'Comunidades' que tratam de dependentes químicos têm dificuldade de acesso a recursos públicos
Estima-se que quase 80% dos tratamentos de dependência química são feitos pelas comunidades terapêuticas, grande parte delas vinculadas a grupos religiosos. Mas elas se defrontam com o problema da falta de recursos. As dificuldades dessas comunidades para obter financiamento público foi um dos temas discutidos nesta quinta-feira (14) pela Subcomissão Temporária do Senado sobre Políticas Sociais para Dependentes Químicos de Álcool, Crack e Outras Drogas.
Durante a audiência pública promovida pela subcomissão, a secretária de Assistência Social e Trabalho do município de Ponta Porã (MS), Doralice Alcântara, disse que as comunidades terapêuticas ainda não conseguem se adequar às normas exigidas pelo governo federal e, por isso, têm dificuldade em obter recursos da União.
- E aí, como não conseguem o financiamento, não fazem a adequação. Torna-se um ciclo. É necessário um período de transição - argumentou.
As normas e as exigências a que ela se refere estão na Resolução 101, de 2001, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que estabelece regras para a atuação das comunidades terapêuticas.
Assim como Doralice, a secretária nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça, Paulina Duarte, lembrou que muitas dessas comunidades "recebem há muito tempo algum suporte por parte dos municípios, apesar de isso ser insuficiente". Segundo Paulina, a maioria das comunidades terapêuticas foi criada "com boa vontade", mas sem uma estrutura adequada para atender os dependentes.
Ela citou levantamento feito em 2006 pelo governo federal, Universidade de Brasília (UnB) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no qual se verificou que quase 80% dos tratamentos de dependência são feitos por essas comunidades.
Ao responder a questionamento do senador Waldemir Moka (PMDB-MS) sobre a dificuldade na obtenção de financiamentos, Paulina lembrou que, no ano passado, o governo federal lançou um edital destinado às comunidades terapêuticas no valor total de R$ 34 milhões. Paulina ressaltou que ela mesma escreveu o edital, no qual evitou referências à resolução da Anvisa, exigindo "critérios mínimos que as comunidades são capazes de cumprir".
- Apesar das 2.500 vagas previstas, foram apresentadas demandas para apenas 985 vagas, pois os municípios não apresentaram projetos suficientes - lamentou.
Esse edital foi apresentado no âmbito do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, também lançado em 2010.
Orientação religiosa
O presidente da subcomissão, senador Wellington Dias (PT-PI), disse que vários representantes dessas comunidades protestaram contra o edital, argumentando que houve uma tentativa do governo de restringir a forma como eles trabalham - baseada na "terapia da fé". Paulina Duarte negou que houvesse tal intenção, destacando que o edital "só diz que não se pode obrigar ninguém a participar de cultos".
- Isso é uma questão constitucional. Não se pode obrigar uma pessoa a professar uma fé que não é sua. Não se pode, por exemplo, obrigar um evangélico a freqüentar uma missa católica ou vice-versa - respondeu ela.
Pesquisa nacional sobre crack
Paulina reiterou que dever ser divulgada em duas semanas uma ampla pesquisa sobre o consumo de crack no país ("o maior estudo sobre o uso dessa droga no mundo"). O objetivo é obter dados estatísticos sobre a disseminação da droga nas grandes cidades e na zona rural. Ela informou que o governo investiu R$ 7 milhões no levantamento, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pela universidade norte-americana de Princeton. Foram ouvidas, de acordo com ela, 25 mil pessoas.
A responsável pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas afirmou que "é necessária uma fotografia real da situação para não continuarmos a discutir o assunto de forma emocional".
- É claro que a droga está à nossa frente; ninguém nega o que se vê nas famosas cracolândias. Mas com o perfil exato dos usuários saberemos onde investir em ações de tratamento e reinserção - declarou Paulina.
Ricardo Koiti Koshimizu e Gorette Brandão / Agência Senado14/04/2011
Agência Senado
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