Na fila, a correção do IR






Na fila, a correção do IR
Câmara vota na próxima semana projeto capaz de unir do PFL à oposição contra o governo: a correção da tabela e dos limites de dedução do Imposto de Renda

Em meio aos tumultos que marcaram a votação do projeto que flexibiliza a legislação trabalhista, o governo se prepara para a próxima batalha: a proposta de correção da tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas. Em reunião com os líderes partidários, o presidente Fernando Henrique Cardoso determinou ao ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Arthur Virgílio, que converse com o secretário da Receita, Everardo Maciel, para buscar uma proposta capaz de unir a base governista em torno de uma correção menor que os 20% acordados pelo PFL e pelo PMDB com os partidos de oposição.

O governo, no entanto, ainda não definiu o seu projeto, mas a ordem é dar à base aliada um discurso que possa conter a migração de votos governistas para a correção dos 20%. ‘‘Vamos tentar elaborar uma proposta capaz de unir a base. Vamos trabalhar nisso assim que concluirmos essa votação da CLT’’, afirmou o líder do PSDB, deputado Jutahy Magalhães (BA), um dos poucos que ainda tem esperança de evitar uma derrota avassaladora nesse assunto. ‘‘Essa questão do imposto de renda é muito mais difícil que a da CLT. A cada dia a sua aflição’’, comentava o líder no Congresso, deputado Heráclito Fortes (PFL-PI).

Heráclito não está blefando quando fala das dificuldades do governo. O líder do PFL, Inocêncio Oliveira (PE), disse ao próprio presidente que é muito tarde para tentar unir a base nessa matéria. ‘‘Eu já fui longe demais e não tenho como voltar atrás’’, disse ele a Fernando Henrique, durante reunião ontem pela manhã no Palácio da Alvorada. O PFL e o PMDB — que não participou da reunião no Alvorada — já se comprometeram com o projeto que substitui a proposta original, que previa a correção de 35,29%.

Acordo fracassado
Há um mês, o relator do Orçamento da União para 2002, deputado Sampaio Dória (PSDB-SP), havia proposto uma correção da tabela em 11% para os salários mais baixos e a criação de uma alíquota de 35% para salários acima de R$ 10 mil mensais, o que atingiria apenas 1,4% dos contribuintes.
O benefício atingiria principalmente quem recebe de R$ 900,00 a R$ 1.000,00, que passaria para a faixa dos isentos. Hoje, a isenção vale apenas para salários até R$ 900,00. Aqueles com salários entre R$ 1.800,00 e R$ 2.000,00 também ganhariam, porque saem da faixa dos 27,5% de hoje para a alíquota de 15%.

O acordo não prosperou. Naquele mês, o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, disse que se a proposta inicial de correção plena fosse aprovada, o Orçamento de 2002 teria um rombo de R$ 5,3 bilhões, e, sendo assim, não haveria recursos para atender as emendas dos parlamentares. ‘‘O governo não tem como aceitar nada que resulte em perda de arrecadação’’, afirmou o secretário, há um mês. Agora, o governo promete ceder um pouquinho. Mas muitos deputados consideram que, se já está difícil aprovar um projeto que flexibiliza a legislação trabalhista por um ano, ainda pior será evitar a correção da tabela, proposta apoiada até pelo PFL, um dos mais fiéis aliados do presidente Fernando Henrique Cardoso.


Itamar concorda em adiar prévia
O governador de Minas, Itamar Franco (foto), concordou com o adiamento da prévia para a escolha do candidato do PMDB à Presidência, marcada para 20 de janeiro. O acordo entre as diversas correntes da sigla para selar a decisão deve ocorrer em reunião prevista para a próxima terça-feira, em Brasília, com a presença dos candidatos já inscritos - Itamar e Pedro Simon (RS). Desde o início, os setores governistas e senadores do PMDB consideravam um contra-senso a realização da prévia em 20 de janeiro. Isso levaria a sigla, a mais fragmentada da aliança governista, a ser a primeira a definir um nome à sucessão de Fernando Henrique Cardoso, enquanto o próprio PSDB, partido do presidente, não consegue se entender sobre quem será o seu candidato.


