Jobim reage a observadores
Jobim reage a observadores
Para presidente do TSE, pedir representantes da ONU na eleição é 'agressão'
BRASÍLIA - O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Nelson Jobim, classificou ontem de ''agressão'' a proposta do coordenador da Frente Trabalhista, deputado João Herrmann (PPS-SP), de solicitar a presença de observadores internacionais às Nações Unidas para as eleições presidenciais. O pedido foi encaminhado ontem, por e-mail, ao secretário-geral da ONU, Koffi Annan. Herrmann acusa Jobim de não ter isenção para presidir o processo eleitoral. O presidente do TSE foi ministro da Justiça do presidente Fernando Henrique Cardoso e dividiu um apartamento com José Serra, candidato do governo à Presidência. Jobim, no entanto, não se acha passível de suspeição.
- Isso fere a soberania nacional. Além de ser proibida pela Constituição Federal a presença de agentes estrangeiros para fiscalizar a eleição - afirmou o ministro.
Jobim disse que só admitirá observadores para acompanhar o desempenho das urnas eletrônicas. Para isso, o governo convidou 22 representantes da ONU.
O ministro participou ontem do seminário internacional Ética como Instrumento de Gestão, realizado ontem na Escola de Administração Fazendária de Brasília. Ele anunciou que a exigência da impressão de votos pelas urnas eletrônicas, no caso de algumas seções, atrasará a proclamação do resultado da eleição presidencial em até cinco dias. Ao todo, 6% do eleitorado, cerca de 7,1 milhões de eleitores votarão em urnas eletrônicas com voto impresso, conforme lei aprovada no Congresso.
- Vou enviar ao Congresso, no dia 1º de fevereiro, um relatório sobre o desempenho do novo sistema - anunciou.
Os candidatos à Presidência, Luís Inácio Lula da Silva do PT, e Anthony Garotinho, do PSB enviaram representantes ao evento. José Serra, do PSDB, e Ciro Gomes, do PPS, não mandaram ninguém. Os representantes do PT, o advogado Claudinei Mello, e do PSB, deputado José Antônio de Almeida (PSB-MA), candidato a vice na chapa de Garotinho, aceitaram a proposta de participação em uma comissão de transição. Aceitaram, ainda, a proposta de que uma nova diretoria do Banco Central seja indicada antes da posse do próximo presidente.
No seminário, os representantes do PT e do PSB defenderam um modelo de democracia participativa, de desenvolvimento sustentável e voltada para a questão dos direitos humanos.
- Não queremos modelo importado dos Estados Unidos. Como falar de ética, se no Maranhão as oito emissoras de TV e mais uma centena de rádios pertencem a um mesmo grupo? - perguntou o deputado José Antônio.
Segundo ele, o problema ético começa no próprio governo federal. José Antônio criticou o presidente Fernando Henrique Cardoso por ter autorizado a utilização do slogan Brasil, 8 anos construindo o futuro, na propaganda e nas obras oficiais. O slogan acabou sendo retirado das ruas por decisão do TSE.
Urnas: PF não vê vinculação
BRASÍLIA - A Polícia Federal não estabeleceu ligação entre os simuladores de voto encontrados há dois dias em Fortaleza e os apreendidos na semana passada em Brasília. Mas o delegado responsável pelas investigações do caso em Fortaleza, Francisco Wilson Nascimento, não descarta a possibilidade de que todas tenham sido fabricadas no mesmo local.
- Por enquanto não foi encontrado indicio de que as urnas tenham a mesma procedência - disse.
Ele ressalta as diferenças entre os casos de Brasília e Fortaleza. Na capital federal, correligionários de um candidato ao governo operavam as urnas eletrônicas. Assim, ficou configurado seu uso político. Já em Fortaleza, um comerciante foi flagrado com simuladores em casa. Há suspeitas de que eles seriam comercializados. Até que a perícia seja concluída não é possível saber se as urnas seriam utilizadas por candidatos.
Em nenhum dos casos foi feita qualquer prisão. Segundo o procurador regional eleitoral de Brasília, Antônio Carneiro, o uso das urnas não constitui crime. Ele lembra que a legislação sobre o assunto é de 1965 - ultrapassada, portanto. Disse que o TSE proíbe o uso dos simuladores, mas não tipifica a situação como crime. Por enquanto os envolvidos estão sujeitos apenas a multa e advertência.
