Projeto Dr. Cão integra animais e pacientes no Hospital do Mandaqui
Visita de cão-terapeuta humaniza tratamento, reduz estresse e melhora auto-estima dos doentes
Tommy anda orgulhoso pelos corredores do complexo do Hospital do Mandaqui. Ele sabe que tem uma missão: levar alegria e bem-estar aos pacientes internados, profissionais de saúde e até para quem visita os doentes. O pequeno vira-lata amarelo e seus companheiros participam de um importante projeto: o Dr. Cão.
Criado em 2005 pelo psiquiatra Márcio Peter de Souza Leite e pela educadora Maria Cecília Branco de Souza Leite, ambos donos de cães da raça golden retriever, o Dr. Cão foi integrado à rotina hospitalar do Mandaqui, em junho de 2007. A responsável pelo projeto, a cirurgiã Sunao Nishio, uma apaixonada por cães, resolveu abraçar a idéia. Os animais da cirurgiã, Tommy (um vira-lata de três patas), Linda (uma beagle) e Yumi (golden retriever) participam do projeto.
No Mandaqui, a iniciativa ganhou os corredores do hospital por causa do trabalho de humanização da unidade. “O hospital estava procurando uma entidade que se preocupasse em melhorar a qualidade de vida dos pacientes”, lembra o pediatra Marcus Vinicius Ribeiro.
“Quando a doutora Sunao apresentou o projeto, vimos que se enquadrava no processo que estávamos desenvolvendo aqui. Foi um casamento perfeito. Os pacientes internados aguardam ansiosamente a visita quinzenal dos doutores de quatro patas” e até de três, diz o pediatra. A sensação mais comum observada do contato dos pacientes com o animal é a transferência da dor. “Por alguns instantes esquecem que estão doentes e se preocupam em interagir com os animais. No caso dos acompanhantes é uma forma de distração”, garante Sunao. Hoje, a iniciativa conta com 25 voluntários e 15 cães. Em breve, os organizadores pretendem transformá-la numa associação sem fins lucrativos.
Cão-terapeuta – “Não interessa a raça: labrador, golden retriver, bernese mountain, iog, beagle ou vira-lata, o importante é o perfil. Os cães devem ser seguros, aceitar carinho – muitas vezes um pouco exagerado por parte das crianças – e facilidade para trabalhar em equipe com outros animais,” explica Sunao. O labrador Nino, da voluntária Beth Lotrati, é um exemplo. “Ele é especial. Dos seus sete irmãos, o único que possui a característica para fazer parte do Dr. Cão é o Nino. É muito paciente e já se apresentou em diversas escolas e asilos”. Nino está no projeto há um ano divertindo a garotada e os profissionais do Mandaqui.
Antes de entrar no hospital, os cães recebem cuidados especiais: “Tomam banho com xampu-desinfetante, recebem vermífugo uma vez por mês e são escovados. Têm de estar com a saúde em dia”. Ao entrar e sair dos quartos, os voluntários aplicam anti-sépticos nas patas (clorexidina, utilizado em salas cirúrgicas) e na boca dos cachorros. “Assim, não contaminam crianças ou pacientes internados”, informa Sunao. A cada quatro meses passam por consulta no veterinário. A alimentação é outro fator importante. “O cachorro deve receber o dobro da quantidade de alimento que um cão comum comeria normalmente, por causa do excesso de calorias gastas durante as atividades”, esclarece a cirurgiã.
Alimentam-se pela manhã, duas horas antes de chegar aos grupos de pacientes. Ao meio-dia voltam a comer ração e, posteriormente, descansam. Os profissionais explicam que o animal sabe que está ‘trabalhando’ e se cansa com a atividade. Por isso é importante o descanso para “baixar a ansiedade”. A vida útil de um cão-terapeuta gira em torno de seis a sete anos. As visitas, quinzenais, duram de uma a duas horas.
Saindo da crise – A integração só não é completa quando o paciente ou responsável não quer o animal por perto ou a sua condição clínica não recomenda. Para os voluntários, a terapia com cães auxilia na sua qualidade de vida. “A golden Lola me ajudou a sair de uma depressão. Logo que percebi o bem-estar que ela me promovia, resolvi compartilhar com o próximo”, informa Vivian Lopes, dona de Lola.
Há 11 meses no projeto, Rafael Pires não tem cachorro, mas comparece a todas as visitas quinzenais. “Ajudo a Kriska a subir nas camas dos pacientes e auxiliou na limpeza das patas dos animais”, informa o estudante de Biologia. De acordo com Sunao, muita gente quer ser voluntária. “Os interessados precisam entender que se trata de um trabalho sério. Estamos lidando com a vida de pacientes debilitados. O candidato precisa ter em mente que faz isso para o benefício do próximo”.