Briga de baianos pára Comissão
Uma disputa regional entre os líderes de vários partidos paralisa há dois meses a Comissão Mista de Orçamento do Congresso a ponto de não serem colocados em votação nem os projetos de crédito complementar para pagar o salário de servidores. De um lado da disputa, estão os líderes de duas bancadas na Câmara: Geddel Vieira Lima, do PMDB, e Jutahy Magalhães Júnior, do PSDB. Do outro, figura José Carlos Aleluia, vice-líder do PFL. Os três deputados envolvidos nessa briga são da Bahia e o motivo da divergência é a proposta de liberação de R$ 43 milhões para as obras Aeroporto Luis Eduardo Magalhães, em Salvador.


Muito barulho por nada
Pelo segundo dia consecutivo, governo não conseguiu obter da Câmara a aprovação do projeto que torna acordos entre patrões e empregados mais fortes que a Consolidação das Leis do Trabalho

Exatamente às 18h45 de ontem, o painel eletrônico do Câmara dos Deputados travou. Deveria exibir o resultado da votação do projeto de lei 5.483/2001, que muda a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas ficou em branco. Por conta disso, a votação, que vem sendo adiada sucessivamente desde terça-feira da semana passada e tomara toda a tarde, acabou não acontecendo mais uma vez.
Oposicionistas e aliados do governo acusaram-se mutuamente de ter fraudado os computadores e repetiram a batalha da véspera: a oposição votou o assunto em chamada nominal e o governo se retirou do plenário. No fim das contas, não houve quorum para deliberar. Eram necessários pelo menos 254, mas só 200 parlamentares participaram da chamada; 197 votaram pela reprovação do projeto, 1 votou favoravelmente e houve duas abstenções.

No momento em que os computadores travaram, haviam três funcionários dentro da sala de controle do plenário. O chefe da seção, Aécio Flávio Machado, disse ao Correio não ter idéia do que aconteceu. ‘‘Ninguém viu o resultado da votação, nem na mesa, nem na sala de controle’’, afirmou. O plenário é operado pela empresa de informática Montreal.
Enquanto a confusão aumentava no plenário, os seguranças da Câmara recebiam ordem para retirar os técnicos de lá e não deixar mais ninguém entrar. ‘‘Quero vigilância lá em tempo integral’’, orientou o presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG).

O secretário-geral da mesa diretora, Mozart Vianna, informou que a partir de hoje o sistema de votação, instalado em 1998 por R$ 8 milhões, passará por uma auditoria externa.
Diante da pane no painel, a reação imediata dos líderes dos partidos que votariam com o governo — PTB, PPB, PSDB e PFL — foi a de declarar obstrução, ou seja, abandonar o plenário para negar quorum à sessão.

Ainda urgente
De certeza, por enquanto, apenas a de que a votação não acontecerá mais nesta semana. Inocêncio Oliveira jura que o governo não retirará o regime de urgência. ‘‘De jeito nenhum.’’ Enquanto isso, toda a pauta da Câmara ficará trancada. O presidente da casa, Aécio Neves (PSDB-MG), terá apenas duas semanas para fazer tramitar projetos como o do orçamento de 2002 e o que reajusta a tabela do Imposto de Renda.
Antes da votação, especulava-se sobre uma possível barganha entre o governo e os dois partidos aliados que se recusavam a votar com o governo, o PMDB e o PTB. Geddel Vieira Lima (BA), líder do PMDB, acusava o governo de querer ‘‘fazer proselitismo’’. Mas garantia que não aceitava pressões e que no máximo 30 deputados dentre os 89 de seu partido votariam a favor do projeto de lei.

Do lado do governo, a conversa era outra. Em reunião no Palácio da Alvorada pela manhã, o presidente Fernando Henrique, a batido pela morte de seu assessor Vilmar Faria, disse estar cansado do toma-lá-dá-cá de sua relação com o PMDB. Falou-se inclusive no Ministério dos Transportes, alvo de insatisfação do partido, que deseja nomear um deputado para suceder Eliseu Padilha. ‘‘Estou farto’’, reagiu o presidente. ‘‘Vamos votar hoje. Se perdermos, pelo menos saberemos quem está conosco e quem não está.’’
Tais afirmações foram recebidas como um recado de que o presidente não está disposto a liberar recursos do orçamento para quem não vota com o governo. A maior parte das emendas ainda nãofoi transferida para o financiamento de obras nos municípios de interesse eleitoral dos deputados.

