Inácio Arruda: Brasil tem vantagens excepcionais para a produção de energia limpa
O senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) faz uma análise favorável dos desdobramentos e conseqüências do acordo entre o Brasil e os Estados Unidos centrado na produção de etanol. Após décadas de experiências pioneiras e bem-sucedidas, e que serviram para o aprimoramento de uma tecnologia própria nesse setor, o Brasil vê agora o etanol sendo cada vez mais reconhecido como uma solução eficaz e barata com vistas à redução das emissões de dióxido de carbono da imensa frota automotiva mundial, que é,reconhecidamente, uma das principais fontes causadoras do aquecimento global. Já em 2003 o Brasil respondia com pouco menos da metade da produção mundial de etanol, com mais de 15 bilhões de litros por ano.
No entanto, mesmo que prospere, em âmbito mundial, o projeto de substituição parcial do petróleo por um combustível limpo - o etanol -, isso não fará do Brasil um novo Japão, diz o senador, numa referência ao grande desenvolvimento econômico que os japoneses experimentaram, nos anos 70/80 do século passado, em decorrência do salto tecnológico promovido pela substituição da válvula pelo transistor.
Com o emprego de técnicas desenvolvidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Inácio Arruda prevê que não será preciso ampliar os atuais seis milhões de hectares ocupados pela cultura da cana-de-açúcar para dobrar a produção. Desse modo, conforme o senador, fica afastada a ameaça de escassez de alimentos, o que poderia ocorrer em conseqüência da prioridade que se daria à cana-de-açúcar. Organizações representativas dos movimentos sociais como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) já denunciaram essa possibilidade.
O senador começou sua vida pública na militância dos movimentos sociais na capital do seu estado, quando foi presidente da Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza entre 1981 a 1984. Em seguida, foi vereador em Fortaleza de 1989 a 1990, elegendo-se, posteriormente, deputado estadual, de 1990 a 1994, ano em que chegou ao Congresso, onde exerceu três mandatos como deputado federal, até 2006. Este é seu primeiro mandado como senador.
Autor do projeto que institui a Política Nacional de Combate e Prevenção à Desertificação (PLS 70/2007) e membro titular da recém-criada Comissão Mista Especial sobre Mudanças Climáticas, o senador Inácio Arruda traz para o Senado a experiência de um aguerrido defensor do meio ambiente. Já em 1992, Inácio Arruda destacava-se como um dos organizadores da Conferência Internacional sobre Desertificação, que aconteceu naquele ano no Rio de Janeiro.
Inácio Arruda se mostra confiante quanto às chances de aprovação de sua proposta para prevenir e combater a desertificação. O fato de o projeto priorizar o uso racional do solo, em um contexto onde as motivações econômicas prevalecem, não significa impasse.
Agência Senado- Uma vez que o Brasil é o país que detém a tecnologia mais completa para a obtenção de biocombustível, além de ser um grande produtor de cana-de-açúcar, o senhor acredita que a perspectiva da substituição, mesmo que parcial, do petróleo pelo etanol (obtido a partir da cana-de-açúcar) na imensa frota automotora mundial poderá significar para a economia brasileira o mesmo que, em outro período, a substituição de válvulas por transistores representou para a economia do Japão?
Inácio Arruda - Não é o mesmo paralelo. Vale a pena citar a comparação com os nossos caminhões no porto de Paranaguá [Paraná]. Aqueles milhares de caminhões carregados de soja, para exportar, e o cara com o telefone celular. Aqueles milhares de caminhões valem esse celular, comparativamente. Então, o salto que os japoneses deram com investimentos naquela área foi de tal sorte que um celular vale aqueles milhares de caminhões de soja. Nós temos que avançar, simultaneamente, em várias frentes. Nós temos que avançar nessa área de alternativas energéticas. Com as várias instituições que nós temos, entre elas a Embrapa, temos capacitação para examinar onde estão os problemas para mitigá-los, corrigi-los e resolvê-los.
Agência Senado - Quer dizer que essa perspectiva de o Brasil comandar esse grande salto tecnológico é uma visão muito otimista?
