Desmilitarização da PM é cobrada em audiência sobre violência contra jovens negros
Ângela Nascimento, da Seppir: morte de jovens negros é vista como 'natural'
Em audiência que debateu o elevado índice de homicídios tendo por vítimas jovens negros, nesta quinta-feira (10), na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), os participantes destacaram o papel das forças policiais nessas ocorrências, sobretudo a Polícia Militar. Houve apelos pela aprovação de proposta para desmilitarizar a PM e de outra que prevê a investigação dos autos de resistência, documentos muitas vezes forjados para dar a entender que não ocorreram assassinatos, mas mortes decorrentes de reação à abordagem policial.
Quanto aos autos de resistência, um projeto que tramita na Câmara dos Deputados (PL 4.471) deveria ter sido votado em 2012, para depois vir ao Senado. O exame ficou para esse ano, mas permanece sem conclusão. Já a desmilitarização da PM é proposta em matérias em andamento na Câmara e no Senado. No Senado, tramita aProposta de Emenda Constitucional (PEC) 102/2011, do senador Blairo Maggi. A intenção é fundir as duas polícias num único grupo policial, com formação civil, diferente do treinamento atualmente dado aos policiais militares.
- A militarização é um legado da ditadura militar, num quadro de violência contra os direitos humanos que hoje se coloca contra os avanços democráticos – afirmou Lula Rocha, do Fórum da Juventude Negra do Espírito Santo.
CPMI
A audiência foi sugerida pela senadora Ana Rita (PT-ES), presidente da CDH, que compartilhou a coordenação dos trabalhos com Lídice da Mata (PSB-BA). Lídice adiantou a intenção de apresentar um requerimento para a criação de uma comissão parlamentar mista de inquérito destinada a investigar o assassinato de jovens negros no país.
- Temos de investigar quais são as causas desse extermínio, quem são os principais agentes do comando do extermínio para que a gente possa revelar para os governos e a sociedade brasileira e contribuir com a investigação e com as políticas públicas adotadas a partir daí – disse
Débora Maria, fundadora do grupo Mães de Maio, enfatizou a importância da aprovação dos projetos depois de citar o caso Amarildo e relatar a perda do filho de 29 anos, gari, à época com 29 anos, vítima de grupo de extermínio formado por policiais militares. Ele perdeu a vida na onda de ataques que resultou em mais de 600 mortes, em maio de 2006, na Baixada Santista. Débora disse que seu filho ainda não teve direito a Justiça e que outras mães nem puderam enterrar os filhos.
- As instituições do Estado acham que têm o poder de exterminar e ainda ocultar os cadáveres, que até hoje mães e famílias procuram – disse Débora, responsabilizando o próprio estado de São Paulo.
Ângela Guimarães, vice-presidente do Conselho Nacional da Juventude Negra, reconheceu avanços nas políticas públicas em favor das populações discriminadas nos últimos dez anos, caso da população negra e sua juventude. Entre as conquistas, que atribuiu à ação do movimento organizado, citou as cotas nas universidades e o Estatuto da Igualdade Racial. Reconheceu, no entanto, que a agenda ainda não se esgotou e apontou os índices de violência entre os jovens como um dos desafios. Segundo ela, os agentes do sistema de segurança agem com racismo, elegendo o “pertencimento racial” em suas ações.
- Uma democracia plena não pode conviver com índices tão horrendos de assassinatos de jovens negros – afirmou.
Estatísticas
Dados apresentados por Ângela Nascimento, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, indicam que, em 2010, morreram no Brasil 49.932 pessoas vítimas de homicídio, ou seja, 26,2 a cada 100 mil habitantes. Deste total, 70,6% eram negras, e 26.854 eram jovens entre 15 e 29 anos - 53,5% do total. A taxa de jovens negros assassinados foi de 74,6%, sendo que 91,3% das vítimas eram do sexo masculino. Em conclusão, ela disse que quem mais morre no país é o negro jovem, com baixa escolaridade e pobre.
Ainda impressiona, segundo Ângela, uma espécie de “naturalização em relação à morte da juventude negra”, situação que disse ter sido constatada em pesquisa do DataSenado realizada em parceria com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial no ano passado.
- Por que, ao cair um corpo de um jovem negro, isso não impacta na sociedade brasileira na proporção que essa morte deveria causar? – questionou.
O plano Juventude Viva, em parceria com a Secretaria Nacional da Juventude, foi criado para responder ao quadro de violência que faz vítimas entre jovens negros e pobres, explicou Ângela. Segundo ela, um dos objetivos é sensibilizar a opinião pública sobre a banalização da violência e valorizar a vida dos jovens, por meio da promoção de direitos e de novos valores. A expectativa é reduzir a vulnerabilidade dos jovens, prevenindo a ocorrência de homicídios. A atuação começou por Alagoas, onde há o maior número de mortes, seguido pelo Espírito Santo.
Julio Jacobo, coordenador do Mapa da Violência, estudo que aborda a violência letal relacionada com a juventude, afirmou que, de 2008 a 2011, houve 206.005 homicídios no Brasil: média anual de 51,5 mil ou 141 homicídios diários. Para comparação, ele citou o massacre do Carandiru, em São Paulo, em que morreram 111 detentos, para dizer que a cada dia acontece quase um Carandiru e meio em termos de homicídios.
- Criamos a cultura da cegueira, passamos em torno do cadáver e não os vemos – disse.
De acordo com Fernanda Papa, da Secretaria Nacional da Juventude, os dados comprovam de fato uma realidade “perversa”. Quanto ao plano Juventude Viva, ela destacou que a intenção é alcançar os 142 municípios com as maiores taxas de homicídio de jovens negros, inclusive todas as capitais. Assinalou ainda que as ações exigem cooperação federativa e que os municípios, a partir da adesão, também se comprometem em fazer a notificação obrigatória das mortes violentas de jovens.
A audiência contou com a participação do rapper Genival Oliveira, conhecido como GOG, e Anderson Araújo, da Mídia Periférica.
10/10/2013
Agência Senado
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