Em nome de Deus e do diabo
Em nome de Deus e do diabo
Nervoso e acuado, Jader partiu para ameaças contra aqueles que considera seus algozes. Seu principal alvo foi Romeu Tuma, para quem, na melhor hipótese, desejou a morte em breve
Na falta de argumentos convicentes, ameaças. O senador Jader Barbalho (PMDB-PA) recorreu ontem a Deus e ao diabo, em pleno Conselho de Ética, para intimidar aqueles que considera serem seus ‘‘algozes’’. Seu principal alvo foi o corregedor-geral do Senado, Romeu Tuma (PFL—SP), um dos responsáveis pelo relatório que recomendou a abertura do processo por quebra de decoro parlamentar. Ao comentar que o relatório de Tuma, na sua concepção, distorceu fatos para incriminá-lo, Jader relacionou o senador paulista com a Operação Bandeirantes (Oban) — grupo paramilitar que combatia, com tortura e outras violências, os guerrilheiros de esquerda durante o regime militar na década de 70. ‘‘Eu bem sei o que a Oban era capaz de distorcer para incriminar os opositores do regime e fazê-los confessar’’, disse Jader. Quando Tuma fez menção de retrucar, Jader disparou contra o pefelista.
‘‘Não sei porque Vossa Excelência está exaltado. Não citei o nome de Vossa Excelência. Quem vai julgar Vossa Excelência e eu será Deus ou o diabo. Quando Vossa Excelência for prestar conta lá, no céu ou no inferno. E olha que isso pode estar breve. Pode estar breve’’, disse Jader, em tom exaltado. Ex-funcionário do Departamento da Ordem Política e Social (Dops), Tuma levantou-se no mesmo instante e deixou a sala de reuniões do conselho. Lá fora, nervoso e tenso, o corregedor disse que tinha tomado o insulto de Jader como uma ameaça de morte. O episódio foi o ponto alto, e o mais constrangedor, da sessão do conselho que aprovou o relatório da comissão de inquérito por 11 votos contra 4. Jader negou seu envolvimento nos desvios de recursos do Banco do Estado do Pará (Banpará), quando era governador, na década de 80. Apesar da defesa política apresentada ao longo de uma hora e 20 minutos, ele não conseguiu virar o jogo. Apenas os integrantes do PMDB se mantiveram ao seu lado.
‘‘Distorceram depoimentos e documentos. Jamais fui condenado no episódio do Banpará. Quem está com medo da verdade não sou eu. Quem tem medo de Virgínia Wolf?’’, ironizou. Foi uma tentativa frustrada de mostrar-se erudito. Jader referia-se ao título de uma peça de Edward Albee, que virou filme com Elizabeth Taylor e Richard Burton, mas que não tem nada a ver com senadores que caem em desgraça.
Tebet quer dormir
O senador Ramez Tebet, presidente do Congresso Nacional eleito para completar o mandato de Jader Barbalho, que renunciou ao posto há duas semanas, tem planos singelos para o dia de amanhã. ‘‘Vou tomar meio comprimido de Lexotan e dormir. Não fiz isso ainda porque acordei cedo, diariamente, para dar entrevistas’’, disse ontem. Estava arrasado. Olhar perdido, as pálpebras avermelhadas pareciam ter o peso do cargo que jamais imaginou assumir. ‘‘Farei esta Casa reconquistar os brios e a importância política’’, promete a si mesmo. Tebet encontrou uma saída honrosa para sua biografia e para os mandatos dos deputados que o vaiaram na terça-feira à noite, durante a primeira sessão conjunta da Câmara e do Senado que presidiu. Ao errar numa decisão tomada, foi vaiado e xingado por parlamentares de oposição. ‘‘Osama Bin Laden! Burro! Ladrão’’, diziam os desafetos que depois foram ameaçados de enquadramento por crime de quebra de decoro.