Dissidência da Força apóia Lula
SÃO PAULO - A queda de Ciro Gomes (PPS) nas pesquisas deu margem a um movimento de dissidência. Apesar de não admitir apoiar a candidatura do PT, o candidato a vice de Ciro, Paulo Pereira da Silva, presidente licenciado da Força Sindical, admitiu que seus assessores estão conversando com representantes da campanha do petista Luiz Inácio Lula da Silva.
- É natural que aconteça. Existem sindicalistas na campanha de PT que são amigos nossos. Não é porque somos adversários nas urnas que deixamos de ser amigos - disse.
Exemplo dos encontros são os ocorridos pelo assessor de imprensa licenciado da Força, Luiz Fernando Emediato, e o coordenador de finanças da campanha de Lula, Delúbio Soares. Emediato procurou Delúbio na última semana para uma conversa, mas não quis comentar o assunto. Delúbio confirmou a conversa, que segundo ele, girou em torno das investigações do Ministério Público sobre a suposta compra superfaturada da Fazenda Ceres, em Piraju (SP), pela Força Sindical, com verbas do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
Assessores de Paulinho informaram que há na Força Sindical um setor disposto a apoiar Lula, já no primeiro turno.
O candidato ao governo de São Paulo pelo PT, José Genoino, disse que pelo menos dois sindicatos filiados à Força estão apoiando a candidatura de Lula: Metalúrgicos de Osasco e Comerciários de São Paulo.
''Serra é extraterreno''
Garotinho diz que vai renegociar dívida com o FMI
O candidato do PSB, Anthony Garotinho, afirmou ontem no Rio que, se for eleito, pretende renegociar o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Empolgado com a subida nas últimas pesquisas, ele afirmou que vai disputar o segundo turno com o petista Luiz Inácio Lula da Silva, a quem acusou de ter trocado a política pelo marketing. Garotinho também alfinetou o tucano José Serra, ao chamá-lo de ''candidato extraterreno''.
- Vamos negociar condições melhores para o nosso
país junto ao FMI. Há margem para isso. E eu sei negociar - disse Garotinho, acrescentando que deseja mudar, por exemplo, a cláusula do acordo com o FMI que classifica investimento de empresas estatais como gastos públicos.
Garotinho lembrou que esta imposição, segundo ele não adotada em outros países, agravou a crise energética que afetou o país no ano passado.
- Furnas tinha dinheiro para fazer a linha de transmissão e não fez porque o governo tinha assinado um acordo com o FMI. Olha o preço que nós pagamos.
Embora admita não ser contra entrada do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas (Alca), Garotinho afirmou que, hoje, a adesão ao tratado seria ''péssimo para o país''.
Perguntado sobre o desempenho de seu governo no Rio na área de segurança pública, Garotinho afirmou ter feito o possível para resolver o problema. Disse que aumentou o efetivo policial e expulsou profissionais corruptos. E prometeu combater o crime organizado no país criando uma guarda de fronteira para impedir entrada de armas e drogas e mudando a legislação, entre outras medidas.
Garotinho defendeu ainda o trabalho de inteligência da polícia e citou, que no seu governo, a escuta autorizada em celulares utilizado por criminosos presos possibilitou a prisão de traficantes como Fernandinho Beira-Mar. Ele explicou:
- Mas não deixamos celular entrar no presídio como estratégia de escuta - afirmou Garotinho, acrescentando que h á ''conivência de agentes penitenciários com presos''.
O candidato conta com o voto dos indecisos para chegar ao segundo turno, além de apostar em sua superioridade em relação aos concorrentes já que, segundo ele, Ciro é ''desequilibrado'', Lula ''não tem experiência'' e Serra ''é o continuísmo''.
O Serra parece um candidato extraterreno, porque promete fazer o que o governo dele não fez. Promete criar os empregos que o Fernando Henrique não criou - disse, passando depois a criticar Lula, que teria trocado a política pelo marketing:
- Isso é um equívoco. O marketing existe para potencializar o que o candidato é, não para negá-lo.
Garotinho citou sondagem feita pelo PSB que indicaria estar ele 3 pontos à frente de Ciro e um à frente de Serra. Explicou que a pesquisa se diferencia das feitas pelos institutos tradicionais por considerar os 18% de evangélicos existentes na população brasileira.
Marqueteiro de Ciro é desautorizado
Einhart terá consigo outros publicitários
BRASÍLIA - Ciro Gomes foi convencido de que seu marqueteiro e cunhado, Einhart Jácome da Paz, não pode mais continuar decidindo sozinho a estratégia de marketing da campanha. A decisão foi tomada na madrugada de ontem, num jantar na casa do ex-governador Leonel Brizola (PDT-RJ), no Rio. A coordenação da aliança pediu ainda mudanças no sistema de arrecadação dos recursos da campanha. O responsável pela captação de dinheiro é o irmão de Ciro, Lúcio Gomes.
