Banco do Povo oferece crédito sem burocracia com juro de 1% ao mês



Programa do Governo do Estado viabiliza empreendimentos que geram emprego e renda

Qual é o preço, em reais, de uma mudança de vida? Valores entre R$ 200 e R$ 5 mil podem parecer insignificantes para quem imaginou que seria necessário ganhar sozinho na loteria. Mas são justamente quantias como estas que estão transformando destinos de trabalhadores de São Paulo, gente que sempre teve arrojo, criatividade e persistência, mas que nunca recebeu apoio. Há dois anos, o governo Covas criou o Fundo de Investimentos de Crédito Produtivo Popular, conhecido como Banco do Povo, que financia projetos de pessoas que desejam incrementar seus negócios ou criar novos empreendimentos. Esse desejo aparentemente simples é real. Um exemplo é Roberto Barbieri, 51 anos, sem ensino fundamental completo. Ele precisou de apenas R$ 2 mil para multiplicar o seu salário num único mês. Agricultor experiente, Barbieri sabia que um velho trator seria capaz de libertá-lo do cultivo manual que ele dedicava diariamente a três alqueires de terra e, assim, garantir-lhe o tempo extra que ampliaria seu campo de trabalho e aumentaria sua renda. O velho homem da terra só não sabia a quem pedir esse dinheiro. Apesar de décadas de trabalho, Barbieri tinha apenas R$ 1.500 guardados, e nenhum comprovante de renda. Uma ficha limpa, sem registros de calote, mas insuficiente para obter um financiamento em instituições bancárias privadas. Ele é caseiro de fazenda, cujo dono não tem interesse em produção agrícola e, por isso, cede três das dezenas de alqueires para plantio, sem cobrança de taxa. Colheita - Sorte maior Barbieri teve ao descobrir que em Itu, sua cidade natal, a Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho havia fechado uma parceria com a prefeitura para instalação de uma agência do Banco do Povo. Foi até lá e, contados dez dias após a entrega da documentação, conseguiu os R$ 2 mil que precisava para comprar o trator amigo. Hoje em dia, a máquina o ajuda a cuidar dos três alqueires. O agricultor plantou melancia, mandioca, cenoura e feijão. Com o tempo ganho, passou a alugar a recém-adquirida máquina para trabalhos em propriedades vizinhas. Com o aluguel, nas primeiras duas semanas, arrecadou R$ 350. Apenas com as melancias que plantou em um dos alqueires, cuja colheita já está encomendada, deve faturar mais R$ 2 mil. Seu salário habitual é de R$ 700. “O Banco do Povo foi a melhor coisa que podia ter me acontecido. Nossa Senhora, foi muito bom”, diz o agricultor, que há 18 anos perdeu um sítio que tinha em Capão Bonito para os juros abusivos do sistema bancário. O que mais o entusiasmou nesse projeto do Governo Estadual foram a taxa de juros, de incrivelmente baixos 1% ao mês, e a falta de burocracia na concessão do financiamento, já que o avalista não precisa comprovar a posse de propriedades, mas apenas uma renda mensal que represente 30% do valor das prestações. São condições improváveis em qualquer outro banco. Empregos - A baixíssima taxa de juros e a simplicidade na concessão do financiamento são os dois pilares do Banco do Povo, programa criado em setembro de 99 com o objetivo de dar suporte aos micros e pequenos empreendedores, mesmo aqueles sem estabelecimento formal, e assim gerar renda e emprego, desafios eleitos como prioritários pelo governador em exercício. Ao contrário de tradicional parcela de projetos públicos, o Banco do Povo do Estado de São Paulo não depende de fundos externos, princípio que o impede de provocar endividamento. As verbas utilizadas nesse programa vêm apenas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), arrecadado in loco e revertido para a população. Uma forma eficaz de promover o ingresso de pessoas de baixa escolaridade e renda na cadeia produtiva e dar partida numa corrente de criação de novos empregos. Quando criou esse projeto a pedido do governador Mário Covas, o secretário do Emprego e Relações do Trabalho, Walter Barelli, sabia que iniciativas paternalistas não resolveriam nenhum problema a médio e longo prazo. O importante, costuma dizer Barelli, é incutir confiança nas pessoas e fazê-las acreditar em sua capacidade de criar alternativas às dificuldades sociais. “Um auxílio pontual pode aliviar a dor de uma pessoa em necessidade por algum tempo, mas é incapaz de livrá-la do ciclo de pobreza. Por outro lado, se são criadas condições para que ela descubra em si mesma a capacidade de mudar definitivamente sua vida, é gerada uma corrente de criação de renda e, espetacularmente, uma fonte de empregos para outras pessoas”, afirma Barelli. Com a ajuda de um financiamento do Banco do Povo, Neusa Maria de Jesus, costureira que nasceu e vive na cidade litorânea de São Vicente há 51 anos, mantém duas funcionárias e deu emprego a duas irmãs, uma filha e a um sobrinho. Hábil no desenho e produção de roupas, Neusa precisava de três