Inácio Arruda - Nós já sabemos que podemos subtrair das forças naturais - dos ventos, do sol etc - energia numa quantidade "n" vezes maior do que a energia fóssil. Mas, como o sistema é o da ganância, ele ainda não permitiu a utilização desse potencial, porque a energia alternativa é muito cara e não vale a pena, na avaliação do capital. Por que ele vai usar uma energia cara, como a energia solar, mesmo sabendo que ela existe em abundância? Por que o sistema capitalista não usa a energia nova? Porque o petróleo ainda é muito barato. Esse petróleo que nós dizemos que está caro, na verdade, está barato. O sistema entende que ainda pode ganhar muito com o seu uso e é por isso que ele não quer substituí-lo. A não ser que uma outra força mais poderosa interfira e decida: "Não vamos mais usar energia fóssil. Nós, agora, vamos usar energia solar." Mas vai precisar haver essa ruptura, quando se decidir que o uso da energia fóssil será descartado. A energia solar, que é uma energia limpa e muito mais forte, se for produzida em escala, vai ficar mais barata do que a energia fóssil. E não vamos ter tantos abalos na natureza, em comparação com o uso da energia fóssil. Mas isso cria uma guerra, porque há muitos interesses poderosos envolvidos.
Agência Senado - Quanto à parceira Brasil e Estados Unidos para a produção de etanol, há, também, os aqueles que alertam para o risco de que, havendo uma grande valorização do etanol, no mercado externo, isto venha a estimular a monocultura da cana-de-açúcar, provocando a redução da produção de alimentos. Qual a sua avaliação?
Inácio Arruda - Nós não temos que ter receio dessas coisas, dessas hipóteses de que a monocultura da cana vai liquidar o território, vai significar escassez de alimentos. A monocultura é problema em qualquer lugar do mundo. Tanto faz de milho, quanto da cana ou da soja. O melhor é você, usando o mesmo território ocupando hoje para a produção de cana, dobrar a produtividade. Como nós temos uma empresa de alta tecnologia, que é a Embrapa, nós pretendemos colocar esse desafio nas mãos dela. Vamos dobrar a produção em um mesmo território. Com algumas culturas, como o caju, nós já conseguimos isso. E olha que o caju nativo tinha uma baixíssima produção. Precisamos levar em conta que, brevemente, vamos ter etanol também na Ásia e na África, sem falarmos que os Estados Unidos são o segundo maior produtor de etanol, no momento. Só que o etanol deles sai bem mais caro, porque é extraído do milho. Mesmo assim, eles não vão parar de produzir.
Agência Senado - Mesmo com o agravamento das condições climáticas por efeito da ação humana e a intensificação das pressões da sociedade para que sejam adotados procedimentos menos agressivos em relação ao meio ambiente, não haveria um risco de fazendeiros priorizarem a plantação da cana, em prejuízo das culturas de alimentos?
Inácio Arruda - Eu acho que a questão da escassez de alimento é um problema da distribuição. Nós já chegamos a queimar alimentos para manter preço,assim como se decide diminuir a produção para aumentar preço. Quando o petróleo está barato, o cara resolve diminuir a produção para aumentar o preço. Então, a distribuição é que é o noss o gargalo, não a capacidade de produzir. Nós podemos produzir muito. O problema todo está na distribuição. Em determinados países, que têm capacidade de produzir alimento para seu povo e que têm isso como questão fundamental, há os subsídios. Os americanos bancam e os europeus também bancam, com subsídios elevadíssimos, a produção de alimentos em seu próprio território. Importam, também, e eu acho que devem importar. Mas não que isso seja fundamental para eles. Os chineses estão produzindo, em seu território, mais de 400 milhões de toneladas de grãos, por ano, para alimentar o seu povo e para exportar. O problema não é esse. O Brasil tem pioneirismo na produção do etanol. Essa é a nossa vantagem. Nós temos é que acelerar nosso passo em termos de alternativas energéticas. Nós temos etanol, energia solar e energia eólica. Nós podemos produzir energia limpa com vantagens excepcionais, que outras nações não podem. Os norte-americanos têm muitos ventos, mas ventos que não são contínuos. Então vamos aproveitar a costa brasileira, porque só na costa nordestina há produção de vento contínua, sem nenhum problema de descontinuidade.
