo Banco Central para que a redução de R$ 35,3 bilhões na dívida pública em agosto, quando comparada à de julho, ajudasse o mercado financeiro a retomar a confiança na capacidade do governo de pagar em dia seus compromissos. Mas os números divulgados pelo chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, acabaram azedando o humor dos investidores a 11 dias das eleições (leia mais na página 14).

No mês passado, os gastos com os juros da dívida pública totalizaram R$ 9,191 bilhões, 76% a mais que em julho. Essas despesas aumentaram, sobretudo, por causa da expressiva alta dos juros dos títulos cambiais no mercado. Como esses papéis estão sendo negociados a taxas superiores a 50% ao ano, refletindo toda a desconfiança em relação ao governo, o Banco Central foi obrigado a contabilizar esses encargos na sua carteira, recheada de títulos cambiais.

Lopes avisou ainda que a dívida pública, cujo saldo diminuiu para R$ 784,061 bilhões em agosto por causa da queda do dólar (58,3% do Produto Interno Bruto — PIB) —, vai bater novo recorde neste mês se os preços do dólar não recuarem. Pelas suas contas, levando em conta uma cotação de R$ 3,55, a dívida pública saltaria para um patamar superior a 62% do PIB. Em julho, esse débito bateu em 61,9% do PIB. Altamir ressaltou, também, que, para cumprir a meta da dívida acertada com o Fundo Monetário Internacional para este mês, o dólar teria que ficar em R$ 3,18. No caso da meta de dívida para dezembro, essa moeda teria que estar próxima dos R$ 2,90. Ontem, porém, foi negociada a R$ 3,78.

No acumulado entre janeiro e agosto, os gastos com juros somaram R$ 60,690 bilhões, quase R$ 5 bilhões a mais que em igual período do ano passado. Apesar de ter conseguido economizar R$ 37,358 bilhões nos oito primeiros meses do ano, o chamado superávit primário, o governo registrou um rombo de R$ 23,331 bilhões, quando incorporados os encargos da dívida. Ou seja, mesmo com todo o arrocho nas suas despesas, o governo continua operando no vermelho por causa dos juros altos.

Para cumprir a meta de R$ 41 bilhões de superávit primário definida pelo FMI no acumulado entre janeiro e setembro e, assim, garantir a liberação de novos empréstimos pela instituição, o governo terá de economizar R$ 3,642 bilhões neste mês. Para isso, segundo Lopes, conta com R$ 1,7 bilhão em Imposto de Renda pagos pela Caixa de Previdência dos Empregados do Banco do Brasil (Previ).


Mais perto do 2º turno
Lula lidera com mais que o dobro da preferência dos entrevistados por Serra, o segundo colocado. Mas o petista tem sete pontos menos que a soma dos votos dados aos adversários e, hoje, não venceria no primeiro turno

Pesquisa Vox Populi/Correio realizada dias 23 e 24 de setembro indica que a eleição presidencial será decidida em segundo turno entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e, provavelmente, o candidato José Serra (PSDB). Lula obteve 41% das intenções de voto, um ponto a menos do que o percentual atingido na pesquisa anterior. Serra ficou com 19%, dois pontos acima do percentual registrado na semana passada. Ciro Gomes (PPS) caiu um ponto. Ficou com 14%, empatado com Anthony Garotinho (PSB), que subiu dois pontos. As mudanças, no entanto, estão dentro da margem de erro de dois pontos percentuais da amostragem.

O segundo turno se configura porque a soma dos adversários de Lula supera a votação dele em sete pontos. Serra, Ciro, Garotinho e Zé Maria (PSTU) têm juntos 48% das intenções de voto, enquanto Lula tem 41%. Na simulação de segundo turno, Lula vence qualquer um dos concorrentes. Contra Serra, o petista tem hoje 51% contra 33%.

‘‘O eleitor parece não querer solução no primeiro turno, mas esse quadro ainda pode mudar’’, afirma João Meira, diretor do Vox Populi.

A pesquisa mostra também que a diferença de mais de 20 pontos percentuais entre Lula e Serra dificilmente será tirada nos 15 dias de campanha do segundo turno. É que, neste caso, Serra teria ainda que reduzir seu índice de rejeição. Ele tem hoje a desvantagem de ser o mais rejeitado entre os quatro principais candidatos: 29% dos 2.457 entrevistados pelo Vox Populi disseram não votar nele de jeito nenhum. Ciro é rejeitado por 25% dos eleitores ouvidos, enquanto a rejeição a Lula e Garotinho está em 24%.

