'Não atuamos ao sabor do mercado', diz FHC









'Não atuamos ao sabor do mercado', diz FHC
Presidente defende, ainda, necessidade de um estadista para fazer frente às crises

O presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou ontem que o Brasil não age conforme as pressões do mercado e o País precisa de um estadista para atravessar as crises. "Nós temos uma política, não atuamos simplesmente ao sabor da pressão eventual do mercado, que hoje está bom, amanhã está ruim. O mercado é isso, mas a nação não é isso: a nação tem objetivos permanentes", disse Fernando Henrique, durante a inauguração da primeira fase da Usina Termoelétrica Nova Piratininga, na zona sul da capital.

O presidente ressaltou a necessidade de um líder para que o País possa superar as dificuldades. "Há crises, choques, pressões e há interesses que não são conciliáveis facilmente; é preciso que existam aqueles que processem essas demandas buscando o interesse coletivo", avaliou. "Se tudo desse certo, não precisava de político, não precisava de estadista."

Fernando Henrique e o governador Geraldo Alckmin acionaram juntos uma sirene simbólica para inaugurar a usina. Nesta primeira fase, entraram em funcionamento duas turbinas a gás natural, que permitem a geração de 200 MW de energia. A usina recebeu investimento de US$ 300 milhões, feito em conjunto pela Petrobrás, Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae) e Fundação Petrobrás de Seguridade Social (Petros).

Contrapondo-se às flutuações momentâneas do mercado, o presidente insistiu na importância da integração regional dos países da América do Sul como projeto de longo prazo. Ele criticou "o açodamento" das pessoas em relação às dificuldades na implementação do Mercosul.

"A Europa levou 50 anos para ser União Européia", disse. Um exemplo europeu a ser seguido seria a integração dos países no campo da infra-estrutura.

Fernando Henrique citou a importância de projetos de infra-estrutura, unindo o Brasil a países como a Bolívia, na importação do gás natural, e Argentina, com gás natural, petróleo e energia elétrica.

De acordo com o presidente, os países latino-americanos estão fazendo articulações para políticas conjuntas de desenvolvimento. Ele teria discutido projetos com o presidente do México, Vicente Fox. "Em outubro, vamos à reunião de Johannesburgo (na África do Sul) e apresentaremos uma proposta conjunta para que pelo menos 10% da energia mundial seja renovável", informou.

Alckmin - O governador enfrentou uma saia-justa durante sua penúltima inauguração - pela Lei Eleitoral, hoje é o último dia para os governantes participarem de inauguração de obras. Enquanto falava sobre os benefícios das novas turbinas, Alckmin teve seu discurso subitamente interrompido.

"Governador , o eletricitário merece respeito!", gritou o presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, Antônio Carlos dos Reis, enquanto levantava uma placa de protesto. Desconcertado, o governador respondeu:

"Está bem, está bem." Depois, prosseguiu com o discurso.

O sindicato ameaça parar a usina recém-inaugurada a partir da meia-noite de quarta-feira. Os eletricitários reivindicam um reajuste de 8%, superior aos 6,3% que foram oferecidos. "Eles pediram para eu baixar a faixa, mas me recusei", disse Reis, também conhecido como Salim.


Depois do penta, otimismo vira lema
Título mundial torna-se antídoto do governo e da oposição contra clima de pessimismo

O otimismo é o mais novo filão dos políticos. Depois que a Seleção Brasileira conquistou a Copa do Mundo, no domingo, o pessimismo entrou em baixa na campanha. Com todo o mau humor do mercado, governistas e oposicionistas parecem ter feito um pacto informal para exaltar a seleção e usá-la como exemplo. Mais do que isso, a vitória no futebol parece servir como um antídoto para as desconfianças e incertezas que rondam a economia.

Na quarta-feira à noite, durante a entrega do Prêmio Maiores e Melhores da revista Exame aos empresários que se destacaram no País, o presidente Fernando Henrique Cardoso encerrou seu discurso usando o sucesso do futebol brasileiro para motivar a platéia. “Houve uma vitória que foi construída pela reafirmação de nossa capacidade. Será exagero comparar isso com a economia?

Acho que não. É preciso que as pessoas acreditem mais e não fiquem se lamuriando”, afirmou.

“Quem pode fazer algo e fica se lamuriando, só atrapalha.”