Agência Senado - Até que ponto procede o alerta do setor manufatureiro exportador, que vê uma nova ameaça na possibilidade de crescimento das exportações de etanol, na medida em que elas reforçariam a entrada de dólares, aumentando a valorização do real e, entre outras conseqüências, agravando a desindustrialização?
Inácio Arruda - Essa é uma escolha também política. O Brasil escolheu ter uma taxa de câmbio flutuante, não há o que fazer. Se eles são exportadores e exportam, eles vendem e vai entrar mais dólares. Todos estes que reclamam da taxa de câmbio e daentrada de dólares, se defendem através do câmbio. Quanto mais dólar entrar mais a moeda nacional vai se reforçar, porque ela ficará ao sabor da entrada da moeda forte. E, ao mesmo tempo, você tem taxas flutuantes de câmbio e tem juros elevados. Você tem dois fatores importantes: você está exportando muita commodity, você tem forte prejuízo, entre aspas, do setor manufatureiro. O setor exportador manufatureiro é que chia. Mas os exportadores brasileiros precisam criar seu nicho, desenvolver capacidade técnica para competir externamente. Eles não criam esse nicho e querem uma proteção adicional. Eles já têm várias proteções e querem mais.
Agência Senado - Tudo indica que o fortalecimento do setor exportador é a solução mais apropriada. Porém, antes que esse objetivo seja alcançado, não há o risco de um sucateamento maior do parque industrial brasileiro, na hipótese de se confirmar um forte crescimento da venda do etanol para o mercado externo?
Inácio Arruda - Mas na hora que se quer discutir câmbio, onde eles estão? Se o governo dissesse: "Vou colocar o câmbio em três por um", onde eles vão estar, a favor do governo ou contra?Eu sou de opinião de que o câmbio podia ser algo em torno de 2,5 pra cima. Se eu quero exportar mais, meu câmbio tem que estar em outro patamar, não pode ser este câmbio que está aí. Superavitário é dois e meio para três (na proporção do real para o dólar); dois e meio para baixo nós ficamos no prejuízo. E mais: capital volátil entrando e saindo,superávit primário, câmbio flutuante e juros lá em cima é o mesmo que veneno na veia da economia do país.
Agencia Senado -Como viabilizar uma Política Nacional de Combate e Prevenção à desertificação, como propõe projeto de sua autoria, baseado na idéia de que se deve privilegiar a utilização racional do solo, "em um contexto onde as motivações econômicas prevalecem", conforme uma das conclusões da Rio/92?
Inácio Arruda - A gente sempre imagina o sistema como um escorpião, que ferroa seu condutor na travessia do rio, mesmo que ele se afogue. Mas tudo indica que o sistema é evolutivo, é mais darwiniano. No processo evolutivo ele vai vendo o desenvolvimento da sociedade humana. Esse desenvolvimento da economia parece que está separado do social, mas não; é um desenvolvimento conjunto da humanidade. É assim que é a sociedade humana. Esse desenvolvimento de superação está em curso natural. Ele vai ser mais veloz ou menos veloz dependendo das forças organizadas que o impulsionam. Tem horas que essas forças decaem, tem horas que elas emergem. Digamos que elas sofreram derrotas históricas, mas elas não desaparecem: vão florescer numa outra hora, renovadas, revigoradas, desnudadas dos erros e equívocos, que foram cometidos em seus primeiros processos. O caminho é o de enfrentar esses problemas. A sociedade humana tem essa capacidade. Porque não há outra organização viva capaz de modificar o meio.
Agência Senado - E a desertificação do solo, em expansão sobretudo no semi-árido nordestino, mas também comprometendo várias outras regiões do planeta, seria uma espécie de sub-produto desse jogo de interesses?