As entrevistas foram feitas nas casas dos eleitores, distribuídos em 152 municípios. Somente 7% dos entrevistados disseram não saber em quem votar para presidente.


Artigos

Privilégios antidemocráticos
Dalmo de Abreu Dallari

A Constituição define o Brasil como Estado Democrático de Direito. A definição tem muitas conseqüências práticas, em grande parte já refletidas no corpo da própria Constituição, quando fixa regras para situações concretas, mas deve estar sempre na lembrança de todos, especialmente dos membros do Legislativo e do Judiciário quando elaboram leis ou cuidam de sua aplicação. Uma dessas conseqüências é a afirmação da igualdade como princípio fundamental, não se admitindo a existência de cida dãos de primeira e de segunda classe, não havendo lugar para privilégios legislativos ou judiciários em favor de algumas pessoas. Todos são iguais perante a lei, a lei é igual para todos, todos são juridicamente responsáveis por seus atos e todos têm o mesmo direito de defesa e as mesmas garantias, consagrados na Constituição. A afirmação desses princípios, abolindo os privilégios da nobreza, foi grande conquista da humanidade e é uma das características do Estado Democrático de Direito.

Tudo isso deve ser lembrado agora para barrar a pretensão de se criar no Brasil nova categoria de lordes. Por absurdo que pareça, isso é o que está sendo proposto por meio de projeto de lei sustentado por parlamentares que apóiam o governo federal. Embora seja escandalosamente inconstitucional, o projeto — número 6.295/02 — foi, estranhamente, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Deputados, onde se supõe que haja conhecedores da Constituição.

Para se ter certeza da inconstitucionalidade, basta um simples confronto do que dispõe a Constituição com o texto do projeto, muito breve, limitando-se a propor pequeno ajuste de redação e o acréscimo de um parágrafo ao artigo 84 do Código de Processo Penal (Decreto-lei nº 3689, de 3.10. 1941). Diz a Constituição, no artigo 102, que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente, nas infrações penais comuns, o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, os próprios ministros do Supremo Tribunal e o procurador geral da República. E nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, essa competência originária se estende aos ministros de Estado, aos comandantes das três armas, aos membros dos tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União.

O privilégio de só ser processado perante o STF impede que os que estejam no exercício daquelas funções sofram processos em diferentes pontos do país, o que poderia ser contrário ao interesse público, uma vez que todos esses personagens estão sediados na capital da República e a necessidade de irem a outros pontos do país para se defenderem em processos poderia prejudicar o bom exercício da função. O artigo 84 do Código de Processo Penal reafirma o privilégio, que denomina prerrogativa de função, pois, como dispõe a Constituição, só beneficia pessoas por estarem no exercício de certas funções, concedendo-lhes foro privilegiado.

O que se está pretendendo por meio do projeto de lei acima referido é acrescentar um parágrafo único ao artigo 84, para garantir o privilégio, que é da função e não do cidadão, a pessoas que já tenham deixado o cargo e, portanto, não estejam mais no exercício da função. Segundo dispõe o texto do projeto, se o ato denunciado como ilegal tiver sido praticado no exercício do cargo ou a pretexto de exercê-lo, prevalece a competência por prerrogativa de função ‘‘ainda que o inquérito ou ação penal sejam iniciados após a cessação do exercício funcional’’. Note-se a gritante incoerência, pois, ao mesmo tempo em que se fala que a competência privilegiada é ‘‘por prerrogativa de função’’, acrescenta-se que tal privilégio permanece ‘‘após a cessação daquele exercício funcional’’, ou seja, quando a pessoa já não está mais exercendo a função, não havendo, portanto, qualquer interesse público na concessão do privilégio.

Obviamente, o que se pretende é a criação deprivilégio para cidadãos comuns, ‘‘prerrogativa de ex-funcionários’’, criando-se uma espécie de cidadania de primeira classe. Além de ser ilógico e injusto o estabelecimento desse privilégio só pelo fato de que alguém exerceu uma função pública, o projeto é inconstitucional, porque a Constituição estabelece expressamente a competência dos tribunais superiores e só por meio de emenda constitucional isso poderá ser modificado. Assim, por exemplo, no artigo 102 está disposto que o STF é competente para julgar o presidente da República e os ministros de Estado nas infrações penais comuns, não se falando em ex-presidente e ex-ministro. Um projeto de lei e não proposta de emenda constitucional alterando esse dispositivo é claramente inconstitucional e deve ser rejeitado.

