Demóstenes nega envolvimento com Cachoeira e diz que não sabia de crimes
Exatos três meses depois da prisão do contraventor Carlinhos Cachoeira durante a Operação Monte Carlo, o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) quebrou o silêncio, nesta terça-feira (29), para apresentar sua defesa oral ao Conselho de Ética do Senado. Apesar de insistir na ilegalidade das gravações que compõem os autos de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), Demóstenes voltou a insistir na tese de que os diálogos foram reproduzidos de forma “descontextualizadas” tanto nos relatórios da Polícia Federal quanto nas matérias jornalísticas.
- Essas gravações não traduzem a realidade dos fatos, não provam nada e há diálogos com partes que se contradizem – advertiu o acusado pelo PSOL de quebra de decoro parlamentar por envolvimento com Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira.
Em 2h15 de depoimento ininterrupto e mais de 3 horas de respostas a perguntas formuladas por parlamentares, Demóstenes negou conhecer as atividades ilícitas de Cachoeira, disse ser vítima de um conluio do Ministério Público e da Polícia Federal com vistas “a destruir um parlamentar”, questionou a legalidade das gravações feitas pela Polícia Federal e afirmou somente ter atendido demandas “legítimas e republicanas” da parte Cachoeira, de quem disse ter sido amigo.
O senador goiano abriu sua defesa tentando expor um drama pessoal. Reclamou de depressão, lamentou o constrangimento vivido por seus familiares desde que começou a ser acusado e disse ter vivido uma experiência do tipo religiosa em meio ao escândalo.
– Vivo o pior momento de minha vida. Jamais imaginei passar por uma situação como esta. Depressão, remédios para dormir, fuga dos amigos e uma campanha sistemática, a mais orquestrada da história do Brasil. Redescobri Deus. Parece um fato pequeno, mas acho que minha atuação era pautada mais pelos homens do que por Deus – afirmou o senador.
Além de reafirmar que ignorava as atividades ilícitas de Cachoeira, Demóstenes se disse vítima da maledicência da imprensa e negou ter conhecimento da rede criminosa operada por Carlinhos Cachoeira.
– Só sabia que tinha contato com um empresário que se relacionava com cinco governadores e com dezenas de políticos. Reafirmo que só tinha amizade com ele.
O parlamentar chegou a usar a alegoria de um barco para dizer que tinha “lanterna na popa”, ou seja, voltada para trás, e, portanto, não podia saber o que viria à frente.
- Todos sabiam que ele tinha vida social e era recebido em todos os lugares – explicou.
O senador se emocionou ao falar dos filhos, da enteada, da esposa e dos netos. Disse ainda que seu irmão, o procurador-geral de Justiça de Goiás, Benedito Torres, também foi “execrado” injustamente.
– Minha família sofre comigo todos os ataques. Somos dez irmãos, sendo sete vivos. Um deles, que sempre me admirou e seguiu meus passos, inclusive profissionalmente, foi execrado. E eu só pedi para ele receber um grupo de vereadores, nada mais – explicou.
Ainda na abertura de seu discurso, Demóstenes aproveitou para falar sobre sua atuação parlamentar. Lembrou que relatou centenas de proposições, como a Lei de Ficha Limpa, o Estatuto do Idoso e a Lei de Acesso à Informação Pública.
Nextel
O parlamentar admitiu ter recebido um rádio Nextel de Carlinhos Cachoeira, mas “apenas por comodidade”, visto que o aparelho fazia ligações internacionais.
– Não imaginava a repercussão que isso teria. Não tinha como imaginar que isso era usado para outras finalidades. Não imaginava que 40 ou mais pessoas também tinham estes aparelhos – disse o senador, reconhecendo que a conta era paga por Cachoeira, acusado de chefiar um esquema de jogos ilegais, corrupção e tráfico de influência.
Jogo do bicho
O senador negou receber 30% do faturamento de jogos ilegais obtido por Cachoeira em Goiás. Ele leu trechos dos inquéritos e de afirmações de autoridades policiais responsáveis pelas investigações que confirmariam sua versão.