Apesar da insatisfação quase unânime na Frente com seu trabalho, Einhart não deixará a campanha. Mas terá a seu lado outros publicitários. Não faltou quem quisesse indicar um nome. O vice Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, cogitou o nome de Chico Santa Rita, que já trabalhou na campanha do candidato do PSB, Anthony Garotinho. O presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), sugeriu Iran Pessoa de Melo. Também foi indicado Chico Malfitane, que já participou de campanhas do petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo a explicação oficial da coordenação da Frente, Einhart será assessorado devido à sobrecarga de trabalho que enfrenta. No início da campanha, quando não havia dinheiro para contratar outros publicitários, ele ficou responsável pelos programas de TV e rádio e pelo planejamento do marketing. Agora, teria chegado a hora de aumentar a equipe.
O jantar na casa de Brizola foi marcado pelo suspense. A cúpula da Frente se encontrou na casa do presidente do PDT às 22h de terça-feira até às 3h da madrugada de ontem. Além de Ciro, Brizola recebeu o presidente do PPS, senador Roberto Freire (PE), o deputado Walfrido Mares Guia (PTB-MG), o vice Paulinho e o secretário do PDT, Manoel Dias.
Foi feito um balanço da campanha. A pauta incluiu a falta de material de divulgação nos estados e a pouca freqüência dos contatos de Ciro com os candidatos aliados. Freire foi aconselhado a dialogar melhor com o PFL, uma vez que o partido já está na campanha.
- Dialogo com todo mundo, não preciso de lição. Querem que tenha outro tipo de relacionamento com o PFL que não quero ter - reagiu Freire.
Um acordo de sigilo, fez com que Walfrido, Paulinho e Manoel Dias negassem ao Jornal do Brasil presença na reunião e disseram que estavam em São Paulo na noite de terça. Mas Freire e dois assessores da Frente Trabalhista confirmaram o encontro.
PSDB rebate Newton
BELO HORIZONTE - O PSDB rebateu ontem a denúncia do publicitário Pedro Fonseca, publicada anteontem pelo o jornal Diário do Comercio afirmando que o candidato a governador de Minas Gerais, Aécio Neves, teria recebido comissões indevidas em 1986, quando era diretor de Loterias da Caixa Econômica Federal (CEF), das agências de publicidade e RC e Setembro.
De acordo nota oficial do partido, o mesmo documento usado na reportagem foi enviado em junho aos coordenadores de campanha de Aécio como material de denúncia contra o adversário Newton Cardoso (PMDB).
O presidente do PDSB, disse que na época a sigla ANC que aparece no documento significaria ''Ajuda a Newton Cardoso''. Mas a denúncia foi considerada infundada. ''Passaram se dois meses e tal documento voltar a circular, nas mãos do ex-funcionário da Setembro, Pedro Fonseca, e com novas versões para sigla ANC. Desta vez seriam as iniciais de 'Aécio Neves Cunha''', diz o comunicado.
Segundo a nota, o documento teria sido enviado do aparelho de fax da produtora que faz trabalhos para a campanha do vice-governador Newton Cardoso.
Os documentos já estariam com a Policia Federal para investigação. Newton desafiou Aécio Neves a abrir seu sigilo bancário e fiscal nos últimos 20 anos. O adversário do candidato do PSDB alega que o povo mineiro tem o ''direito sagrado de saber a verdade, onde foi parar este dinheiro''.
Artigos
Os suspeitos de sempre
Léo Schlafman
Com a derrubada das torres gêmeas há um ano, os EUA - diz-se - perderam a inocência e penetraram num mundo sombrio e terrífico. A inocência impedira o país de captar o ódio que se alimentava no exterior e de reagir contra ele. No entanto, terroristas fizeram saltar duas embaixadas americanas e já haviam cometido, em 1993, um primeiro atentado contra as torres gêmeas. Prenderam-se os autores e bombardeou-se laboratório farmacêutico no Sudão. Depois o país virou a página e tornou a mergulhar nos prazeres da vida, deixando de tomar medidas de prevenção contra atos terroristas.
Mas é necessário reconhecer que os americanos são inocentes recorrentes. Foi o caso de Pearl Harbour, Vietnã, Watergate e mesmo o escândalo, nos anos 50, dos programas fraudados de perguntas e respostas, na TV.
