Projeto que protege patrimônio cultural sob águas marítimas divide opiniões
Audiência pública realizada no Senado nesta quinta-feira (22) evidenciou divergências quanto a projeto de lei que amplia a proteção ao patrimônio cultural subaquático brasileiro. Enquanto alguns convidados defenderam a proposta da Câmara dos Deputados (PLC) 45/2008, embora com aperfeiçoamentos, outros consideraram o texto "inservível", com regras que afetam normas legais e constitucionais, inclusive a liberdade econômica.
A audiência foi promovida pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), a pedido da senadora Ana Amélia (PP-RS), a relatora da matéria. Ao fim da reunião, ela disse à Agência Senado que não estabeleceu prazo para emitir o relatório, pois o debate com os segmentos interessados ainda não se esgotou.
- Melhor aguardar um pouco mais para que o trabalho fique bem feito, sem arestas – afirmou.
A discussão foi permeada por referências à Convenção da Unesco sobre a Proteção do Patrimônio Subaquático, de 2001, apontado como inspiração do projeto da deputada Nice Lobão (PSD-MA). Ainda sem a adesão do Brasil, a convenção foi adotada em resposta ao aumento de escavações ilegais e pilhagem de patrimônio no fundo do mar, conforme Patrícia Reis da Silva, representante da Unesco.
- Hoje há mais de três milhões de navios naufragados e não localizados, além de cidades inteiras que foram engolidas pelas ondas. São bens de grande interesse científico e cultural que precisam ser protegidos. A exploração acarreta a perda irreversível de materiais de valor inestimável para o registro das civilizações e sua história – defendeu Patrícia da Silva.
Em linhas gerais, a convenção define que a preservação do patrimônio cultural em sua atual localização no fundo do mar deve ser priorizada em relação a outras intervenções. Em tese, a atividade pesqueira e a exploração de petróleo poderiam ser limitadas em caso de risco para algum sítio arqueológico submerso.
O texto também veda a exploração comercial do patrimônio cultural subaquático, permitindo atividades de salvamento e resgate de tesouros de forma controlada, para guarda e conservação no longo prazo. Hoje, a exploração de achados no fundo do mar pode ser autorizada, podendo render aos empreendedores ganhos de até 40% do valor dos bens encontrados.
Visão simplificada
Patrícia da Silva afirmou o debate do projeto está simplificando o conceito de patrimônio subaquático, distanciado da condição de “bem arqueológico”, o que verdadeiramente seria. Nesse sentido, afirmou que esses bens já são inclusive protegidos por lei vigente que dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos (Lei 3.924, de 1961).
- Portanto, o patrimônio arqueológico submerso, em águas sob jurisdição nacional, e todos os elementos que nele se encontram ficam automaticamente sob a guarda e proteção do poder público, sem necessidade de tombamento – argumentou.
O engenheiro de pesca Estevão Campelo chegou a ironizar dizendo que o tema em debate parecia ser a convenção da Unesco, e não o projeto da Câmara, a seu ver uma proposta inconstitucional, ilegal e prejudicial ao país. Tanto assim que, como disse, o governo brasileiro optou por não aderir a esse acordo, já tendo assinado e ratificado uma anterior, a Convenção da ONU sobre os Direitos do Mar.
Campelo destacou especialmente as dificuldades que podem ser criadas para a atividade pesqueira. Segundo ele, diversos equipamentos de pesca (como as redes de arrastos) podem afetar a integridade de sítios arqueológicos submersos de forma não intencional. Sem o uso deles, disse que a pesca se inviabiliza, a pretexto de proteger bens culturais em locais não sabidos, para as gerações futuras.
- Talvez no mundo ideal dos sonhos essa convenção se aplique – criticou o engenheiro.
O advogado Henrique Mourão, coordenador de Patrimônio Cultural da Escola Superior de Advocacia, argumentou que o país não precisa adotar lei baseada em convenção que sequer subscreveu. Entre outros vícios, afirma que o texto afronta o princípio da livre iniciativa. Além disso, salientou que está sendo retirado do Comando da Marinha o poder de controle e fiscalização sobre atividades referentes a bens submersos, cedido ao Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural Nacional (IPHAN), o que dependeria de projeto de iniciativa do Executivo.
Marinha
Depois de destacar a importância estratégica das águas territoriais marítimas, pela Marinha, o capitão-de-mar-e-guerra Flávio Haruo Mathuiy surpreendeu ao dizer que a Força é favorável ao projeto. Concorda, inclusive, que o IPHAN se ocupe da destinação dos bens culturais e arqueológicos submersos, exercendo o que chamou de “competência natural” do órgão.
Também disse que a Marinha não recomendou a adesão à convenção, basicamente pelo fato de o texto não ser claro sobre a quem pertenceria os bens encontrados no fundo do mar, o que afetaria a soberania do país. Lembrou que as águas do país foram rota histórica de navegação, onde muitos navios naufragaram. Para a Marinha, os bens que aí venham a ser encontrados são do Brasil.
Para o professor de Direito Internacional da Universidade Católica de Santos, Fernando Fernandes da Silva, o projeto possui a qualidade de trazer para lei a “real dimensão” da questão da proteção cultural de bens submersos e definir medidas de proteção. Porém, considerou que ainda são necessários aperfeiçoamentos, inclusive para que possa constar do texto sanções penais e administrativas para infrações contra as medidas protetivas.
22/11/2012
Agência Senado
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