Conhecimento coletivo é foco de pesquisa sobre o Semiárido
Nos anos 1970, Paulo Freire já dizia que era preciso conectar teoria e prática na extensão rural, aprendendo e construindo com os agricultores e agricultoras. Mas aliar o conhecimento acadêmico ao saber popular, de fato, é possível? Se depender de um projeto de pesquisa desenvolvido numa parceria entre a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e o Instituto Nacional do Semiárido (Insa/MCTI), a resposta é positiva.
O Projeto Sistemas Agrícolas Familiares Resilientes a Eventos Ambientais extremos no Contexto do Semiárido Brasileiro: alternativas para enfrentamento aos processos de desertificação e mudanças climáticas busca compreender as estratégias que as famílias dessa região utilizam para continuar produzindo mesmo em períodos de estiagem prolongada.
Para o pesquisador-coordenador Victor Maciel, a ideia é saber como as tecnologias de convivência com o Semiárido implementadas por iniciativa da ASA ou das próprias famílias, impactam suas vidas. “As atividades iniciaram com a sensibilização das organizações, das famílias e de demais parceiros dos territórios, sobre a importância e objetivos da pesquisa. Em seguida, foram feitas as primeiras caracterizações das famílias, a partir da análise dos agroecossistemas”, explica Victor.
Desde o ano passado, um total de 10 pesquisadores-bolsistas acompanham 100 famílias em toda a região, a partir do suporte das organizações parceiras IRPAA (BA), CAA Norte de Minas (MG), CDJBC (SE), CDECMA (AL), Chapada (PE), Patac (PB), AS-PTA (PB), Sertão Verde (RN), Espaf (CE) e Cáritas PI (PI). Para Aldrin Perez-Marin, coordenador do projeto pelo Insa, a opção por um perfil multidisciplinar na composição da equipe se deve pela própria natureza da metodologia participativa, envolvendo especialistas de diversas áreas. Participam, assim, agrônomos, licenciados em Geografia, Biologia, Pedagogia e Educação do Campo, além de uma profissional da área de agroecologia.
Um dos desafios da pesquisa é avançar no monitoramento dos impactos que os programas Um Milhão de Cisternas (P1MC) e Uma Terra e Duas Águas (P1+2) têm produzido nas famílias que convivem com o Semiárido. De acordo com Luciano Marçal, coordenador do projeto pela ASA, a medição de impactos realizada até então tem acontecido de forma recortada, abordando apenas alguns aspectos, e não a visão do todo dos programas. Além da abordagem de pesquisa mais sistêmica, espera-se inovar nesses processos para, além de buscar resultados, mobilizar as organizações da ASA e os próprios agricultores e agricultoras na geração de conhecimento, articulando a participação direta das famílias e das equipes das organizações que compõem a rede.
“O objetivo é tentar perceber os impactos sistêmicos, porque quando se faz uma cisterna de placa ou uma cisterna-calçadão, a gente sabe que isso tem efeitos múltiplos, seja a autonomia do acesso à água, os impactos na saúde da família, a diminuição do trabalho da mulher e do jovem na busca da água, a reorganização do trabalho da família… Mas temos poucas informações sobre como essas inovações repercutem no conjunto da promoção da segurança alimentar, na geração de renda, no empoderamento das mulheres, na inserção econômica e social das famílias e na participação nos espaços coletivos”, afirma Luciano.
Outro aspecto importante para a ASA, ainda segundo Luciano, é influir nas abordagens das pesquisas acadêmicas, a partir da construção de uma relação mais permanente com as instituições. “O desafio é como a gente a partir dessa iniciativa pode fazer com que os institutos de pesquisa atuem de forma mais integradora e incorporem inovações não só no conteúdo, mas no método, que em geral é desvinculado dos beneficiários e parceiros”, defende. Aldrin concorda: “Trilhamos de um lado o saber acadêmico e do outro o conhecimento popular e o projeto está aqui para provar que é possível estar os dois juntos. Esse é um consenso entre o INSA e a ASA”.
Geração de Conhecimentos
Para os entrevistados, a importância da pesquisa é que é feita com redes de agricultores e isso reflete diretamente nos processos de formação permanente das famílias envolvidas. Com isso, os homens e mulheres do Semiárido se apropriam dessas informações, refletem sobre sua problemática e atuam sobre ela, seja via novas ações dos programas ou ações das próprias famílias. Nesse sentido, essa é uma ação que fortalece as estratégias territoriais de gestão de conhecimento, mobiliza novas informações e produz subsídios para as pessoas repensarem suas próprias práticas, ajudando a mobilizar o conhecimento acumulado pelas experiências.
“Com esse trabalho a gente pensa não só em monitorar os projetos da ASA, mas incorporar as trajetórias de inovação que se dão em diferentes territórios. A ideia nossa é monitorar o impacto na promoção da resiliência do sistema, ou seja, na capacidade dos sistemas de produção atravessarem e suportarem as perturbações provocadas pelo clima. Quanto mais resilientes são as propriedades, maiores as condições de manterem produtividade sem que o período de seca prolongada desestruture por completo a capacidade de produção de alimentos. Isso é importante pra gente porque a partir dessas informações se pode melhor interpretar junto às famílias os impactos que nosso trabalho produz e identificar novas possibilidades de aprimoramento das nossas ações. Isso tem valor pra alimentar o debate que estamos fazendo sobre convivência com as famílias como também permite projetar melhor os efeitos que o nosso trabalho com os agricultores tem tido no diálogo com as políticas públicas e na definição de agenda de pesquisas que possam enfrentar problemas ainda não-tratados”, finaliza Luciano.
Saberes do Campo em debate
Um encontro iniciado na terça-feira (11) e que segue até a sexta-feira (14), em Campina Grande (PB), reúne pesquisadores e participantes do projeto, além de representantes das instituições envolvidas. O intuito é socializar o mapeamento dos estudos de caso realizado até agora em cada território, além de construir indicadores de sustentabilidade, para avaliar atributos como produtividade, equidade, resiliência, estabilidade e autonomia. Num segundo momento, os indicadores serão ajustados para cada território, junto às famílias agricultoras, numa proposta de pesquisa-ação, em que os próprios sujeitos das experiências participam diretamente de cada etapa. O projeto terá duração total de três anos.
Fonte:
Instituto Nacional do Semiárido
14/02/2014 17:03
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