O presidente aproveitou o momento de euforia para responder às análises pessimistas de alguns bancos e agências internacionais. “Em vez de ficar fazendo projeções para ver se está indo mal, é preciso ver como superar essas incertezas.”

Até o sisudo ministro da Fazenda, Pedro Malan, em discurso anterior, mostrou empolgação com o êxito no futebol. “Estamos passando por um processo de renovação da auto-estima”, considerou Malan. De acordo com ele, o título foi um feito “conseguido na base da garra, determinação, espírito de equipe e vontade de vencer. Este é o espírito que temos de ter no País”.

Depois do ministro, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), candidato à reeleição, citou o ex-presidente Juscelino Kubitschek (1956-1960). “Os otimistas podem errar, mas os pessimistas já começam errando.” Para ele, a vitória da seleção representou uma “estonteante derrota do pessimismo”.

Parecido – Na manhã de ontem, poucas horas depois do evento com os empresários, embora o candidato e a platéia fossem diferentes, o discurso do presidenciável do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, aos trabalhadores da Cooperativa Uniforja, em Diadema, revelou-se muito parecido. Em uma crítica à mídia, Lula também protestou contra o clima de pessimismo na economia. “Ninguém agüenta mais. Da primeira à última página só se fala em crise econômica”, afirmou Lula. “São os vendedores de pessimismo no Brasil.”

Apesar de ter comparado, há algumas semanas, Malan ao técnico da seleção, Luiz Felipe Scolari, Lula já começou a revisar sua opinião e também a usar o título mundial para ilustrar discursos. “Se tem vencedores neste País, além da seleção, são vocês, trabalhadores da Uniforja, que deram uma lição à equipe econômica”, ressaltou o petista.

Nesse campo, o pontapé inicial foi dado pelo senador José Serra, candidato do PSDB. Na segunda-feira, em São José do Rio Preto, Serra destacou a conquista da Copa. Segundo ele, “o exemplo da seleção serve muito bem para ficarmos alertas contra o catastrofismo e o negativismo”.

Essas manifestações, na opinião do cientista político Ney Figueiredo, devem-se ao receio de que as análises pessimistas acabem virando profecias auto-realizáveis. “Se Lula percebe que não ganha com esse clima, o governo também sente que não agüenta controlar o País”, explica. “Eles sabem que, se não houver jogo, ninguém ganha.” (Colaborou Vera Rosa)


Embaixadores querem reunir-se com candidatos
BRASÍLIA - Os embaixadores da Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia no Brasil estão se articulando para realizar reuniões conjuntas com os principais candidatos à Presidência. É interesse de seus países saber desde já o que pretende fazer o futuro presidente brasileiro em relação ao livre comércio e processo de integração na região. "Queremos conhecer as opiniões deles sobre o Mercosul e sobre os desafios externos que temos a enfrentar juntos", disse ao Estado o embaixador do Uruguai, Agustin Espinosa. Os encontros devem ocorrer entre o final deste mês e o início de agosto.

Iniciativa semelhante já foi empreendida pela embaixadora dos Estados Unidos, Donna Hrinak, que já se reuniu com José Serra (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PPS).

"O que me preocupa é a fofoca segundo a qual vencendo determinado candidato, haveria uma diminuição dos investimentos estrangeiros no Brasil", disse o embaixador do Paraguai, Luis Gonzales, sem citar nomes. "Se isso acontecer, afetará a todos os países vizinhos." Ele lembrou que os dois países têm um relacionamento muito estreito no campo econômico. Além de serem sócios na usina hidrelétrica de Itaipu, o Brasil representa de 40% a 45% do comércio externo do Paraguai. "Estamos acompanhando o processo dia a dia, porque para nós tudo o que acontece no Brasil é importante."

Espinosa acrescentou que outras autoridades uruguaias, além dos diplomatas, estão em contato com seus colegas no Brasil. O mesmo está sendo feito pelos representantes da Argentina no País.

Na conversa com os candidatos, os embaixadores do chamado Mercosul Ampliado (Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile e Bolívia) testarão o grau de envolvimento de cada um deles com relação a compromissos já assumidos no processo de integração. "A região atravessa um momento difícil, e esperamos que os candidatos se dediquem a pensar não só nos desafios internos, mas também nos externos", disse Espinosa. Os embaixadores não pretendem emitir opiniões sobre cada candidato. "Essa é uma decisão do povo brasileiro e não podemos interferir", comentou Gonzales.


