É proibido fumar no Hospital das Clínicas



Desde segunda-feira, não é permitido fumar em nenhuma dependência do HC – é o projeto ICHC Livre do Tabaco

Durante alguns minutos, na manhã de segunda-feira, a auxiliar de enfermagem Ângela Santana perambulou pelo jardim do Hospital das Clínicas (HC) com a intenção de fumar, como sempre faz. Estranhou. Não viu ninguém fumando nas muretas que circundam a área verde.  Meio perdida, maço de cigarros intacto no bolso do jaleco, teve ímpeto de ir para a rua, mas desistiu. “Pela primeira vez na minha vida senti vergonha de fumar”. Constatou, então, que as demais áreas (solários, escadas de emergência e muretas da entrada principal, tidas como fumódromo) estavam vazias, como se fosse feriado. Não era, mas no saguão do Instituto Central da unidade, havia um movimento diferente, intenso, por conta do projeto “ICHC Livre do Tabaco”. Desde aquele momento, o maior centro hospitalar da América Latina, o Hospital das Clínicas do Estado de São Paulo, tornou-se um território livre do tabaco, medida que se estendeu ao prédio dos ambulatórios, pronto-socorro e ala de internação.

Animada, Ângela não tardou a engrossar a fileira que não parava de crescer para submeter-se ao teste de manoximetria (aparelho parecido com o bafômetro, no caso indicado para medir o nível de monóxido de carbono no organismo em decorrência do uso do cigarro). Foi o que ocorreu com o cinegrafista Alexandre Carvalho da Silva, que fuma duas carteiras por dia há mais de 20 anos. “Vivi uma situação dramática nesta manhã. Veja só, estou aqui a trabalho, meus colegas de TV me empurraram para a fila, e não é que descubro que meu exame chegou ao nível 24, um grau elevado na escala”, comenta Silva, ao lado de Natasha Dejigov Monteiro, enfermeira-chefe da pneumologia e torácica. Natasha explica: “Se Alexandre tiver interesse, será encaminhado ao Ambulatório para tratamento”.

Além dos testes, funcionários, visitantes e pacientes receberam camisetas alusivas à campanha, panfletos com dados sobre os malefícios do fumo e endereços onde fumantes poderão encontrar tratamento. Outra novidade é que todo paciente fumante, no momento da internação, receberá em sua ficha um adesivo na cor cinza, de modo que a equipe médica e enfermagem possam ser informadas do grau de dependência do avaliado. Poderão, ainda, fazer terapia de substituição de nicotina durante a internação.

O evento que tomou conta do HC espalhou mensagens nas telas dos computadores, como sinal de alerta, ao mesmo tempo em que profissionais das recepções e dos balcões do “Posso Ajudar” usavam camisetas cinza, com os dizeres do projeto, outra forma de disseminar as novas medidas.

Treinamento e capacitação – A iniciativa que proíbe o cigarro nas dependências do Instituto Central do Hospital das Clínicas é para todos. Funcionários flagrados fumando nas dependências do instituto sofrerão penalidades previstas no estatuto do funcionalismo público e nas leis federal e estadual. Num primeiro passo receberão orientações, depois, advertência verbal e, em caso de reincidência, aviso por escrito, podendo chegar a suspensão. Para a aplicação das penalidades, nomes e números das matrículas do funcionário serão anotados e encaminhados às respectivas chefias, por meio da diretora executiva do hospital. Pacientes e acompanhantes também não fogem da vigilância. A abordagem dos infratores ficará a cargo das equipes de segurança do HC e de profissionais do setor de limpeza e higiene, que durante um mês foram treinados e capacitados para orientar e coibir o uso do cigarro no hospital.

As bitucas de cigarro jogadas no chão serão contadas uma a uma, quando recolhidas pelos faxineiros. A intenção é saber se a quantidade está diminuindo e se o projeto está dando certo. Sirleide Fernandes Ferreira, supervisora júnior, conta que durante o treinamento chegaram a contar mais de 500 bitucas num só lugar, na parte da manhã.

Só na rua – Quem está internado, por exemplo, responde a um questionário. As respostas valem pontos, numa escala de zero a dez, para medir a intensidade do vício. “Estou empenhado, quero dar esse prazer para a minha família”, diz o paciente José Paulo dos Santos, fumante há 42 anos.

Para José Antônio Atta, clínico geral e um dos coordenadores do programa, fumar daqui para frente, só do portão para fora, isto é, na rua. Segundo ele, a solução pode parecer radical, mas “é por aí mesmo, não existe meio-termo nessa questão”.

A expectativa é muito boa quanto ao sucesso do projeto, por várias razões, explica o médico, principalmente porque há hoje uma releitura do hábito de fumar, por parte dos governos estadual e municipais. Segundo ele, o objetivo é proteger o não fumante, também. O fumo passivo, aquele em que a pessoa, mesmo não fumando, inala a fumaça do cigarro de outro, pode provocar doenças graves, como câncer de pulmão, acidentes vasculares e infarto.

O diretor-executivo do “ICHC Livre do Tabaco”, Carlos Suslik, acredita que impor restrições ou mesmo dificultar ao máximo pode trazer resultados benéficos aos fumantes. “As pessoas pensarão duas vezes antes de fumar, o que pode ajudá-las a abandonar o vício”.

Suslik, médico da área de gestão e saúde, diz que se inspirou na Campanha da Faculdade de Medicina que, após rigoroso trabalho, tirou o cigarro de cena. “Trabalhamos numa unidade de saúde que não aprecia o cigarro de jeito nenhum, mas nossa equipe, formada por psicólogos, enfermeiros, médicos, assistente social, vigilantes, pessoal da limpeza e higiene está consciente de que terá um tremendo desafio a partir do lançamento da campanha”.

Diariamente, circulam pelo Instituto Central do Hospital das Clínicas cerca de 10 mil pessoas, entre médicos, pacientes, familiares e demais profissionais de saúde. No pronto socorro, ambulatório e unidades de internação trabalham 5.700 funcionários. A estimativa é de que 20% sejam fumantes.

Maria das Graças Leocádio, da Agência Imprensa Oficial

(M.C.)



11/05/2008


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