‘‘Admito equívoco regimental. Eles terão de admitir excesso verbal. Não quero levar o Parlamento a mais um impasse’’, diz revelando a solução encontrada. Quer esquecer o episódio embalando pelo poder sonífero do Lexotan.
Empresários terão de explicar anúncio
São Paulo — O Ministério Público intimou os empresários Roberto Amaral, Reinaldo Andrade Costa e Yvani Gonçalves, sócios da empresa RV Consultoria, para explicarem um anúncio cifrado, publicado na terça-feira em vários jornais. O promotor Silvio Marques, da Promotoria da Cidadania, quer saber se o caso tem relação com o inquérito sobre os US$ 200 milhões que o ex-prefeito Paulo Maluf manteria no paraíso fiscal da ilha de Jersey.
‘‘Pretendo descobrir porque eles fizeram aquela publicidade’’, disse Marques. O anúncio saiu em nome de Amaral, que foi diretor da construtora Andrade Gutierrez, cita Maluf, os donos da empresa e seu atual presidente. Comunica uma ‘‘missa de quinquagésimo dia’’ de ‘‘José Rubens (Dolly)’’. Trata-se de uma referência a José Rubens Goulart Pereira, presidente da empreiteira.
As suspeitas do MP recaem na referência a Gabriel Donato de Andrade e Sérgio Andrade, donos da companhia, que teriam entoado ‘‘um salmo em louvor e solidariedade ao Dr. Paulo Maluf e seu filho Flávio’’.
Na suposta cerimônia também teria participado um certo ‘‘Mr. Swenka’’ do ‘‘Banco Helvético Cordier’’. Para o MP, o anúncio pode ter pistas que levam a Maluf. Os promotores que investigam o caso pretendem apurar se o banco citado é o Bordier & Cie., de Genebra, na Suíça.
Roberto Amaral, que estaria viajando pela Europa, foi intimado a depor dia 10 de outubro. Seus sócios deverão comparecer no MP na segunda-feira. O MP enviou uma carta precatória para a Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Belo Horizonte para ouvir os donos e o presidente da Andrade Gutierrez. Amaral, tio da mulher de José Rubens. Ele publicou outro anúncio, em julho, atacando o executivo, indicado por ele para a empreiteira.
Chegou ontem ao Ministério da Justiça o pedido de rastreamento e bloqueio de contas de Maluf no exterior. O departamento de estrangeiros está trabalhando no pedido de acordo com as Ilhas Jersey e com a Suíça para que as contas de Maluf e seus familiares sejam bloqueadas. Os documentos serão enviados na semana que vem.
CCJ aprova emenda a projeto que cria Código
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou o parecer do deputado Inaldo Leitão (PSDB-PB) sobre as sete emendas apresentadas em plenário do projeto de resolução que institui o Código de Ética e Decoro Parlamentar dos deputados. O parecer rejeita as emendas dos deputados da base governista - que pretendiam restringir a atuação do Conselho de Ética - e acata as emendas da oposição que retomam o princípio de transparência da Câmara em relação à renda, aos bens e às dívidas dos deputados como a publicação das declarações de bens, renda e dívida dos deputados nos jornais de grande circulação das capitais. As emendas serão encaminhadas ao corregedor da Câmara, deputado Barbosa Neto, que vai elaborar novo parecer para os integrantes da Mesa Diretora da Câmara. Os dois pareceres serão examinados pelo plenário na próxima semana, quando o projeto será votado em segundo turno.
Anísio será o relator
O deputado Romel Anísio (PPB-MG) foi escolhido relator da Comissão de Sindicância criada para apurar denúncias de extorsão praticadas na CPI das obras inacabadas. Os demais integrantes foram escolhidos entre os partidos de maior bancada na Câmara. São eles: o corregedor Barbosa Neto (PMDB-GO), deputado Carlito Mers (PT-SC), Eduardo Barbosa (PSDB-MG), e Moroni Torgan (PFL-CE). Eles iniciaram o trabalho ontem mesmo, ouvindo o presidente da CPI das Obras Inacabadas, deputado Damião Feliciano (PMDB-PB) para apurar as denúncias.