FHC sanciona lei sobre precatórios alimentares
O presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou na quarta-feira o projeto de lei que determina que os recursos judiciais e extrajudiciais referentes a processos litigiosos ou administrativos que envolvam a Fazenda dos Estados ou do Distrito Federal sejam depositados numa conta única e utilizados exclusivamente para o pagamento de precatórios judiciais relativos a créditos de natureza alimentícia. Antes da aprovação da lei, esses recursos eram depositados numa instituição financeira e aguardavam a decisão judicial para serem convertidos em renda ao Estado ou restituídos ao depositante.


Governo tem ‘vendedores de pessimismo’, diz Lula
Petista reage à tese de Fraga, segundo a qual País precisa de 30 meses para sair da categoria de risco

Ao discursar ontem para uma platéia de metalúrgicos, o candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, chamou os integrantes da equipe econômica de “vendedores do pessimismo”. Lula ficou irritado com o cenário traçado pelo presidente do Banco Central, Armínio Fraga, que previu prazo de 30 meses para o Brasil ser considerado um país de investimento seguro pelo mercado internacional. Mais: não gostou de ouvir o presidente do México, Vicente Fox, receitando a manutenção do atual modelo econômico, para quem for eleito, como o único remédio para preservar a estabilidade.

“O que estão tentando impor, para quem ganhar as eleições, é a mesma lógica dos fundamentos econômicos deles, o que nós não queremos”, comentou o petista. “Não é possível que um presidente do México venha aqui para dizer o que tem de ser feito.” Na quarta-feira, Fox teve encontros separados com os quatro candidatos à Presidência, em Brasília. “Acho que nossas autoridades precisam de autorespeito para serem respeitadas lá fora.”

Lula fez as afirmações logo após visitar a unidade de produção da Uniforja, holding das quatro cooperativas que reergueram a falida Conforja, em Diadema, no ABC paulista. Estava acompanhado de seu vice, o senador José Alencar (PL-MG), que, pela primeira vez, estreou num palanque a seu lado depois da convenção que homologou a dobradinha entre o PT e o PL, no sábado.

Aplaudido por cerca de 200 trabalhadores que ocuparam o pátio da empresa, Lula disse que “ninguém agüenta mais” ligar a televisão nem ler jornais porque só se fala de crise econômica.

“São os vendedores de pessimismo no País enquanto vocês, trabalhadores, são os vendedores do otimismo, do Brasil que deu certo”, elogiou.

Cabeça – O presidenciável arriscou uma comparação com o dia-a-dia para sair do “economês” e sustentar que o governo não se preocupa com experiências bem-sucedidas, como a Uniforja – reconstruída pelos funcionários depois da falência, em 1999, e hoje dona de faturamento anual de R$ 49 milhões. Sob forte sol e dirigindo-se ao vice, Lula não deixou por menos. “Nossa cabeça, Zé, raciocina de acordo com o chão que os nossos pés pisam: se a gente vive numa favela, depois de algum tempo está com a cabeça na favela”.

Para completar, o candidato afirmou que o governo só fala em fuga de capitais porque está com “a cabeça e os pés” no sistema financeiro, em Washington (EUA). “Seria importante que a equipe econômica, ao invés de viajar para Washington, Londres e Paris, saísse pelo Brasil conhecendo as experiências que deram certo; quem sabe assim fosse para a TV vender um pouco mais de otimismo?”

Com microfone em punho, Lula insistiu em que o governo vê as cooperativas como “coisa de gente atrasada”. “O negócio, para eles, é acreditar que o capital especulativo vai salvar o país, mas esse mesmo capital não salvou a Argentina nem a Rússia”, destacou.

O discurso de Lula marca a nova fase da campanha, que será aberta oficialmente amanhã, com uma caminhada no centro velho de São Paulo. O comando petista avalia que não é bom para o candidato “puxar” o debate econômico, nesta altura do campeonato, como quer o tucanato. A ordem é divulgar o programa de governo, no próximo dia 19, e, a partir daí, investir na mobilização de rua. “Se o governo sabe o que fazer, por que não fez quatro anos atrás?”, ironizou o presidenciável, numa crítica às afirmações de Fraga, para quem é possível tirar o Brasil da categoria de alto risco se a população for “disciplinada” e não acreditar em soluções milagrosas.