De repente, a partir de 11 de setembro, os americanos se voltaram em massa para o governo federal, em busca de ajuda para enfrentar a crise. Tradicionalmente os líderes políticos, em especial os da direita, menosprezam essa frágil relação de confiança. Ronald Reagan fez carreira tratando com desprezo o Estado que ele mesmo dirigia. ''O Estado'', disse ele numa declaração tornada célebre, ''não é a solução para nossos problemas. O Estado é o problema.'' Anos depois, Bush, apenas alguns dias antes do atentado às torres, tornou a afirmar que o corte de impostos era uma boa coisa, porque significava que Washington teria menos dinheiro para gastar...
As medidas de repressão tomadas logo após o atentado tornaram claro, também, que certa sombra de macartismo paira sobre o país, com a maioria aceitando cerceamento às liberdades públicas em nome da segurança nacional. Desde 11 de setembro do ano passado o secretário da Justiça, John Ashcroft, lembra cada vez mais o chefe de polícia do filme Casablanca mandando prender os ''suspeitos de sempre'', sem que se possa saber quantos são nem seu nome.
A contrapartida é verdadeira. Os terroristas do grupo de Bin Laden e de outros cometem atentados sob alegação de que respondem ao ''terrorismo de Estado''. Mas se esquecem de dizer que eles próprios recebem auxílio de determinados países, o que os transforma também em terroristas estatais por interpostas pessoas, terceirizados. Os talibãs do Afeganistão pagaram caro por isto.
Os EUA também. A única superpotência mundial remanescente da Guerra Fria jamais sofrera ataque tão poderoso dentro de casa desde que as forças britânicas incendiaram Washington em 1814. A queda das torres gêmeas assinala o momento em que a era do ''equilíbrio do terror'', que durou aproximadamente 40 anos, cedeu lugar ao ''desequilíbrio do terror''. A globalização do terror engendrou seus próprios fantasmas.
O planeta inteiro virou campo de batalha de luta desigual, mas ambígua, entre terroristas tout court e ''terroristas de Estado'', ou vice-versa. Bin Laden, vivo ou morto, apresenta-se como o Savonarola do Islã, mas o próprio Savonarola acabou na fogueira que mandava atear para os infiéis. É apenas uma questão de tempo. Se sobreviveu ou não, atingiu pelo menos o objetivo de atropelar os EUA. A História se lembrará dele, quando terminar a refrega, como o homem que despertou os americanos, fazendo-os tomar consciência do custo da globalização, após 10 anos de preguiça mental durante os quais pensavam ter ganho a Guerra Fria graças apenas ao poderio militar.
Colunistas
COISAS DA POLÍTICA – Dora Kramer
Salvo-conduto para matar
Algo burocráticos e letárgicos no trato do tema segurança pública, os candidatos a presidente têm desde ontem à disposição o fato de impacto - daqueles que acontecem periodicamente - que faltava nessa campanha eleitoral para produzir o necessário despertar.
Um traficante extermina inimigos dentro de um presídio dito de segurança máxima e isso, evidentemente, não pode ser tratado como questão de briga de quadrilhas. Presidiário, todo mundo sabe e os políticos também, não dá voto.
Por isso mesmo o assunto costuma ser relegado ao plano dos projetos genéricos a menos que, como foi a chacina comandada por Fernandinho Beira-Mar dentro do Presídio Bangu 1, ocorra o chamado fato de impacto que põe em xeque o setor público.
Não faz três meses, houve uma devassa em Bangu onde se descobriu uma completíssima central de comunicações que ligava o presídio ao mundo externo. Através dela, os criminosos tornavam nulo o princípio do confinamento e, com ele, inúteis as sentenças que supostamente deveriam estar em execução.
A Justiça, na ocasião, foi que determinou a devassa, logo desmoralizada pelas autoridades do Executivo, aí incluídas a governadora do Rio, os secretários de Segurança Pública e Justiça, todos considerando-se alvos de um grave delito de ''quebra de autoridade'' por terem sido mantidos à margem da operação.
Não transcorreram 15 dias e, outra vez, no mesmo Bangu 1, encontraram-se novos aparelhos de telefones celulares. E, depois disso, outra ação - totalizando três revistas, três apreensões e três recidivas.
Só não se pode dizer que a soma delas resultou em zero porque a evidência revelou-se nefasta: além da inexistência de autoridade para ser quebrada por quem quer que seja, o Estado encontra-se em inequívoco estado de - total ou parcial - cumplicidade com o crime.