PSDB pode não ter candidato
O ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga (PSDB), admitiu que seu partido poderá abrir mão da indicação do candidato à Presidência da República, em 2002, em nome da manutenção da aliança com os partidos da base governista. A governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), que aparece com os melhores índices de intenção de voto entre os pré-candidatos governistas nas pesquisas eleitorais divulgadas nesta semana, pode ser a escolhida. Pimenta disse que o nome do candidato do governo deverá sair até o final do março.‘‘Precisamos ter um candidato que consiga envolver todos os partidos em uma aliança e que tenha a aprovação da opinião pública’’, disse.
O penúltimo adeus
Derrotado fragorosamente na primeira votação no Conselho de Ética, Jader Barbalho prepara agora a sua renúncia. Imitará ACM: o gesto iniciará nova campanha política
O senador Jader Barbalho (PMDB-PA) nem esperou pelo resultado do Conselho de Ética, que aprovou a abertura de seu processo por quebra de decoro parlamentar, por 11 votos contra 4. Deixou o prédio do Senado Federal rumo ao aeroporto. Embarcou em um avião fretado em direção a Belém. De lá, terá de trabalhar duro para tentar escapar da cassação. Faltam-lhe tempo e argumentos. O caminho de Jader parece ser mesmo a renúnciaDeve anunciá-la na pr;oxima semana. Quer que seja em grande estilo. Por ironia, Jader terminará o seu mandato exatamente da mesma forma que seu maior inimigo, Antonio Carlos Magalhães. Como ACM, Jader fará de seu último ato no Senado o primeiro da sua campanha política para 2002. Jader quer reconquistar o eleitorado do Pará e voltar ao Congresso no próximo ano. Este é o seu grande objetivo.
Jader não quer perder tempo. Hoje, participa de um ato político em Santarém, no oeste do Pará, onde será celebrado pelos correligionários e novos aliados, que anunciam a troca do PFL para ingressar no PMDB. A festa é uma prévia do que está arquitetando para seu discurso de renúncia no Senado. O tom que adotou ontem ao apresentar sua defesa deixou claro que seu alvo já é o eleitor paraense. ‘‘Quero me dirigir à sociedade brasileira’’, disse, logo no início de seu longo improviso, que concluiu fazendo pose de vítima: ‘‘Se não tivesse enfrentado ACM, se não tivesse sido eleito presidente do Senado, estaria lampeiro percorrendo os corredores desta Casa, como fazem muitos dos que querem ser meus algozes’’.
Processo garantido
Hoje, a Mesa Diretora do Senado recebe a recomendação do Conselho de Ética para a abertura do processo por quebra de decoro parlamentar, por ter mentido sobre seu envolvimento com os desvios do Banco do Estado do Pará (Banpará). O presidente Ramez Tebet (PMDB-MS) só deverá designar um relator para examinar o processo na próxima segunda-feira.
Tebet jurou que não suspenderá o processo contra o amigo. O parecer deverá ser dado pelo 2º secretário da Mesa, senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE). Ele terá prazo máximo de 15 dias para acompanhar a sugestão do conselho. Depois, os sete integrantes da mesa vão se reunir para analisar o parecer e, caso seja aprovado, remeterão o processo novamente ao conselho. Neste caso, não haverá escapatória para Jader. Ele não poderá mais renunciar e estará sujeito à perda do mandato e dos seus direitos políticos pelos próximos oito anos.