Inácio Arruda - A desertificação é um problema da humanidade. Taí o Aziz Ab´Saber, presidente emérito da Sociedade Brasileira para o Progresso das Ciências. Ele, que nasceu em São Paulo, foi fazer uma excursão ao nordeste brasileiro e, diante de uma montanha de pedras, aqueles monólitos espalhados, diz: "Se eu nascesse de novo, queria nascer aqui". Vai entender uma coisa dessas! Ele nasceu num canto considerado ótimo e resolve que, se fosse nascer de novo, quer nascer no meio do Ceará, no sertão central, no canto mais aquecido do mundo, no meio das pedras? No Ceará tem oito milhões de pessoas morando em cima de uma pedra (a maioria está morando no litoral), pois 80% do território do Ceará é em cima de uma pedra. Como é que você vai fazer? Ou eu altero - com a sabedoria, com a ciência, com a informação - o meio, prevenindo sua transformação num ambiente de miséria completa, ou então essas pessoas não têm como sobreviver lá. Como é que elas vão conseguir comida, saúde, as oito milhões de pessoas que, teimosamente, insistem que não vão se mudar, que querem viver em cima dessa pedra, lá no Ceará? É assim que é o homem. Eu acredito que o professor Aziz disse isso para homenagear Euclides da Cunha que via o sertanejo, sobretudo, como um forte!
Agência Senado - No entanto, esse sertanejo bravio, homenageado pelo autor de "Os Sertões", às vezes tem se mostrado refratário à adoção de técnicas mais modernas, que ele desconhece e, das quais, muitas vezes desconfia.
Inácio Arruda - Como fazer um programa educativo com a população? Isso não é fácil porque é um problema de formação, ao longo de décadas e décadas de convívio do ser humano naquela região. Que mecanismos ele usa? Quais são os meios que ele tem de produção? Tudo isso está ali, não se altera com a aprovação de uma lei ou de um decreto. Isso não basta. É preciso um processo educativo e toda legislação tem que examinar a formação do povo que está na área. Se não tiver isso nós não vamos conseguir. Você tem que ter fundos, recursos, meios e programas que pensem na formação das pessoas. Elas querem continuar produzindo. As pessoas querem viver naquela terra; só querem as condições mínimas. Foi isso que trouxe a discussão do problema da formação de desertos. É preciso intervir, tomar medidas para impedir que áreas antes agricultáveis e produtivas não sejam abandonas ou tornadas estéreis, do ponto de vista da produção. Esse é o objetivo da discussão que travamos na Câmara dos Deputados, antes do governo Lula. Essa discussão viria a se transformar, depois, em projeto de lei do governo, através da ministra Marina Silva e que se tornou o Programa Nacional de Prevenção ao Processo de Desertificação.
Ag ência Senado- Ou seja: o capítulo educação tem uma importância semelhante à da necessidade dos recursos e dos meios materiais para a realização dos projetos?
Inácio Arruda - É que o homem da região conhece. Ele sabe quando vai chover, quando não vai chover, quando vai ter inverno ou não vai ter inverno. Ele sabe, em novembro, se vai chover em fevereiro, pela observação da natureza. Então, se não vai chover, ele vai migrar. Era assim que faziam os índios, os nativos de toda aquela região Em novembro chove no Piauí. Se não chover em novembro no Piauí, não vai ter chuva no Ceará, em março. Então, os cariris começam a se deslocar. A nação Cariri começa a se deslocar pra outra região do nordeste. Vai encontrar uma outra tribo e termina dando em guerra. Mas ela tem que se deslocar. Porque ela se orienta através de uma observação que já dura séculos. Agora, se ela conseguir acumular água naquela região, ela não vai se deslocar. Foi assim que o homem foi parando, deixando de ser nômade. Então, passaram a conviver e a formar as cidades. Isso tudo começou depois que o homem se deu conta de que podia acumular água: "Posso fazer uma barragem, posso produzir usando técnicas que impeçam a formação do deserto e eu não vou precisar deslocar toda essa população". Porque toda a população que mora naquela região vai se deslocar se houver a formação de um deserto e não for mais possível a produção. Então precisamos chegar antes, para investir na preparação do homem. Se não tiver isso, vamos jogar muita conversa e dinheiro público fora.
Agência Senado - E a sua expectativa em relação ao seu projeto? Qual o efeito que ele poderá ter sobre essa realidade?
Inácio Arruda - Ele teve boa aceitação na Câmara dos Deputados. Ele foi aprovado nas comissões de mérito onde foi discutido, debatido e votado, até. Eu espero que no Senado ele seja bem acolhido. O projeto está na Comissão de Meio Ambiente. Eu acho que a Marina [Silva] vai continuar no ministério e ela também tem uma visão muito positiva sobre a matéria.
30/03/2007
Agência Senado
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