Não há duas explicações possíveis para a exposição continuada do fato de que a bandidagem é quem controla os presídios e, a partir do manejo da estrutura que deveria segregá-la da sociedade, continua a organizar as operações do crime aqui fora.
Como de resto não pode haver duas justificativas, a não ser a da cumplicidade, para o fato de um traficante sair de sua cela e transitar pelas dependências do presídio na condição de franco atirador.
Algumas portas, literalmente, o bandido precisou abrir. Essas portas naturalmente tinham chaves que, obviamente, estavam nas mãos de alguém que, certamente, as entregou ou deixou que fossem entregues a Beira-Mar.
Não nos parece que seja exatamente impossível reconstituir a trajetória do bandido, desde a cela até as vítimas. Mas é bastante improvável que num prazo razoável as autoridades constituídas consigam fornecer uma explicação convincente para um episódio em que, noves fora, um presidiário recebeu licença oficial para matar.
De que forma obteve esse salvo-conduto, cabe ao poder público explicar, dado que o preso está sob custódia do Estado, cuja função não é apenas a de responder por sua integridade, mas também por seus atos.
Mal comparando, e só o fazendo para tentar demonstrar a amplitude da distorção com a qual nos deparamos ontem, outro dia mesmo estávamos numa polêmica - ainda mal explicada - a respeito da cantora Glória Trevi ter engravidado nas dependências da Polícia Federal em Brasília.
Pois é, agora executam-se inimigos de quadrilhas adversárias dentro de repartições públicas. Evidentemente, um assunto como esse não pode ser tratado como briga de bandido.
É mais uma das inúmeras evidências de que têm razão os que se põem contra o uso do conceito de Estado paralelo para definir a força do crime. Seria assim se a bandidagem se organizasse e agisse à margem do poder público, um do lado legal e outra na banda ilegal de uma fronteira imaginária que separasse os dois.
O que está havendo é mais grave: não há fronteira, não há paralelismo, não há duas bandas. Há, no máximo, um lado fraco e outro forte. Este domina aquele e, diante da escalada dos acontecimentos que ontem no Rio atingiram os píncaros de todos os absurdos, desnecessário que nos informem de que lado estamos nós, a sociedade dentro da lei.
Consciência da realidade, portanto, não nos falta. Carecemos é de energia para reagir, tirocínio para encontrar a saída, clareza para entender que tipo de inimigo de fato estamos enfrentando e firmeza para fazer permanente a indignação.
Antes que, mais uma vez, se dilua o impacto do espetáculo em cartaz e voltemos todos à normalidade cotidiana, até que a próxima atração, com certeza mais violenta e desconcertante, nos torne reféns ainda mais perplexos ante a nossa impotência coletiva.
Editorial
TERROR ATRÁS DAS GRADES
O Poder Paralelo do Rio acaba de desmoralizar o conceito de prisão de segurança máxima, promovendo em Bangu 1 uma das maiores badernas do sistema penitenciário. O supervilão Fernandinho Beira-Mar armou o cenário para eliminar os maiores rivais (entre eles o notório Uê), arvorando-se em chefão supremo do tráfico de drogas, mesmo por trás das grades.
A penitenciária, que de segurança máxima não tem nada, estava coalhada de armas, capazes de municiar os detentos amotinados que invadiram a galeria B para matar os traficantes da outra facção. Uma das primeiras informações à disposição do público dizia que a rebelião foi precedida por tentativa de fuga do chefão ou então que ele só iria se entregar quando terminasse o serviço.
Não havia necessidade de dizer mais nada. O sistema penitenciário, que é o pior serviço público brasileiro, está todo retratado nesta tomada de posição de um bandido que não cessa de ridicularizá-lo. Recentes incidentes revelados por escuta telefônica já haviam mostrado que a bandidagem dirige as quadrilhas do lado de fora sem constrangimento. A Justiça tinha a faca e o queijo na mão e, no entanto, com ou sem escuta, ninguém foi capaz de prever a chacina comandada pelo Al Capone tupiniquim. Quando o governo mandou invadir o presídio, já era tarde demais para remediar o prejuízo de ordem moral.
O Poder Paralelo exibiu ainda sua força provocando o fechamento, em sinal de luto, do comércio e das escolas em todas as favelas comandadas pelos traficantes mortos em Bangu 1. É a triste rotina que desafia a autoridade e faz duvidar de sua capacidade de algum dia assumir as rédeas da segurança, numa cidade carente de proteção.
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09/12/2002
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