A renúncia não põe fim aos problemas do senador. Três inquéritos contra ele tramitam no Supremo Tribunal Federal. Sua esperança é que esses processos poderão vir a se arrastar por alguns anos, e uma eventual eleição no próximo ano o levaria de volta à condição de réu especial, que só pode ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
Mas Jader não deixou de se movimentar para defender o mandato. No final da tarde de ontem, ingressou no Supremo com novo mandado de segurança. Tenta impedir que a Mesa do Senado analise o seu caso na semana que vem. Suas chances são mínimas. O relator do novo processo será o mesmo Celso de Mello, que ontem negouum pedido de liminar que impediria a sessão de ontem em que ele foi derrotado.
Artigos
Medo
Sueli Carneiro
Eles, os terroristas, estão nos vencendo! O crescimento do racismo, da xenofobia e da intolerância religiosa é sem dúvida a primeira conseqüência dos atentados a Nova York e a Washington. Eles contam com isso por ser fonte de toda sorte de turbulências.
Já começou com os muçulmanos. Ameaça avançar sobre os árabes em geral e gradualmente atingir a todos os considerados não suficientemente ocidentais, na cor ou nas crenças. Um brasileiro confundido com árabe é brutalmente espancado por jovens norte-americanos. Um detalhe trágico a mais: a maioria dos agressores são afro-americanos.
Enredaram os EUA numa cilada inescapável como denominam alguns analistas: obrigando-nos a operar nos termos por eles definidos. À guerra, América, conclamam os que não têm nada a perder! Arrastar a maior potência do mundo para um conflito militar de conseqüências imprevisíveis é, sem dúvida, um grande feito dos terroristas.
Apostam que a crise por eles desencadeada venha a abalar a maior economia do mundo; provocar a desordem econômica e recessão mundial; levantar e unificar o mundo muçulmano em torno da jihad e desestabilizar governos árabes pró-Ocidente.
Sabem da necessidade pós-atentado, de aperfeiçoamento da segurança interna nos EUA, o que já se desdobra em limitação das liberdades civis, em restrição da liberdade de ir e vir, no aumento do controle e vigilância do indivíduo pelo Estado, que, se aceitas sob o impacto do medo pelo horror vivido, podem ser novas fontes de conflitos sociais no médio prazo. Levar um país considerado o paradigma das liberdades civis a limitá-las é outro grande sucesso dos terroristas.
Eles estão nos vencendo. Não porque foram capazes de matar milhares de inocentes, o que é a simples expressão de sua indigência humana. Nem pela destruição de símbolos do poder econômico e militar da América. Ela pode reconstruí-los. Mas, talvez, o bem maior que esteja sendo atingido seja o próprio ‘‘espírito’’ da América, aquilo de melhor que ela ofertou ao mundo: um apreço inigualável pelas liberdades democráticas. Legislações draconianas estão sendo aprovadas. Quem diria? Pena de morte instituída em NY; liberada a prática de racial profiling, que permite que policiais parem e interroguem suspeitos baseados apenas em seu aspecto físico, caminho aberto para a instituição do ódio racial em política de Estado. De volta aos tempos de Jim Crow, à legitimação do racismo, o pecado original da América, como nomina o filósofo Appiah? Pilotos americanos pedem ao Congresso a aprovação de leis que lhes permitam a utilização de armas nos vôos. Rumo à militarização do cotidiano? Se pode nos EUA, imagine, com nossa tendência à imitação, o que pode ocorrer em nossas ‘‘repúblicas das bananas’’?
O compreensível, porém nem por isso menos espantoso, consenso da sociedade norte-americana pela retaliação militar aos atentados pode conduzir à reedição de nova modalidade de macartismo para as poucas vozes dissonantes e à redução do espaço da análise crítica em prol do consenso necessário para a guerra.
