Escreve Cartas festeja 7 anos com mais de 100 voluntários
Unidades do Poupatempo de Santo Amaro e Itaquera já atenderam quase 200 mil usuários
Quando o Programa Escreve Cartas surgiu nos Poupatempo Santo Amaro e Itaquera, inspirado no filme Central do Brasil (indicado ao Oscar), centenas de voluntários aderiram, animados com a possibilidade de ajudar as pessoas de várias maneiras. larisse Mendonça, a mais antiga das voluntárias e uma das primeiras a integrar a equipe, e as colegas Ilse Maria Alves Gomes e Ana Maria Schulenburg, ficaram à vontade na nova função. “Pertencemos a uma geração que só se comunicava por meio de cartas”, diz Ana. Muito antes que a personagem do filme, Dora, representada por Fernanda Montenegro, ficasse famosa internacionalmente, elas escreviam cartas ditadas pelas avós ou mães para os parentes de outros Estados. Clarisse, com 83 anos, escreve desde menina, assim como Ilse e Ana. Mas nada se compara a fazer parte do time de voluntárias do Escreve Cartas, que já beira a 110 pessoas, entre mulheres e homens, mais mulheres do que homens.
Clarisse esclarece: “No filme, Dora o fazia por dinheiro, no nosso caso, é por pura convicção, pelo prazer de ajudar e exercício da cidadania”. Destinado a pessoas que não sabem escrever ou têm dificuldade de colocar em texto seu raciocínio, o Escreve Cartas será implantado, em breve, no recém-inaugurado Poupatempo de Osasco e nos postos de São Bernardo do Campo e Guarulhos. Para as demais unidades está sendo realizado estudo de viabilidade que levará em conta, além do espaço físico disponível, o perfil e a necessidade de cada região, como ocorreu em Santo Amaro e Itaquera, escolhidas para receber o programa devido à maior concentração, em seu entorno, de migrantes e pessoas de baixa renda e escolaridade. Em quase sete anos de atendimento, comemorados neste mês, o Escreve Cartas já realizou mais de 195 mil atendimentos, somados os números das unidades precursoras.
Profissionalismo – Suely Calazans, coordenadora técnica da iniciativa em Santo Amaro , explica que para ser voluntário é preciso ter boa caligrafia, desenvolver texto coeso e paciência para ouvir e guardar sigilo das informações recebidas.
O movimento é intenso. Diariamente são atendidos de 100 a 150 usuários, de segunda a sexta-feira, e, aos sábados, em meio expediente. Além dos escrevedores, o programa dá o selo e a pessoa põe a carta numa caixa de correio ao lado. Ao contrário do filme, em que a Dora nem sempre faz a carta chegar ao destinatário, lembra Aparecida Pinheiro dos Santos, de 75 anos, do posto de Itaquera. “Muitos mencionam essa passagem e costumam indagar se a gente não vai repetir a Fernanda Montenegro. Aí respondo que o nosso trabalho é sério”.
Às vezes, a própria coordenadora tem de pôr a mão na massa. “Numa segunda-feira, diante da fila que não parava de crescer, escrevi três cartas, na parte da manhã”, conta Suely, professora aposentada, com formação em pedagogia. “Amo de paixão esse programa”, diz ela, que guarda cartas de 30 anos atrás, da época em que veio do interior para a capital.
“Nada substitui a emoção, a alegria de receber uma carta trazida pelo carteiro. É um papel só seu, que você leva para onde quiser, guarda na caixinha de lembranças”.
O serviço, contemplado com o Prêmio Hélio Beltrão no 7o Concurso de Inovações na Gestão Pública Federal, recebeu, também, o Prêmio Top Social 2003. Não se restringe ao posto do Poupatempo. Em outra frente de atuação, com a mesma finalidade, voluntários realizam visitas periódicas às casas de repouso para idosos, dois dias por semana. Já no Poupatempo, além das cartas, preenchem formulários dos serviços públicos, como o Detran, contas de luz, cancelamento de linhas telefônicas, solicitação de passe livre, de aposentadoria e outros, e lêem as respostas das correspondências.
“Elas têm letra de doutora”, diz, satisfeito, Rivaldo Joaquim dos Santos, aposentado, 62 anos. Usuário do programa desde o começo, pede ajuda para se comunicar com a família em Pernambuco. “A papelada da minha aposentadoria foi feita aqui”. Rivaldo diz que estudou pouco e “esse pouco aprendi com minha vozinha que me ensinou a escrever o nome”.
Uma surpresa todo dia – Nos postos do Escreve Cartas, os voluntários convivem com os mais diferentes pedidos: cartas comerciais, reclamações e pedidos ao presidente ou ao governador, cartas afetivas a parentes distantes, filhos presos. Na época de Natal, pedem de tudo, mas a campeã, mesmo, é a carta para programas de televisão, tipo “De Volta Pra Minha Terra”, e “Lata Velha”.
Além de voluntária, Clarisse é coordenadora há dois anos no programa. Mesmo depois de um acidente vascular cerebral e da cirurgia de catarata, não desiste. “É um aprendizado, aliás, o voluntariado faz parte da minha vida. Durante 30 anos fui voluntária na Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae)”. Viúva, dois filhos, foi secretária de um ex-prefeito de São Paulo. “No começo, não acreditava que em pleno século 21 ainda existissem analfabetos ou pessoas com tanta dificuldade com a escrita”.
Ilse, aposentada como telefonista, abraçou a causa pouco depois de Clarisse. Sentiu um enorme vazio com o casamento dos filhos. Num desses momentos, lembrou-se do Escreve Cartas, do qual tinha ouvido falar. “Fiz a inscrição por telefone (agora a chamada é pelo jornal do bairro). Nunca mais senti solidão. Aqui somos escrevedores, psicólogos e amigos”. No início, Ilse se comovia e se envolvia com as histórias, a ponto de chegar em casa desanimada e tensa. Fala de uma senhora que sempre vai ditar as cartas para o filho presidiário. História forte. “Ela fala devagar e bem, tanto que alteramos pouco o texto. Na última carta, avisava que levaria um frango, assado e temperado do jeito que ele gosta, para os dois comerem juntos, durante a visita, e que o primeiro pedaço seria dele. Como não se emocionar?”
Há o caso do rapaz que, no Dia dos Namorados, se dirigiu a Ilse e ditou uma carta romântica, carregada de emoção. Ao final, revelou: “Sabe, ela não é minha namorada, ainda, mas se for, a partir dessa carta, você será a madrinha do nosso casamento”.
Capacitação e treinamento
Os voluntários do Programa Escreve Cartas fazem cursos de capacitação, treinamento e assistem a palestras obrigatórias de dois dias sobre a orientação profissional da iniciativa. Nem sempre o pessoal que busca o programa é analfabeto. Muitos têm o ensino médio completo, mas apresentam dificuldades de leitura e escrita, como há jovens que buscam o serviço para preparar seu currículo. Outro aspecto discutido no treinamento é que o escrevedor não deve interferir nos regionalismos, como painho ou padinho, comuns no Nordeste. A idéia é qualificar mais os voluntários, oferecer postura profissional e mostrar que o voluntariado, hoje, não é mais encarado como tarefa amadora ou ação de caridade. Mais informações, ligue para 0800 77 23 633 / 3456-709 ou acesse o site www.poupatempo.sp.gov.br.
Maria das Graças Leocádio - Da Agência Imprensa Oficial
10/14/2008
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