Especial D.O.: Escola Jardim Iguatemi reúne alunos e professores para debater filosofia



Projeto, que abrange os estudantes a partir da 5ª série do ensino fundamental, terá seu ponto alto neste mês, com realização de um simpósio

Os 2.300 alunos da Escola Estadual Jardim Iguatemi, na zona leste da capital, passaram os últimos meses do ano letivo ansiosos e curiosos. Tudo por conta do projeto Os Filósofos, no qual grande parte da escola (a partir da 5a série do ensino fundamental) está envolvida. Nos dias 21 e 22 deste mês, o projeto chega ao seu ponto alto, com o Simpósio de Educação Filosófica, que reunirá debatedores, educadores convidados e os estudantes da escola. O evento se estenderá pela manhã, tarde e noite.

No interior da escola, o grande debate começou nas salas de aulas e nos corredores das paredes forradas de desenhos de mais de 50 filósofos, entre os quais Pitágoras, Heráclito, Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes, São Tomás de Aquino, Nietzsche e Marx. Cada classe, de aproximadamente 45 alunos, tem um filósofo como patrono, cujo nome está gravado na porta.

Os três períodos- matutino, vespertino e noturno - desfrutam da "companhia" de mais de 50 mestres. Feito isso, segundo a diretora Suzy Rocha Ribeiro, os trabalhos foram iniciados, envolvendo intensa pesquisa e leitura sobre a obra do patrono escolhido. "É comum cruzar com crianças de 10 anos comentando Filosofia ou com jovens do ensino médio entusiasmados com a leitura de Assim Falou Zaratustra, de Nietzsche, a ponto de adaptá-la para o teatro da escola", conta, com uma pitada de orgulho. "Não é fabuloso?"

Muitas perguntas

Em meio a um grupo de alunos chamam a atenção Lyon Ribeiro Silva, Cauê Massi Correa e Jonas Gonçalves da Silva, da 5a série. Aos 11 anos, eles se concentram com vigor nas lições da professora de História, que os preparou para uma encenação durante o simpósio. Juntos, prometem fazer bonito no encontro, dando os últimos retoques no diálogo, de autoria de Lyon, que será interpretado por Cauê e Jonas.

Lyon explica: "O texto é uma espécie de bê-á-bá da Filosofia, em que um colega indaga ao outro a respeito de onde surgiu, da sua importância, dos primeiros filósofos". E ele próprio aproveita a deixa: "Filosofar é fazer muitas perguntas - quem somos, de onde viemos, para onde vamos. Na época do surgimento da Filosofia era importante que todos soubessem falar e dominar suas idéias. Eu mesmo, depois da Filosofia, participo mais das aulas, fiquei mais questionador".

Criada há nove anos, a Escola Jardim Iguatemi contornou vários problemas de uma só vez: lá não existem pichações, não há evasão escolar, se acontecer de um professor faltar, as aulas são dadas por um substituto, a escola é aberta para a comunidade, não há registro de violência, nem casos de gravidez precoce. Some-se a isso a preocupação com o prédio, desde a sua construção. Vale destacar a conservação de suas 16 salas, com brilho de encerado no piso, corredores coloridos com plantas e vasos de violeta.

Ânimo e disposição

Trata-se de escola modelo, diferente das demais da região, muito pobre e violenta, ressalta a diretora: "Tudo aqui foi conquistado com muita luta e briga. Como a maioria das famílias veio para cá numa situação de ocupação, lutaram para ter a luz, o asfalto, a linha de ônibus. A escola foi uma dessas conquistas. A comunidade é presente e exigente em tudo. Quando assumi, queria fazer o diferencial com relação ao pedagógico, porque as demais questões estavam bem estruturadas".

Só um problema martelava a cabeça da diretora: os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) não eram satisfatórios. Ao contrário, estavam num ponto crítico, avaliados na cor laranja.

Sob a orientação e liderança de Suzy Rocha, os professores criaram e organizaram projetos de pesquisas com os alunos. O primeiro deles, em 2002, teve como tema Pintores. Cada sala de aula, no lugar de receber letras tipo A, B, C, D, E, passou a ter o nome do patrono. Nasceram, dessa forma, as salas Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral, por exemplo, num total de 53 pintores.

"Foi uma revolução", diz Suzy. "Primeiro, porque as pessoas, ao procurar a sala pela letra, davam de cara com o nome de um artista plástico famoso numa placa colada à porta. Depois, porque conseguimos envolver cem por cento dos alunos e dos professores. Os professores eram preparados, estudavam as obras de arte. A cada bimestre havia uma pausa nos trabalhos para se receber pessoas ligadas à arte, convidados, especialistas no assunto". O projeto foi concluído com a pintura de 58 obras de arte reproduzidas por alunos no muro da escola. Um momento emocionante, de acordo com a diretora: "A comunidade inteira participou, as mães dos alunos traziam água e almoço para os filhos concentrados na pintura, houve partida de futebol no encerramento".

No ano seguinte, outro projeto - Escritores -, na mesma linha do anterior, movimentou a escola. Na seqüência, Os Países, e, no ano passado, Os Cientistas. "Cerca de 2 mil livros, de Monteiro Lobato aos clássicos, foram lidos no decorrer de Os Escritores", garante a diretora. Suzy explica que o exercício da leitura aconteceu com os professores de todas as disciplinas, numa relação de ajuda mútua.

O efeito interno provocou ânimo e disposição nos alunos, que abraçaram outros projetos. "Sem contar os resultados positivos do Enem e do Saresp", afirma a diretora. Outro entusiasmado com os projetos é o coordenador Moisés Melo dos Santos. "A escola já é referência de ensino no bairro e fora dele, tanto que filhos dos diretores e professores estudam aqui", comenta. Para Santos, formado em Filosofia, é gratificante encontrar crianças da 7a série, por exemplo, comentando textos do filósofo Renato Janine Ribeiro sobre ética e moral: "Nunca vi nada parecido nas escolas em que lecionei". O coordenador explica que alunos da 5a e da 6a série têm contato com trechos filosóficos, durante as aulas de História, com resultados positivos, produtivos e edificantes: "Quanto mais cedo iniciar na Filosofia, melhor".


09/18/2006


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