Assim sendo, o que a tragédia provocada pelo terror coloca como desafio é mais do que a reconstrução de símbolos de poder, ou a construção de um Estado policial inviolável. É a reapropriação dos valores fundamentais que tornaram os EUA a grande nação que é. A inviolabilidade da nação americana será proporcional à sua capacidade de usar o seu extraordinário poder e a sua liderança mundial, para extirpar do mundo os fatores que alimentam o ódio contra si e seus cidadãos. E ser capaz de atuar, decididamente, sobre as causas que instabilizam o mundo contemporâneo, sendo o agente fundamental na construção de um mundo mais justo, mais generoso e solidário, em que todos possamos nos sentir ‘‘em casa’’, como sonhava Hannah Arendt. Esse é o sentido único da luta do bem contra o mal e da justiça infinita. Essa é a fórmula mágica de assegurar aos EUA e ao mundo a paz e uma liberdade duradoura que todos almejamos.
Queremos os terroristas, emissários da morte e da destruição, presos, julgados e condenados, como exemplo da diferença entre civilização e barbárie para as gerações vindouras. Porque suas práticas, até então contra a civilização ocidental, atentam contra a civilização árabe e contra qualquer outra civilização. E também peremptoriamente não queremos a guerra. E sim paz! Esse é o desejo da opinião pública em nível mundial.
Uma voz isolada, Barbara Lee, a deputada negra da Califórnia, insiste: ‘‘Alguns de nós precisamos mostrar controle, moderação. Estou convencida de que a ação militar não irá prevenir atos futuros de terrorismo internacional contra os EUA’’.
Contra o terror, uma nefasta escalada militar sobre povos e nações poderá ser realizada até que o horror dos escombros, a exposição de outras incontáveis vítimas e da tenebrosa face da irracionalidade humana com toda a violência que pode produzir se manifeste, em toda a sua dramaticidade, para que enfim o choque pela adesão à barbárie nos reconduza, quiçá, de volta ao território da razão.
Do lado do terror, a desvantagem da tecnologia militar será compensada com a conspurcação da teologia. Ambas, tecnologia e teologia, impulsionadas para a guerra, se degradam com os danos previsíveis para o mundo.
O fundamentalismo religioso terrorista está convertendo o mundo à sua imagem e semelhança, tomando em vão o santo nome de Alá, o misericordioso.
Editorial
A batalha do Buriti
Até mesmo desafetos e adversários do governador Joaquim Roriz são obrigados a reconhecer que a trajetória dele é um sucesso. Raros foram os políticos que governaram um estado neste país por três vezes. E, a manter-se o atual elenco de aspirantes ao governo do Distrito Federal em 2002, é realista admitir que, no momento, Roriz reúne condições políticas vantajosas para um quarto mandato.
Pois bem: Roriz poderia então, pelo menos, aproveitar um quadro que lhe é favorável sob todos os aspectos para poupar seus governados de alguns vexames que ultimamente tem estrelado com teimosa insistência. São generosos os limites geográficos do Distrito Federal. E são pesadas, sem dúvida, as tarefas e responsabilidades de quem se dispõe a administrá-lo. Por tudo isso, pede-se a Roriz que limite ou de preferência não repita as incursões que tem feito à esfera da política internacional. E que mande seus auxiliares esquecerem a matéria e se ocupar com outras coisas.
O episódio desta semana foi desastroso e lamentável para dizer o mínimo. O governador fora condenado na primeira instância da Justiça à perda do mandato e dos direitos políticos por ter cedido terras para a instalação de templos religiosos em diversos pontos do Distrito Federal. Terra pública não pode ser doada. Ao infringir a lei, de olho no voto religioso, ele cometeu um crime. Roriz poderá apelar da decisão. Seguramente o fará.
Mas eis que, empenhados em desviar do assunto a atenção da opinião pública e socorrer o chefe em apuros, aliados e assessores do governador conseguiram envolvê-lo numa embrulhada que teria sido apenas ridícula se não fosse este um momento politicamente delicado. De uma só vez, o governo de Roriz conseguiu irritar o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e os representantes locais do governo dirigido a milhares de quilômetros daqui pelo líder da Autoridade Palestina, Yasser Arafat. De quebra, deixou sobressaltada a numerosa e pacífica comunidade palestina que reside no Distrito Federal. Como foi isso?