Serra ameniza expectativa sobre pesquisas
Para ele, eventual crescimento de Ciro seria "normal" por causa de aparições na TV

RIO - Numa semana em que três institutos de pesquisa registraram na Justiça Eleitoral sondagens sobre a corrida presidencial a serem divulgadas nos próximos dias, o candidato do PSDB à Presidência, senador José Serra, amenizou ontem a expectativa do crescimento da candidatura de Ciro Gomes (PPS). "Todo candidato que aparece no horário de partidos políticos cresce.

Isso é normal", disse Serra. Ele percorreu o centro comercial de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e visitou a estação de metrô da Pavuna, ao lado da candidata a vice em sua chapa, deputada Rita Camata (PMDB-ES), e outros políticos.

"Eu digo a respeito de pesquisa o que eu sempre disse, quando estava embaixo e quando estava em cima: pesquisa é só fotografia. O que vale mesmo é o dia da eleição", afirmou o tucano. Sobre o candidato do PSB, Anthony Garotinho, Serra disse que não trabalha com a hipótese de desistência por parte do ex-governador do Rio. Ele também não comentou a proposta do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, de entregar a administração das companhias estatais a funcionários de carreira.

Caminhada - Durante a caminhada pelo calçadão de Nova Iguaçu, Serra apresentou Rita à população. Ela acenava e sorria para a multidão que os seguia. Ele entrou em lojas, conversou com moradores, recebeu pedidos de ajuda e beijou crianças. O candidato disputou a atenção com o ator Francisco Cuoco, que fazia campanha para seu filho, Diogo Cuoco, candidato do PMDB a deputado. Na Pavuna, Serra comeu empadas de frango, pastel de queijo e bebeu caldo de cana.

"Minha origem simples está muito presente em mim." O senador esteve acompanhado pela candidata do PFL ao governo do Rio, Solange Amaral, e dos candidatos ao Senado Sérgio Cabral Filho (PMDB) e Arthur da Távola (PSDB).

Serra afirmou que vai tentar conversar com o prefeito de Duque de Caxias, José Camilo Zito dos Santos (PSDB), para trazê-lo de volta para sua ca mpanha, da qual chegou a ser coordenador.

"Nós estamos abertos. Numa boa a gente vai retormando."

O candidato disse que, se eleito, vai integrar o sistema de trens urbanos ao do metrô. "Quero transformar todos os trens urbanos do Brasil em metrô. É muito mais viável e fácil do que a construção do metrô a partir do zero, porque já se tem os trilhos. O que falta é investimento", declarou.

Quem passava ontem pelo calçadão de Nova Iguaçu se impressionava com a mobilização em torno de Serra. A maioria não o reconheceu e muitos perguntavam se ele era um artista, o que obrigou Solange Amaral a anunciar em voz alta, em diversos momentos, que ali estava o candidato do PSDB à Presidência. O senador foi o segundo candidato a fazer corpo-a-corpo no calçadão de Nova Iguaçu esta semana. O primeiro foi Anthony Garotinho.


Artigos

A agenda do bom senso
Washington Novaes

Todos os administradores públicos e privados, assim como os candidatos a cargos eletivos, deveriam impor-se a leitura da Agenda 21 Brasileira, concluída pela Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável (CPDS) - representantes do governo, da sociedade e dos empresários - e já entregue ao presidente da República, durante a recente Rio + 10 Brasil.

Constituída de dois documentos - Ações Prioritárias e Resultados da Consulta Nacional -, ela é fruto do mais amplo processo de participação já ocorrido no País, com 40 mil pessoas envolvidas nas propostas levadas aos encontros promovidos em 26 Estados e cinco macrorregiões, para discutir diagnósticos construídos a partir de 1997. Nada menos de 6 mil propostas foram consideradas.

A Agenda - ressalta a CPDS - não cuida apenas da preservação do meio ambiente, e sim da construção do desenvolvimento sustentável ampliado e progressivo, "um desenvolvimento não apenas quantitativo, mas também qualitativo". Pode ter - e tem - falhas e lacunas. Pode-se ou não concordar com suas visões e propostas. Mas não se pode ignorá-la - nem o poder público, nem os cidadãos, nem os empresários. Porque não é sensato fazer de conta que a sociedade não pensa, não traduz seu pensamento em propostas, não exige que elas sejam levadas à prática.