O líder do PTB, Roberto Jefferson (RJ), que tem apadrinhados na Nuclebrás e em cargos de direção da Previdência Social no Rio de Janeiro, decidiu atender aos apelos. Na noite de terça-feira, havia convocado todos os deputados de seu partido para votar contra o governo. Ontem, liberou-os para votar como quisessem. E retirou a bancada do plenário, ajudando na obstrução.
A operação política do Planalto mobilizou toda a Esplanada e até os governadores. O ministro da Fazenda, Pedro Malan, telefonou para o deputado Benito Gama (PMDB-BA), mas não obteve seu apoio. Os governadores do Rio Grande do Norte, Garibaldi Alves, de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, e da Paraíba, José Maranhão, todos do PMDB, receberam telefonemas dos articuladores do governo pedindo que pressionassem as bancadas estaduais a se rebelarem contra a orientação do líder Geddel Vieira Lima.


Aécio fica na mão do governo
Aécio Neves (PSDB-MG) esperava encerrar seu primeiro ano no comando da Câmara com a votação da imunidade parlamentar e projetos de interesse popular. Ainda não conseguiu cumprir a sua agenda e vê o tempo lhe escorrer pelas mãos sem poderes para mudar a situação. Seu maior entrave é a urgência que os líderes governistas concederam ao projeto que flexibiliza a legislação trabalhista. Aécio não consegue esconder sua irritação com a pauta trancada. E para completar, no dia em que achou que tudo estaria resolvido no início da noite, o painel eletrônico pifou e o assunto vai ficar para a semana que vem.

Em entrevista, Aécio chegou a dizer que se os pedidos de urgênciacontinuassem incomodando a Câmara, ele poderia propor mudança na Constituição para obrigar que esses pedidos sejam apreciados pelas comissões técnicas. ‘‘Toda matéria que chega com urgência já sofre uma perda de qualidade em sua discussão’’, disse à Agência Estado.
A irritação com o governo não é só de Aécio, mas atinge uma parcela expressiva da base governista. Muitos não conseguem entender por que o governo insiste em votar de qualquer jeito um projeto que poderia ser discutido sem pressa. O deputado Paulo Octávio (PFL-DF) não escondia sua bronca. ‘‘Esse assunto é muito importante. Tem que ser votado com calma’’, disse ele, que, pela primeira vez, prometia descumprir a orientação do partido e votar contra o projeto.

No PSDB, a ex-deputada Moema São Thiago, que sempre está no Congresso, comentava com uma deputada do partido. ‘‘Esse Dornelles (ministro do Trabalho, Francisco Dornelles) é o Bin Laden do governo. Vem fazer terrorismo aqui justo no final do ano. Não dava para esperar?’’, comentava Moema, com total aprovação da sua interlocutora. ‘‘Ele não poderia fazer isso com o sobrinho’’, dizia outro deputado, referindo-se ao parentesco entre o ministro e o presidente da Câmara.
Na verdade, o assunto já extrapolou a mudança pura da Consolidação das Leis do Trabalho e as relações familiares de Aécio. O governo pretende aprovar a proposta a qualquer custo para não entrar fraco na próxima batalha, a correção da tabela do Imposto de Renda (veja reportagem na página seguinte). ‘‘Se perder essa, a próxima será goleada’’, comentava um deputado aliado ao Planalto.


Artigos

A dor e a força de um sonho
Luís Costa Pinto

Há 30 anos, os primeiros militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) começaram a se embrenhar nas franjas da Floresta Amazônica, às margens do Rio Araguaia. Eram guerrilheiros e ficaram por lá até janeiro de 1975, quando foram dizimados. Quem não morreu, regressou preso ao Brasil oficial. Um ou outro enlouqueceu. O combustível que lhes permitia permanecer de pé era a ideologia. Sonhavam com um país diferente daquele em que viviam — estávamos subjugados por uma ditadura militar e os jovens comunistas criam que o futuro era impor uma outra ditadura, a do proletariado. Estavam certos — não no fim para o qual lutavam, mas sim no combustível escolhido para lhes mover a vida: o sonho.

A reportagem A história do Exército que torturava, matava e cortava cabeças, de Eumano Silva e Gilberto Alves, publicada no Correio de ontem, traz à superfície o preço desses sonhos. Na versão de um agricultor humilde de São Gabriel, que foi forçado pelos militares a delatar as movimentações do PCdoB nos confins do Norte, as Forças Armadas infringiram todos os códigos de guerra. Em combate, é do jogo ferir e matar. No front, quem não age assim termina por virar troféu ou estatística. As emboscadas eram prática comum dos dois lados. A tortura, o massacre, as sevícias, as condenações à morte e as decapitações, no entanto, fogem a essas leis universais dos conflitos.