Primeiro, o presidente da Terracap acusou o governo anterior do PT de ter cedido terra para que nela fosse erguida no futuro a sede da embaixada de um provável Estado Palestino. Se o PT cedeu terra para palestinos, por que Roriz não poderia fazê-lo para religiosos? Homem da mais irrestrita confiança do governador e um de seus conselheiros de maior prestígio, o presidente da Terracap aproveitou a ocasião para chamar os palestinos de ‘‘terroristas’’. Não disse que alguns palestinos são terroristas. Generalizou a acusação. Quem favorece terrorista é o quê? No mínimo, simpatizante dele. Logo, o PT simpatiza com terroristas.
Depois, o secretário de Comunicação do governo seguiu os passos do presidente da Terracap, embora tenha sido um pouco mais cuidadoso do que ele. E, por último, em discurso na Câmara Legislativa, o deputado José Edmar, ex-líder do governo Roriz e atual presidente da Comissão de Assuntos Fundiários daquela Casa, secundou o secretário de Comunicação. O deputado foi um pouco mais longe: além de afirmar que palestino e terrorista são a mesma coisa, garantiu que o PT guarda afinidades com os talibãs do Afeganistão. Os talibãs dão abrigo ao terrorista mais procurado no mundo, Osama bin Laden. E estão prestes a ser atacados pelos Estados Unidos.
Está bem, concedamos: não se pode cobrar equilíbrio do deputado José Edmar. Afinal, no ano passado, ele deu um soco no rosto de um adversário político durante evento promovido pelo governo. O deputado deve seu mandato aos votos que amealhou defendendo a manutenção da invasão da Estrutural. E estimulando novas invasões por meio de um assessor de nome Pedro Barbudo. Mas, se de José Edmar não é lícito esperar palavras e gestos sensatos, imaginava-se que o fosse da parte do presidente da Terracap e do secretário encarregado de zelar pela imagem do governo. Eles sempre pareceram mais espertos que o deputado. E mais preocupados em poupar Roriz de constrangimentos. No caso dos dois, faltou também honestidade intelectual.
Porque é razoável supor que o presidente da Terracap e o secretário de Comunicação conhecessem em detalhes a história da cessão do terreno para a sede da futura embaixada palestina. Foi o presidente Fernando Henrique Cardoso que, por intermédio do ministro das Relações Exteriores da época, pediu ao governador Cristovam Buarque que cedesse o terreno. Cristovam atendeu o pedido. Assinou o termo de permissão de uso a título precário. O registro do terreno em cartório foi feito no governo Roriz.
Não bastassem os problemas que administra e que são crescentes por conta de uma conjuntura internacional adversa, o governo brasileiro se viu obrigado a lidar nas últimas 48 horas com a reação irada e compreensível dos líderes da comunidade palestina no Distrito Federal desatada por ilustres membros do governo Roriz. Ao dar-se conta com atraso da embrulhada em que se metera e da indignada nota a respeito emitida pelo Itamaraty, o governador mandou dizer que gostava muito dos palestinos, sim, apoiava a política brasileira para o Oriente Médio, sim, e estava disposto a enviar projeto à Câmara Legislativa transformando a cessão do terreno para a embaixada em doação legítima e irrevogável.
Pelo menos por aqui os palestinos saíram lucrando com algum tipo de conflito. O governo Roriz perdeu porque aumentou sua coleção de trapalhadas internacionais. Há meses, em sessão da ONU que examinou projetos habitacionais exemplares, o governador cometeu a impropriedade de dizer que não há uma única favela no Distrito Federal. Acossado em seguida por jornalistas, recuou e disse que há uma favela, sim, a da Estrutural. E somente uma. Há pouco tempo, seu governo anunciou em jornais e emissoras de televisão que o projeto habitacional de Samambaia tinha sido premiado pela ONU. Não tinha. E a ONU desmentiu o anúncio.
Definitivamente, política internacional não é o forte do governo Roriz.
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