– Todas as autoridades que atuaram neste inquérito disseram textualmente que eu não tenho nada a ver com jogos ilegais – afirmou.
Lobby
Demóstenes também se defendeu da acusação de que faria lobby pela liberação dos jogos de azar no país.
– Que lobista sou eu que nunca procurei nenhum colega para discutir sobre legalização de jogos de azar? Tenho que ser julgado pelo que fiz e não pelo que falei que iria fazer – argumentou.
O senador reconheceu ter conversado por telefone com Cachoeira a respeito de um projeto em tramitação na Câmara sobre o assunto, mas assegurou que não tomou nenhuma providência.
– O projeto sempre continuou onde esteve. Parado na Câmara.
Vitapan
O senador goiano disse ter atuado em favor de todas as empresas farmacêuticas do estado de Goiás e não somente a favor da Vitapan, que pertence à família de Cachoeira.
– Por todas as empresas eu fui à Anvisa defender os interesses do meu estado – resumiu.
Gilmar Mendes
Demóstenes Torres também disse que não veio da Alemanha para o Brasil com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, em viagem que poderia ter sido paga por Cachoeira.
– O ministro tem uma filha que mora em Berlim e tinha uma jornada acadêmica em Granada; eu estava em Praga, que fica perto da capital alemã. Nos encontramos em Praga e, de lá, fomos de trem a Berlim. Da Alemanha para o Brasil, vim num voo, e o ministro veio em outro – explicou.
Em relação ao uso de aeronaves particulares, Demóstenes admitiu que já viajou em aviões de diversas pessoas no estado de Goiás.
– Já usei aviões de empresários e amigos. Meu estado é grande, mas nunca voei em avião de Cachoeira – completou.
Aécio Neves
O senador reconheceu que pediu ao colega Aécio Neves emprego para uma prima de Cachoeira e se desculpou por ter lhe causado constrangimento.
– Pedi emprego para uma pessoa qualificada que já tinha sido dirigente de um órgão federal. Peço desculpa pelo desgaste a um senador que pode vir a ser presidente da República. Mas eu não tinha naquele momento a dimensão do que estava acontecendo – explicou.
Táxi-aéreo
O parlamentar afirmou que não voou em nenhum táxi aéreo pago por Cachoeira ou alguém do grupo dele e desqualificou um diálogo gravado pela Polícia Federal, apontando que Cachoeira teria pago R$ 3 mil pelo aluguel de uma aeronave.
– Este áudio foi transcrito de forma errônea e faz parte de um diálogo truncado. Já fizemos uma perícia que constatou isso.
Delta
Sobre o relacionamento com a Delta, Demóstenes Torres disse não manter relações com Fernando Cavendish, ex-proprietário da empresa, e negou ser sócio oculto da companhia.
– Se tem algum sócio oculto, não sou eu. Procurem com uma lupa maior – ironizou.
Conta bancária
Demóstenes entregou ainda cópia de suas contas bancárias e negou que tenha recebido R$ 1 milhão de Carlinhos Cachoeira, conforme cita o inquérito da Polícia Federal.
– Em nenhum momento foi depositado R$ 1 milhão em minha conta. Nem R$ 1 milhão, nem R$ 1 mil, nem R$ 3 milhões, em nenhum momento isso entrou na minha conta ou me foi dado de qualquer outra maneira.
Ligações
Sobre a quantidade de conversas telefônicas com Cachoeira, o parlamentar alertou para o fato de terem sido poucas as chamadas, num universo muito maior.
– A Polícia Federal afirma que foram 298 ligações; a imprensa diz 416. Só que no mesmo período fiz mais de 25 mil ligações com meus celulares. Mais de 200 mil ligações se originaram do meu gabinete. Agi da mesma forma com todos que me procuraram. Estudantes, prefeitos, professores, parlamentares, prefeitos. O que achava correto eu fazia; o que não era, não dava andamento. Quantos pleitos já recebi? Não há quebra de decoro em ouvir demandas de diferentes segmentos.
29/05/2012
Agência Senado
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