Por onde passam é só festa e alegria
Os cães-terapeutas do Projeto Dr. Cão chegam acompanhados de seus proprietários. Em duplas, entram pelos corredores do Hospital Mandaqui. Por um momento, a rotina é quebrada. Crianças, acompanhantes e até funcionários se aproximam dos doutores de quatro patas com suas bandanas azuis. Ao entrar na enfermaria na qual o pequeno Wladimir de quatro anos está internado, Alf, o bernese de 45 quilos, faz a festa. O garotinho esquece a monotonia e o medo de estar internado. “Parece um urso. Quero ficar com ele”, diz. Tímido, Wladimir vai se aproximando e, quando Edna Guimarães (dona do cachorro) vê, o menino já está passeando pelos corredores com o ‘grandalhão’.
Para Mateus da Silva, cinco anos, tetraplégico desde os três, a integração com os animais é completa. Ele abre um grande sorriso quando recebe o carinho da beagle Linda. Ao saber que o seu time (Corinthians) passou para a Primeira Divisão dividiu a alegria com a nova terapeuta de quatro patas. A companheira de quarto de Mateus, Gabriela Marques da Silva, cinco anos, vítima de uma doença que impede a formação dos músculos, afirma que visita de Kriska não é mais motivo de temor e, sim, de alegria.
Ribeiro explica que no início a garotinha tinha medo. “Ela foi internada com apenas um ano de idade e nunca havia se aproximado de cachorros. Então, trouxemos o Peter (um cãozinho de pelúcia) para ela ir se acostumando. Assim que notamos que Gabi se acostumou com o Peter, a labradora Kriska entrou em ação”, recorda a voluntária Rita de Cássia Gonçalves. No dia da visita, a menina e a cadela estavam ansiosas pelo reencontro. Quando Gabi acordou e viu Kriska em cima da sua cama seu sorriso iluminou o quarto. “É sempre assim. Um ambiente de festa. Faz um bem enorme tanto para nós, que trabalhamos na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) como para essas crianças. Elas ficam mais calmas e alegres”, declara Dulcinéa Alves, auxiliar de enfermagem.
Terapia alternativa é sucesso há mais de dois séculos
A interação de animais em tratamentos médicos começou por volta de 1800, na Inglaterra, numa clínica para portadores de doenças mentais. Ali, os pacientes eram incentivados a cuidar dos bichos. Com o passar dos anos, outras técnicas foram desenvolvidas. Por aqui, a pioneira é a médica veterinária e psicóloga Hannelore Fuchs, que em 1987 se doutorou na Universidade de São Paulo (USP) com estudo sobre os benefícios da integração de animais com pacientes. Dez anos mais tarde, montou uma equipe – hoje com 18 pessoas – para levar cães, pequenos roedores e tartarugas a hospitais como Santa Casa, na Vila Buarque, e Nossa Senhora de Lourdes, no Jabaquara.
O Projeto Dr. Cão teve início há 11 anos, depois de a médica conhecer iniciativas internacionais que mostravam a relação do homem com o animal. De lá para cá, Hannelore coleciona histórias de pessoas que passaram pelo Pet Smile, como é chamado o seu programa. A entidade conta com várias espécies de animais. São cachorros, gatos, peixes, tartarugas, chinchilas e coelhos. Há pacientes alérgicos que não podem ter contato com gatos e cachorros, por exemplo. Aí entram em ação outros bichos.
Estudo realizado por James Lynch, Aaron Katcher e Erika Friedmann, no Hospital da Universidade de Meryland (EUA), com 96 pacientes que se recuperavam de uma doença coronariana, revelou que 86 sobreviveram após um ano. Entre os 36 não possuidores de anima is de estimação, 11 foram a óbito. Dos 53 que tinham algum animal em casa, apenas três faleceram. Esses dados independem do tipo de bicho, idade e gravidade do problema. O fator principal na recuperação é a personalidade das pessoas que criam algum animal de estimação. Os que possuíam algum animal em sua casa se recuperavam mais rápido, pois queriam voltar logo para casa e cuidar dele. Os que possuíam cães tinham 8% a menos de visitas médicas. Os que criavam gatos tinham 12% a menos. Além disso, tomavam menos medicamentos para pressão alta, colesterol e não tinham muita dificuldades para dormir à noite.
Laços ancestrais – Outro estudo, com 31 proprietários de animais sofrendo de alguma enfermidade clínica e depressão, revelou que em 100% dos casos as pessoas afirmaram que eles ajudaram a rir e a manter o bom humor; 93% afirmaram que os animais os tornaram mais ativos fisicamente; e para 93% deles seus animais são parte importante em suas vidas. Alguns como os cães têm a incrível habilidade de fazer a mais triste das criaturas ficar alegre em instantes. Afagar um animal de estimação causa redução da pressão arterial, reduz a freqüência cardíaca, a ativação neuroendócrina do estresse e aumenta a calma. Há resultados comprovados tanto na estabilidade emocional como no aumento da auto-estima em pacientes de todas as idades e com grande variedade de disfunções psicológicas ou físicas. Segundo a pesquisa, pode-se afirmar que a interação com animais tem efeitos mensuráveis sobre a saúde do ser humano. Os índios da tribo seatle (EUA) afirmavam que todas as coisas estão interconectadas e que, se os animais deixassem de existir, o homem morreria de grande solidão de espírito, pois estão ligados por laços ancestrais.
Maria Lúcia Zanelli - da Agência Imprensa Oficial
11/04/2008
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