máquinas simples e pequenas, mas que nunca conseguiu comprar, muito embora trabalhe com confecção há mais de 15 anos. Ela sempre teve medo de tomar empréstimos de bancos comuns e se enroscar no novelo dos juros. Vento a favor - Esse receio a fez hesitar antes de tomar o financiamento. “Fiquei pensando se valia mesmo a pena assumir uma dívida. Meu medo era que a gente não fosse produzir roupas em quantidade suficiente depois de comprar as máquinas”, lembra Neusa. Temor natural para alguém que, anos antes, quase faliu devido às trapalhadas de um vendedor autônomo cujos serviços contratara, induzida pelo marido. Decadente, esse vendedor fechou muitas encomendas para lojistas que depois se mostrariam inadimplentes. Resultado: peças encalhadas, prejuízo e princípio de pânico. Na esteira desse insucesso veio a viuvez, em 98. Em meio à tempestade, Dona Neusa ainda não sabia, mas o vento estava começando a soprar a favor. “Meu marido era muito ciumento. Não me deixava organizar desfiles das roupas que eu fazia porque não queria nem que eu conversasse com outros homens. Até convite para aparecer na Hebe Camargo tive de recusar por causa dele”, diz. Refeita, enxergou mais claramente que o casamento havia represado seu desenvolvimento pessoal. Voltou à carga e foi necessário pouco tempo para notar que precisava de uma máquina de cortar tecido e outra que fixasse vários panos sobre a mesma superfície, permitindo o corte simultâneo deles. “Eu segurava o molde sobre o tecido com uma mão e ia passando a lâmina com a outra. Era cansativo e demorado”, lembra a costureira. Confiança - Com o incentivo de seus dois irmãos, há 11 meses Neusa decidiu correr o risco e comprar as máquinas. Na agência do Banco do Povo, o Agente de Crédito José Ricardo Ventura apresentou o programa de financiamento para depois incutir nela a dose de confiança que faltava. Ventura ainda lembra os temores da sua cliente. “O que eu acho é que a contadora dela ficou com receio de mostrar os números da empresa. Eu disse o seguinte para a dona Neusa: ‘Olha, eu vou tomar um café e daqui 15 minutos eu volto. Pense direito, mas eu garanto, pode confiar em mim”, conta ele. “Quando voltei, ela estava decidida”. Neusa captou R$ 4.225 para as máquinas e compra de tecido. Com o mesmo número de colaboradores, fez a produtividade pular da média semanal de 200 biquínis para 600 a 700 peças em igual período. Os tecidos também rendem mais, porque as novas máquinas diminuíram o desperdício. Discreta, diz que ainda não sabe quanto o faturamento cresceu. Mas se permite contar que já está atendendo várias cidades do Litoral Sul. Desta vez, com a ajuda de um vendedor competente. O Banco do Povo é diferente de um banco tradicional também em sua estrutura física e método de atuação. Ele chega aos municípios de São Paulo através de parcerias com as prefeituras. O Estado entra com 90% dos recursos e as prefeituras, com os 10% restantes. Suas agências são salas sem qualquer luxo, sempre encravadas em prédios das administrações municipais. Cheque nominal - Os créditos não são concedidos em dinheiro, mas em cheques nominais aos fornecedores, escolhidos após concorrência de preços. Essa é a garantia do uso correto da verba. E, para fazer os demais bancos morrerem de inveja: atrasos superiores a 30 dias no pagamento das prestações se limitam a 1,4% do total dos mais de R$ 11 milhões concedidos até setembro de 2000. Os funcionários de ponta do Banco são os Agentes de Crédito, funcionários indicados pelas prefeituras, mas treinados e supervisionados pelo Estado. A função deles é selecionar os tomadores de crédito e também divulgar a existência da instituição, muitas vezes até mesmo no corpo-a-corpo. Como conseqüência, fazem amigos por toda a cidade. Mas, sem dúvida, a pedra de toque do Banco são as pessoas que atende. Existe um perfil sócio-econômico pré-determinado que compõe o público-alvo das linhas de crédito. Dentro dele, cabem projetos dos mais diferentes tons. Quando Amarildo Firmino Trugilio, 32 anos, procurou a agência de Tupã, ninguém desdenhou sua idéia. Ele queria ser o palhaço Xulé (isso mesmo, com “x”) em tempo integral. Precisava de material para isso. Conseguiu o crédito. Festa - “Eu animo festas infantis há 15 anos, mas fazia isso só de final de semana. Eu era vendedor numa loja aqui da cidade para poder ganhar meu dinheiro. Mas ficava lá dentro sonhando com minha carreira de palhaço. Um dia tomei coragem e deixei o serviço”, conta ele. Com o dinheiro da rescisão contratual, comprou um castelo inflável, daqueles em que as crianças ficam saltando lá dentro. Com tempo livre, começou a fazer festas também durante os dias úteis. “Notei que eu podia crescer e que ia precisar de mais estrutura”, lembra Xulé. Foi nesse momento que o palhaço convidou o Banco do Povo para a festa. Ele captou R$ 2.300. Comprou mais brinquedos e novas fantasias, com as quais passou a vestir os 12 