Projeto Guri amplia atuação com novos pólos e parcerias
Presente em 301 municípios, o projeto propõe inclusão sociocultural de crianças e adolescentes
O Projeto Guri divulgou seu relatório anual de atividades realizadas em 2007 com números animadores. Foram inaugurados 13 novos pólos (dois em unidades da Fundação Casa), 342 novas vagas foram abertas e seus alunos foram convidados para participar de 2,85 mil eventos. Presente em 301 municípios paulistas e também na cidade de Maringá (PR), o projeto que tem como missão a inclusão sociocultural de crianças e adolescentes por meio do ensino coletivo de música indica que os resultados de 2008 serão ainda melhores. Aulas-espetáculo, curso de musicalização, criação de pólos regionais, ampliação do atendimento por meio de rede de parcerias com serviços públicos estão entre as ações desenvolvidas neste ano para a ampliação do atendimento social e pedagógico dos alunos.
A primeira delas é a criação dos pólos regionais. Estabelecidos em cidades consideradas estratégicas, funcionam como pólos-pilotos, nos quais são testadas as metodologias nas áreas social e educacional que serão postas em prática nos outros pólos. Contam com equipe multidisciplinar, formada por gestores e supervisores de desenvolvimento social, responsável não só por aquele pólo, mas também por todos os outros já existentes naquela região. A idéia é que a regionalização permita o aperfeiçoamento da gestão, aprimorando ações antes centralizadas na sede do projeto, na capital.
Cada pólo oferecerá aproximadamente 500 vagas em diversos cursos de instrumentos musicais, teoria e canto coral. Os alunos participarão de três aulas semanais de instrumentos, em vez das duas atuais. Haverá cursos de novos instrumentos, como acordeom e bandolim, além de teoria musical, formação de bandas populares, bem como atividades para portadores de necessidades especiais.
Até dezembro, quatro novos pólos regionais serão abertos, somando-se ao recém-inaugurado em São José do Rio Preto: São Carlos, Jundiaí, Presidente Prudente e São Paulo. Em 2009, outras oito cidades sediarão pólos-pilotos: Araçatuba, Bauru, Sorocaba, Itapeva, Marília, São José dos Campos, Santos e Ribeirão Preto.
Capacitação e iniciação musical – Na parte educacional, duas novidades: a divisão dos alunos por faixa de idade e o curso de musicalização. Os alunos passarão a ser classificados em duas faixas etárias principais e haverá também a divisão do ensino por instrumentos. “Trabalharemos com o que chamamos de ensino homogêneo, ou seja, aulas de saxofone terão só saxofones, aulas de violino, só violinos”, explica Alessandra Costa, diretora executiva do Projeto Guri.
Atualmente, o ensino é heterogêneo, com aulas que misturam, por exemplo, cordas agudas (violino e viola) com as cordas graves, que são violoncelo e contrabaixo. A prática em conjunto, marca do projeto, permanece. Os alunos estudam especificamente um instrumento em grupo e depois se reúnem para a execução com todos os outros instrumentos.
O curso de iniciação musical, direcionado a crianças de sete e oito anos, oferecerá um primeiro contato com o universo musical, antes de o aluno iniciar seus estudos. Iniciarão com a flauta doce e instrumentos de percussão para só depois partirem para o aprendizado de instrumentos com técnicas mais complexas.
A capacitação dos colaboradores do Projeto Guri é outro foco de atenção neste ano. “Como o projeto tem uma capilaridade muito grande e abrange o Estado inteiro, trabalhamos neste ano com um formato misto, com uma parte presencial e outra a distância, o que tem funcionado muito bem”, explica Alessandra. Os guris também se beneficiam da educação à distância. Por meio de monitoramento on-line, professores atuam como mediadores, acompanhando-os diariamente, resolvendo suas dúvidas e participando de fóruns coletivos e individuais. De acordo com Alessandra, esse método permite uma assistência personalizada, já que cada aluno é atendido individualmente e por escrito.