A partir da memória de um ‘‘mateiro’’, como os guias recrutados à força eram qualificados pelos soldados, a história brasileira pôde incorporar mais uma pedra ao mosaico com que se tenta reconstituir os fatos transcorridos na Guerrilha do Araguaia. A reportagem de ontem, a que o jornal publica hoje na página 22 sobre Osvaldão, um dos maiores líderes do PCdoB naqueles tempos, e as demais que ainda publicará sobre esse assunto têm de virar leitura obrigatória nas salas de aula do ensino médio. Esses trabalhos jornalísticos são compostos por relatos que ajudam a decifrar a nossa história, a entender o presente, a projetar o futuro. Os guerrilheiros perderam. Tomar o poder pela força, reproduzindo nas planícies brasileiras a saga de Fidel Castro e Che Guevara na Sierra Maestra, foi um delírio que só encontrou eco numa restrita minoria dos militantes de esquerda. Mas a lição daquela turma que, salvo exceções, hoje não está mais aqui para contar suas versões, é a da força do sonho.


Editorial

Cinema nacional

O Festival de Brasília do Cinema Brasileiro é o mais tradicional evento do gênero no país. A capital se mobiliza uma vez por ano para assistir a longas e curtas-metragens nacionais. É um momento de glória para os realizadores e de diversão para os espectadores que lotam o Cine Brasília. A trigésima quarta edição do festival terminou na última terça-feira.
Depois da festa, a nada animadora realidade. O cinema brasileiro não tem muito o que comemorar em relação a número de espectadores. Amanhã volta ao cartaz em Brasília Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), nossa produção recordista de bilheteria: 10,7 milhões de espectadores. Mas os bons tempos se foram. Xuxa Popstar (produzido em 2000, portanto 24 anos depois), que foi a maior bilheteria dos últimos tempos, vendeu apenas 2,3 milhões de ingressos.

Do mercado interno, apenas 10% cabem ao cinema nacional. Para aumentar esse percentual e se reaproximar do público, uma das soluções apresentadas é enfrentar a indústria norte-americana mediante o aprofundamento da parceria com a televisão. Na maioria dos países europeus, as redes de televisão financiam em larga escala as produções e garantem posterior exibição na telinha. Tornam possível a concorrência com Hollywood. O Brasil engatinha nesse quesito.

Também se faz necessária uma política clara e de longo prazo para o setor. Hoje, o apoio está restrito a editais sem cronograma fixo e aos mecanismos de incentivo fiscal: leis do Audiovisual e Rouanet. Baseadas na redução de impostos, as formas de captação de recursos deixam os produtores nas mãos, às vezes arbitrárias, dos gerentes de marketing de grandes empresas, públicas e privadas. Para melhorar esse quadro, aposta-se na recém-criada Agência Nacional de Cinema (Ancine), sem data para sua definitiva instalação.
Na perspectiva latino-americana, vivemos pior momento que o México, com forte instituto de sustentação do mercado cinematográfico. Basta lembrar casos recentes de produções mexicanas. Amores Brutos conquistou 3,5 milhões de espectadores e E Sua Mãe Também (com estréia marcada para amanhã na cidade) ultrapassou 4 milhões.

O cinema brasileiro perdeu chance preciosa de reconquistar espaço com o sucesso de Central do Brasil, dentro e fora do país. Não houve produção para sustentar o clima favorável criado pelo filme de Walter Salles. Uma das principais razões para o atraso brasileiro é a falta de investimento em filmes que não entram na máquina de distribuição das multinacionais. Para se ter uma idéia, Lavoura Arcaica, premiado como melhor filme no Festival de Brasília, possui apenas quatro cópias para exibição em todo o país. No extremo disso, Harry Potter tem 26 cópias apenas no Distrito Federal. São 450 no Brasil.
Eis, portanto, um grande desafio: manter ao longo do ano o índice de interesse pelo cinema brasileiro conquistado pelo Festival de Brasília. E recuperar a tradição popular de nosso cinema configura-se algo acima de uma empreitada empresarial. É indispensável fazê-lo visível à identificação nacional e projetá-lo na tela da cultura brasileira.


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11/29/2001


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