assistentes que agora contrata para as principais festas que anima. E, especialmente, trocou seu Ford Del Rey por uma Kombi, já que o porta-malas do seu antigo sedã era pequeno demais para tantos brinquedos e alegria. Xulé, casado e pais de dois filhos, agora percorre até as cidades vizinhas e chega a faturar em um único fim-de-semana o que faturava como vendedor. “Onde eu vou, eu falo do Banco do Povo para todos que se interessam pelo meu trabalho. Esse Banco foi uma benção pra mim”, diz Amarildo ou, se preferirem, o palhaço Xulé. Seja pelo inusitado pedido ou por ocupar um ponto extremo na pirâmide social, Domingos Vieira de Souza, 23 anos, é outro símbolo expressivo da atuação do Banco. Com pouco estudo, pois aos 10 anos largou a escola para trabalhar como catador de sucata, Souza foi à agência de Sumaré conduzido pelo Departamento de Bem-Estar Social da prefeitura. Queria ajuda para comprar um cavalo e uma carroça. Assim, dizia ele, ia parar de puxar seu carrinho com os próprios braços e poderia ganhar mais um pouco. Surpresas - Ele conquistou um crédito de R$ 350, comprou a égua Xuxa e uma carrocinha. Pai de duas filhas e tutor de outras duas da atual mulher, Souza já conseguiu arrecadar R$ 200 na primeira quinzena após a chegada da carroça. Não costumava fazer isso em um mês. “Você é a primeira pessoa que está me dando uma força nessa vida”, diz Souza, olhando para o Agente de Crédito Valter Luiz Colossal, 35 anos. “Imagina, quem está te ajudando é o Banco do Povo”, responde Colossal, meio sem jeito. Souza já pensa em pedir novo financiamento para comprar uma segunda carroça. Uma vez que o dinheiro anda sempre ao lado do trabalho na vida de pessoas comuns, é do suor que chegam as melhores surpresas. Jean Paulo, 30 anos, não é cliente do Banco, mas mesmo assim conheceu a mulher dos seus sonhos através de uma porta aberta pelo financiamento que sua mãe, Valentina de Jesus Silva de Toledo, captou nessa instituição. Portadora de um deficiência física chamada ossiomielite -ausência de uma das rótulas - viúva e mãe de seis filhos, Valentina, 56 anos, viu no jornal um classificado de venda de um aparelho de som para a transmissão de mensagens festivas pelo telefone, há dois anos. Quem já recebeu uma mensagem de amor ou congratulação pelo telefone sabe de que tipo de serviço se tratam as telemensagens. Parabéns - “Quando eu li aquele anúncio, notei que era a melhor maneira de manter a minha vida sem precisar sair de casa”, diz Alterosa, que por 40 anos trabalhou como vendedora, antes de se ver impossibilitada de caminhar por causa de sua deficiência. No Banco do Povo de Jacareí, ela conseguiu obter dois empréstimos em dois anos, o primeiro de R$ 1.600 e, o segundo, de R$ 2.000. Com o dinheiro, organizou o serviço de telemensagens e hoje conta com mais de 4 mil clientes cadastrados. Arrecada uma média de R$ 1.300 líquidos, muito superiores aos R$ 680 das aposentadorias dela e do falecido marido. Com a melhora de vida, conseguiu quitar a chácara e concluir a casa onde mora. Todos os filhos estão criados. Entre eles, Jean Paulo, um ex-desempregado e que conheceu sua atual mulher ao atendê-la num pedido de telemensagem. Quatro meses depois, já casado, comprou a empresa de sua mãe. Ela, por outro lado, já está organizando um serviço de entrega de cestas de café-da-manhã, e pensa em pedir novo empréstimo ao Banco do Povo. “Esse Banco foi a melhor coisa que poderia ter acontecido na minha vida”, diz. Para encerrar, nada melhor do que escutar uma das 2.500 telemensagens oferecidas pela empresa criada pela dona Alterosa. E que todos os paulistas que já se beneficiaram dos financiamentos do Banco do Povo a tenham para si: “Parabéns, pelas portas abertas, pelos horizontes azuis, pelo sucesso alcançado! Pelo seu valor reconhecido e seu carisma pessoal! Você deve ter superado muitas dificuldades. Muitas coisas maravilhosas ainda estão por surgir em seu trajeto. Você vai deixar um exemplo digno de grande profissional que é”. Condições para empréstimo O Banco do Povo existe para financiar pessoas que estejam produzindo no município há mais de seis meses, e que nele morem há mais de dois anos. Os candidatos a financiamento não podem ter restrições no Serviço de Proteção ao Crédito. Seus ganhos brutos devem estar limitados a R$ 87.300 ao ano. Dívidas, aquisição de veículo de passeio e compra de matérias-primas para a produção agrícola não são financiados pelo Banco do Povo. Antes de conceder o financiamento, os Agentes de Créditos fazem uma pesquisa em instituições financeiras e também na vizinhança, na tentativa de descobrir o perfil de quem solicita dinheiro. O Banco empresta de R$ 200 a R$ 5.000 para pessoas físicas ou jurídicas que se encaixem no perfil. Para cooperativas e associações, os limites vão de R$ 200 a R$ 25.000. Para o pagamento de empréstimos de capital

12/08/2000


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