A par dessa evidente inconstitucionalidade, o privilégio que se quer conceder a certas pessoas pelo fato de terem exercido funções públicas contraria também o artigo 5º da Constituição, que estabelece que ‘‘todos são iguais perante a lei’’, o que é coerente com o Estado Democrático de Direito. Nem se diga que o fato de ter exercido função pública importante justifica o privilégio porque o exercício da função acarreta inimigos e aquele que passa à condição de cidadão comum ficaria muito vulnerável. Basta ver que todos os que exerceram a Presidência da República no Brasil e ainda estão vivos têm atividades normais e intensas e nunca se ouviu de nenhum deles uma queixa por não ter foro privilegiado.

A implantação de tal absurdo na ordem jurídica brasileira seria o restabelecimento de um privilégio da nobreza, incompatível com os princípios democráticos e com uma Constituição democrática. É da essência da democracia a igualdade de direitos e deveres dos cidadãos. No Brasil de hoje todos os que tiverem exercido função pública e que forem chamados a se defender de acusações numa ação judicial têm assegurada a plenitude do direito de defesa, como também têm a garantia de que serão julgados por um juiz independente e imparcial. Desde 1889, com a proclamação da República, foram abolidos no Brasil os privilégios da nobreza e nenhuma razão respeitável justifica sua restauração, que seria inconstitucional, imoral e injusta.


Editorial

A DOUTRINA BUSH

O mundo ganhou o décimo-primeiro mandamento. Os Estados Unidos na Terra e Deus no céu. Está lá, numa das 33 páginas da nova Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos, documento apresentado pelo presidente George W. Bush ao Congresso, sexta-feira: o país usará ‘‘todos os meios’’ para manter-se como única potência mundial.

A pax americana anunciada à humanidade por Bush é fundamentalmente militar. E o ponto mais polêmico do rol de princípios que guiará sua política externa é a teoria da prevenção do mal — agora evocada para legitimar um ataque ao Iraque. Mesmo que a existência do mal não esteja bem clara.

Ações militares preventivas contra Estados considerados ‘‘hostis’’ e grupos terroristas que representem possível ameaça ao povo americano seriam completamente justificadas pela nova diretriz. O documento também enterra a maioria dos tratados de não-proliferação nuclear e introduz o conceito do desmantelamento forçado de armas.

A nova bíblia da Casa Branca eliminou os elementos básicos da política externa norte-americana desde a década de 40. Para Bush, em um mundo transformado não há outra forma de conter os que odeiam os Estados Unidos e tudo o que eles representam.

O presidente também deixa claro que não pretende permitir que qualquer potência estrangeira diminua a enorme dianteira militar assumida pelos americanos desde a queda da União Soviética, em 1991, numa clara alusão a potências em ascensão como a China. Ou seja: se depender de seus esforços, o mundo unipolar pós-Guerra Fria continuará unipolar, sendo os Estados Unidos a única superpotência.

É claro que Washington promete que todo o poder supremo será usado a favor do bem, da justiça e da ética. Mas quem vai traçar, em cada caso, os limites? Quando se tem um farol guia, um exemplo único do bem ou um só árbitro, quem garante a imparcialidade do julgamento?

A doutrina Bush estarrece. Trata-se da abordagem mais agressiva de segurança nacional surgida no país desde a era Reagan. O governo da superpotência deixa claro que n ão precisa de aliados nem de consenso internacional para agir.

Pode fazer desaparecer, assim, o princípio básico que regeu culturas, povos e países — o da convivência democrática com o diverso. O diferente de nós. É ameaça muito maior do que qualquer arma química ou biológica enterrada no deserto iraquiano.


Topo da página



09/25/2002


Artigos Relacionados


Rosa Passos e Orquestra Jovem Tom Jobim se apresentam no Theatro São Pedro

Passos certeiros

Morre ex-senador Passos Porto

Irmãos Passos chantageiam Roriz

Os negócios dos Passos com grupo do Roriz

Justiça grampeou os irmãos Passos