Nesse processo, será indispensável conhecer os conflitos que permeiam o dia-a-dia brasileiro nos vários setores, para poder construir pactos que levem à desejada sustentabilidade "ampliada e progressiva". Será preciso resistir à velha tentação brasileira de elidir os conflitos ou até mesmo imaginar que eles não existem - porque, na prática, cada setor reage agressivamente quando são apontadas suas responsabilidades nos custos ambientais e sociais, nas perdas não-contabilizadas nas contas nacionais. Só com a explicitação dos conflitos e a pactuação de novos caminhos será possível caminhar em direção à sustentabilidade com que todos sonhamos, mas não conhecemos na prática, exatamente porque não se pactuam soluções e não se acompanham sua viabilidade e eficácia. O documento Resultados da Consulta Nacional será utilíssimo para esse reconhecimento dos conflitos.

Talvez o exemplo mais significativo na área dos conflitos seja o da agropecuária. Nada menos de um terço das propostas apresentadas ao longo do processo de discussão se refere aos dramas gerados por esse setor - a erosão acentuada do solo, a degradação das bacias hidrográficas, a compactação do solo, a contaminação de águas por insumos químicos, a mecanização intensiva determinando o êxodo rural e a expansão caótica da urbanização, a perda de frações imensas dos biomas e de seus serviços naturais, a absorção interna de custos em favor dos países importadores, etc. Em todo o processo, entretanto, o setor recusou-se a discutir todos esses custos, alegando que são fruto de políticas públicas e só a elas devem ser imputados - o setor se vê apenas como "herói da produção", "maior gerador de superávits comerciais" e assim por diante.

Será preciso, então, que a agropecuária se sente à mesa com outros interlocutores, discuta essas questões, pactue caminhos.

A própria CPDS aponta, por essa e outras razões, algumas condições prévias para o avanço:

Que cresça o nível de educação da sociedade para a sustentabilidade; que o conjunto do empresariado se posicione em "patamar mais progressista quanto a suas responsabilidades sociais e ambientais"; a internalização das ditas questões ambientais em todas as políticas públicas, em todo planejamento.

Há muitas "lacunas", como observam os documentos. Talvez a mais problemática seja a Agenda não se envolver mais a fundo na discussão sobre "crescimento econômico" como proposta de solução para quase todos os problemas sociais.

Vários relatórios internacionais - como tem sido relatado neste espaço - mostram que o consumo de recursos e serviços naturais já está hoje além da capacidade de reposição da biosfera - e num momento em que um terço da humanidade vive em condições terríveis.

Que acontecerá se se aumentar o consumo e se puderem elevar todos os seres humanos a um patamar mínimo de atendimento de suas necessidades? Seriam necessários mais dois ou três planeta como o nosso, dizem esses relatórios, referendados pelos estudos do biólogo Edward Wilson. Que se vai fazer?

Ignorar esses dramas? Perpetuar a injustiça e, ainda assim, continuar caminhando em direção ao esgotamento de recursos? Será preciso, evidentemente, criar novos padrões civilizatórios, novos formatos de consumo não-perdulário e de distribuição da renda. Mas a Agenda não entra a fundo nessa discussão.

Há outras lacunas visíveis, muitas delas apontadas pelos próprios documentos. Na discussão da recente crise energética, por exemplo, diagnosticada como fruto apenas de condições meteorológicas adversas, quando muito mais esteve em jogo, inclusive a falta de prioridade para a conservação de energia (que o racionamento evidenciou como forte possibilidade), listada na própria Agenda. Ou na questão dos resíduos sólidos, do lixo, que se esgota na Agenda com uma breve menção às possibilidades de reaproveitamento.

A Agenda ressalta a pouca discussão havida em torno do tema "violência", que vai assumindo a primeira posição nas preocupações nacionais, à frente mesmo do desemprego. Assim como a importância secundária - se tanto - do tema "indústria" e do papel das empresas. Caberá à sociedade e aos governos, na execução da Agenda, avançar nesses caminhos.

São muitas as prioridades e os meios de implementação (essenciais) definidos pelos documentos e não caberia aqui enumerá-las. Importante será que o País as conheça - e para isso é indispensável um amplo processo de divulgação.

Para que, afinal, toda a sociedade consiga mergulhar na discussão sobre o desenvolvimento sustentável e o processo de sua construção. A campanha presidencial pode ser um bom começo.


