Obra apresenta receitas históricas de doces do interior de São Paulo



Diversas receitas dos tempos de nossas avós foram preparadas pelos pesquisadores da Unicamp e podem ser reproduzidas

Pesquisa realizada no Centro de Memória (CMU) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) resgatou, a partir de antigos manuscritos, mais de 200 receitas tradicionais de doces paulistas do século 19. Diversas foram fielmente executadas pelos historiadores.

As receitas testadas e aprovadas estão no livro Delícias das Sinhás – História e Receitas Culinárias da Segunda Metade do Século 19 e Início do Século 20, lançado em dezembro, e podem ser reproduzidas pelos leitores. A obra inclui fotos dos doces, além de descrições dos utensílios empregados para preparar e servir as iguarias, da mobília e dos ambientes das casas dos barões do café da região de Campinas, no interior paulista.

De acordo com uma das autoras, Eliane Morelli Abrahão, coordenadora do Arquivo Histórico do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Unicamp, a transcrição das receitas, realizada pelo organizador do livro e diretor de Arquivos Históricos do CMU, Fernando Abrahão, exigiu conhecimentos paleográficos. “A interpretação dos manuscritos não é tarefa trivial, porque muitos tinham caligrafia difícil e estavam degradados. Foi preciso também atualizar as medidas utilizadas pelas cozinheiras da época, do tipo arroba, libra e quartilho (unidade de capacidade do sistema inglês, equivalente a 0,568 litro)”, diz.

Depois da transcrição e digitação de aproximadamente 200 receitas, 82 foram selecionadas para teste. O grupo convidou o jornalista especializado em gastronomia Fernando Kassab para adaptar as receitas à linguagem atual, prepará-las e fotografá-las. Os pesquisadores participaram então de sessões de degustação ao longo de 40 dias. Uma das dificuldades da adaptação foi o tempo no forno, uma vez que as cozinheiras utilizavam forno de barro ou de lenha. Várias receitas precisaram de diversas repetições até que o resultado ficasse a contento.

Para servir as guloseimas, Kassab procurou refletir a forma de apresentação original de cada uma delas, baseando-se nas pesquisas de Eliane e de Deborah D’Almeida Leanza, outra co-autora da obra.Pesquisa – Segundo Eliane, a pesquisa histórica foi iniciada no fim de 2002, quando Fernando Abrahão apresentou a outro dos co-autores, o professor Héctor Hernán Bruit, do Departamento de História, os cadernos de receitas de tradicionais famílias campineiras, que estão sob a guarda da Área de Arquivos Históricos do CMU. No início de 2007, a pesquisa histórica foi concluída e teve início a fase das experimentações culinárias.

Os quatro cadernos de receitas que foram a base da pesquisa pertenceram a Custódia Leopoldina de Oliveira, irmã de Bento Quirino dos Santos, conhecido personagem campineiro do ciclo do café. Os manuscritos, que estavam nos arquivos da tradicional família, datam de 1863.Transformações da culinária – Os nomes dos doces chamam a atenção: meiguice de sinhá, beijinho de moça corriqueira, brasileirinhas, cocada gostosa, bolo da imperatriz, bolo da rainha, biscoito da casa, biscoito inglês, bolo da mãe benta, pudim de pinhão, pudim de banana-da-terra e fatias douradas (hoje conhecidas como rabanadas). “Havia também diversos tipos de bom-bocado e beijinhos, que levavam gema de ovo em vez de leite condensado”, afirma Eliane.

Nos 40 dias de degustação foram utilizados cerca de 100 dúzias de ovos, 70 quilos de açúcar, 20 quilos de farinhas variadas, 25 quilos de frutas secas e frescas e considerável quantidade de manteiga. Durante a produção dos doces, muitas dúvidas surgiram, de acordo com a pesquisadora. “Na receita do beijo de clara, por exemplo, pensamos que havia uma transcrição errada, porque era preciso bater as claras de ovos por três a quatro horas. Descobrimos que o doce virava um suspiro comum se fosse levado à batedeira elétrica, com resultado bem diferente do que se esperava. Era mesmo necessário que as escravas batessem à mão todo aquele tempo”, explica.

Segundo a pesquisadora, o resgate histórico das receitas permitiu detectar as transformações de uma culinária de origem portuguesa para a junção de influências das culturas africana e indígena na cozinha da região: “Os doces portugueses levavam muita gema de ovo e açúcar, mas havia sobra de clara. Vários doces aproveitavam essa sobra: o pudim de clara, o suspiro do coração e as diversas variações de merengues, por exemplo”.

Serviço:

Delícias das Sinhás – História e Receitas Culinárias da Segunda Metade do Século 19 e Início do Século 20.  Fernando Abrahão, organizador. Editora Arte Escrita. Preço sugerido: R$ 70. Outras informações: www.editorartescrita.com.br

Da Fapesp

(M.C.)



01/15/2008


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