Educação para o convívio – Uma das características importantes do Projeto Guri é que, embora sua atuação se concentre em regiões de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o programa não é exclusivo para famílias de baixa renda. Dessa maneira, qualquer criança ou jovem que queira estudar lá é bem recebido. “Isso é uma vantagem, porque o Guri é um dos raros ambientes em que se encontram jovens que talvez nunca se encontrariam. O próprio ambiente escolar já é um pouco segregado, com escola pública, escola particular, as pessoas não se misturam muito. O Guri permite esse encontro, porque é um projeto de educação para o convívio”, explica Alessandra.
Para reforçar a missão de inclusão sociocultural por meio da música, foi criada, em julho deste ano, a diretoria de desenvolvimento social. A nova diretoria volta seu olhar para alunos que se encontram em situação de risco social – crianças provenientes de famílias numerosas e com baixa renda ou que precisem trabalhar para ajudar no sustento familiar. “Queremos olhar essa criança ou adolescente na sua totalidade e promover um atendimento a suas necessidades, extensivo à família e à comunidade, para que ela possa absorver plenamente o ensino da música”, explica Francisco César Rodrigues, diretor de desenvolvimento social do Guri.
Uma equipe multidisciplinar composta por assistente social, psicólogo e pedagogo fará a ponte entre os alunos que necessitam de atendimento diferenciado e os serviços governamentais e não-governamentais de saúde, educação, assistência social, esporte, entre outros. Um aluno que, por exemplo, tem de vender bala ou limão nos semáforos para ajudar no orçamento de casa, terá sua situação avaliada para possível inserção em programas de transferência de renda ou de erradicação do trabalho infantil.
A participação nos conselhos municipais dos direitos da criança e do adolescente é, segundo Francisco, uma das principais maneiras de se conseguir essa articulação. “O mais importante nas ações de desenvolvimento social é justamente o trabalho conjunto entre diversas vertentes, é você se reconhecer como uma instituição que não é completa e buscar quem faça o que você não tem condições de fazer, cercando cada demanda e buscando pessoas certas para cada atuação”, conclui Francisco.
Uma aula diferente – Levar o aprendizado além da sala de aula, permitir a troca de experiências entre músicos e alunos e expandir o repertório musical dos alunos. Esses são os objetivos das aulas-espetáculo, outra novidade do projeto Guri implantada em 2008. Músicos profissionais são convidados a apresentarem aos guris um show interativo, em que tocam e ensinam conceitos musicais, fazem perguntas e esclarecem dúvidas.
Os eventos acontecem semestralmente e em regiões alternadas. São oferecidas duas apresentações: uma apenas para os guris de diversos pólos, e outra aberta aos moradores da cidade em que a aula acontece. “Nossos alunos têm a oportunidade de ver profissionais tocando e trocando experiências com eles e de viver um pouco a relação mestre-discípulo, muito importante na formação de qualquer artista”, conclui Alessandra Costa.
O encontro de mestres e aprendizes
Tarde ensolarada de sexta-feira em São José dos Campos. Crianças e jovens uniformizados com camisetas amarelas, animados e falantes vão entrando e tomando seus lugares. Eles chegam em grupos, rindo e falando alto. Não se trata, porém, de mais um dia de aula comum. É dia de aula-espetáculo. A sala é o Teatro Cine Santana, e os professores da vez são os músicos do Quarteto Brasileiro de Violões. A lição, obviamente, são técnicas de violão erudito. Com dez anos de carreira internacional, o quarteto destaca-se por seu repertório e por apresentar em sua formação dois violões de oito cordas. A aula será ilustrada com repertório variado, incluindo composições de Johann Sebastian Bach, Heitor Villa-Lobos e Camargo Guarnieri.