Editorial

A NOVA LDO E O VELHO BRASIL

Por votação simbólica, num plenário com apenas 144 dos 513 deputados e 43 dos 81 senadores, o Congresso Nacional aprovou terça-feira à noite a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A aprovação deveria ter ocorrido até o fim de junho, mas foi atrasada por uma série de impasses. A votação final dependeu de um acordo entre governo e oposição sobre direitos de presos e perseguidos políticos que tenham sido anistiados.

Aqueles que já recebiam benefícios terão direito a pagamentos retroativos a 1988. Para os demais, o efeito retroativo será de cinco anos. Pode-se argumentar a favor dessa mudança. Difícil, mesmo, é mostrar que seja razoável uma barganha como essa para a votação de um projeto como o da LDO. O processo orçamentário, que se inicia com a discussão desse tema, é um ritual que se deve cumprir ca da ano, como parte da operação normal da máquina do Estado. Não é uma questão partidária, ou de interesse deste ou daquele grupo encarregado, temporariamente, de governar o País. O cumprimento desse ritual - e de outros essenciais à vida pública - deveria ser independente da maior parte das outras considerações. Nem todos os políticos brasileiros parecem dar importância a essa distinção.

Apesar disso, as modificações introduzidas no projeto foram apresentadas, por vários parlamentares, como tendentes a fortalecer o Congresso e a vida democrática. Pelo texto aprovado, o Executivo será obrigado a se explicar ao Congresso quando quiser cortar verbas orçamentárias ou mudar prioridades aprovadas pelos parlamentares. Essa inovação foi apresentada como um passo para a adoção, no Brasil, do orçamento impositivo, adotado em alguns outros países. No País, o Orçamento público é apenas autorizativo. Graças a isso, o Executivo, ao liberar verbas para aplicação durante o exercício, tem liberdade para não realizar os gastos definidos por emendas de parlamentares. São, na maior parte, emendas de interesse clientelístico e paroquial, sem a mínima relação com o uso eficiente e racional do dinheiro público.

Em geral, o País ganha com esse descumprimento, que desagrada, naturalmente, aos autores das emendas. Essa possibilidade não foi eliminada, mas a ação do Executivo poderá tornar-se politicamente mais complicada.

Seria desejável um Orçamento impositivo? Talvez sim, mas seria desejável, também, que a proposta orçamentária fosse tratada, no Congresso, com base noutra concepção de uso de recursos públicos. Isso também seria favorável, e muito, ao aperfeiçoamento das práticas democráticas.

Os parlamentares conservaram, ao aprovar a versão final do projeto, o direito de reestimar a receita do Orçamento-Geral da União. Com base em que se tem feito essa reestimativa? A experiência tem sido clara: em geral, procura-se mexer nos números para acomodar a despesa total desejada pelos congressistas. Na revisão dos cálculos, pelos parlamentares, não se tem notado uma paixão especialmente grande pelo realismo econômico e pela precisão numérica.

Sujeitar a indefesa aritmética ao desejo de inflar a despesa inscrita no Orçamento não chega a ser uma declaração de amor à democracia.

Na LDO, os congressistas ampliaram de 2% para 3% da receita corrente líquida a reserva de contingência, para ampliar a verba destinada ao reajuste do salário mínimo e para garantir o cumprimento das emendas. Estima-se que a reserva passará de R$ 4 bilhões para R$ 6 bilhões.

Essa mudança poderá, acima de tudo, complicar a realização do superávit primário. É provável, portanto, que a alteração seja vetada pelo presidente da República. Essa, pelo menos, era a expectativa manifestada por vários parlamentares logo depois de aprovado o texto.

O dado mais positivo para a política econômica foi a mudança da meta de superávit primário para 2003. A meta para o conjunto do setor público passou de 3,50% para 3,75% do Produto Interno Bruto (PIB).

Até o fim de agosto, quando o Executivo mandará ao Congresso a proposta do Orçamento para o próximo ano, alguns pressupostos importantes - como o crescimento econômico de 4% - poderão ter mudado. Isso dependerá, em parte, da evolução do mercado financeiro, turbulento nos últimos dois meses. Os técnicos do Executivo terão de avaliar o quadro. Alguém, afinal, tem de pensar com algum realismo no Orçamento que será deixado ao próximo governo.


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07/05/2002


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