Na espera pelo início do espetáculo, o assunto das conversas não p odia ser outro: música. Para Gustavo Peixoto dos Santos, 14 anos, o conhecimento musical permite uma compreensão e um interesse maior pela cultura. “Saber tocar um instrumento diferencia você das outras pessoas”, diz o aluno do pólo de Natividade da Serra. Seu colega, Ivan Cícero da Silva Cardoso, 14 anos, acredita que seu gosto musical melhorou muito depois que começou a estudar violão. “Antes, só conhecia as músicas que tocavam nas rádios; agora ouço muita música clássica. Com o Guri a gente passa a ter contato com música de muito boa qualidade e de compositores brasileiros excelentes”.
Tamires Monteiro, 11 anos, diz que o ensino da música trouxe-lhe mais amigos e disciplina. “A música é uma coisa boa e afasta as pessoas das drogas, porque a criança fica ocupada, não vai muito para a rua e, em vez disso, fica em um lugar em que está aprendendo uma coisa legal”.
Felipe Alves dos Santos, 9 anos, aluno de viola do pólo de São Luís do Paraitinga, concorda: “Em vez de ficar na rua aprendendo palavrões, eu fico no Guri aprendendo música”.
Depois da aula, Everton Gloeden, um dos dois violões de oito cordas do Quarteto Brasileiro de Violões, se diz impressionado com a concentração dos alunos. “É difícil manter a atenção de crianças e jovens durante mais de uma hora de música.” Acostumado a fazer shows para comunidades e high schools norte-americanas, Gloeden acredita que o diferencial é que desta vez tocou para alunos de música, especialmente de violão e, portanto, uma platéia mais curiosa e interessada. Quanto ao modo de se apresentar, garante: “A diferença entre tocar em um show convencional e tocar para crianças não existe. É a mesma coisa, a mesma concentração, o mesmo respeito; o diferencial está só nas informações que a gente tem de incluir, essa parte didática”, explica o violonista.
O músico elogia o trabalho do projeto e destaca a importância de que eventos como esse sejam freqüentes, para que as crianças e adolescentes se familiarizem com o universo musical e no futuro passem a buscar, por eles mesmos, programas culturais como concertos musicais. “O Guri faz um trabalho precioso nesse sentido”, conclui.
Palavra de ex-guri - A professora do pólo de Cunha, a violoncelista Daniele Voiola, ressalta a eficiência das aulas-espetáculo, na medida em que oferecem referências para os alunos desenvolverem visão crítica do próprio aprendizado. “Eles precisam ver outros músicos tocando o mesmo instrumento que eles, conhecer outros alunos, porque nos pólos, a única referência musical que eles têm são o professor e eles mesmos”, explica.
Aos 23 anos, a violoncelista de Pindamonhangaba foi aluna do Guri dos 17 aos 20, quando foi convidada para dar aulas no pólo de Cunha, onde também atua como regente. Tocou na Orquestra Jovem de Taubaté, na Orquestra de Câmara da Unitau e integra a Camerata Zajdenbaim de Taubaté. Participou de festivais de música em Jaraguá do Sul (SC) e em Poços de Caldas (MG). “Nesses festivais, a gente tem a oportunidade de tocar com alunos e professores de outros Estados e aprender muito. Quando eu estudava no Guri, fui a São Paulo, toquei com outros alunos, fui à Osesp, assisti a uma apresentação da Orquestra da Alemanha. Essas oportunidades são fundamentais para diversificar o aprendizado”, lembra.
Além de dar aulas em Cunha, Daniele – que continua morando em Pindamonhangaba –, estuda no Conservatório de Taubaté e ainda assiste a aulas particulares semanais em São Paulo. Passar os dias na estrada em nome da música, no entanto, não a incomoda. “Na música, a gente não pára nunca. Falando tudo o que eu já fiz, dá a impressão de que já estudei bastante, mas eu ainda tenho muito o que aprender”, completa a musicista, que planeja prestar vestibular em São Paulo e tocar em uma grande orquestra.
Roseane Barreiros, da Agência Imprensa Oficial
(M.C.)
10/07/2008
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