Reforma de aeroporto foi superfaturada
Reforma de aeroporto foi superfaturada
itoria do TCU pede devolução de R$ 29 milhões gastos indevidamente em obra feita na Bahia
BRASÍLIA - Acaba de chegar ao Tribunal de Contas da União (TCU) o relatório da auditoria feita nas obras do novo aeroporto de Salvador. A investigação encontrou dezenas de irregularidades nos contratos. Os auditores avaliaram o prejuízo aos cofres públicos em R$ 29 milhões.
A reforma do Aeroporto Dois de Julho, que foi rebatizado com o nome do ex-deputado baiano Luís Eduardo Magalhães - morto em abril de 1998 -, é uma das obras mais ambiciosas da Infraero, estatal responsável pela construção e administração dos aeroportos brasileiros. No caso de Salvador, a Infraero se associou ao governo do Estado para ampliar o aeroporto.
Um grupo de empreiteiras, liderado pela baiana OAS, foi responsável pela construção do aeroporto. Os auditores propõem que os diretores da Infraero e da construtora sejam obrigados a devolver ao governo o dinheiro usado irregularmente. O processo já recebeu parecer do Ministério Público e pode ser submetido ao plenário do TCU nos próximos dias.
Superfaturamento - No relatório da auditoria, a Infraero e a OAS são acusadas de ''prática de sobrepreço em diversos itens da obra''. O superfaturamento teria causado um rombo de R$ 11,8 milhões. Entre os itens superfaturados, estaria o concreto pré-moldado para a obra. Segundo os auditores, apenas com a compra desse produto a preços acima dos de mercado, o governo teve um prejuízo equivalente a R$ 348 mil.
As construtoras OAS e Tecnosolo também são acusadas pela auditoria de terem alterado a quantidade de concreto armado cobrada sem comprovar a utilização do material, o que teria causado um rombo de R$ 5,5 milhões. Outra denúncia envolve a construção de um edifício-garagem no complexo do aeroporto Luís Eduardo Magalhães. Estimada em R$ 6 milhões pela Infraero, essa obra já custou R$ 10,4 milhões e ainda não está terminada.
Os auditores pedem uma decisão radical do Tribunal de Contas. Eles querem que a Infraero receba a determinação de anular imediatamente oito termos aditivos ao contrato original, todos assinados com a empreiteira OAS. Os aditivos são uma liberalidade da lei. O governo pode assinar novos contratos com a empreiteira responsável por uma obra, desde que o objetivo seja o mesmo e que o valor não ultrapasse 25% do preço inicial.
No caso do Aeroporto Internacional Luís Eduardo magalhães, as obras adicionais já custaram muito mais que 25% do valor inicialmente previsto. Além disso, os relatores dizem que os aditivos assinados entre Infraero e OAS causaram ''a descaracterização do projeto inicial, o acréscimo de serviços cobrados com preços muito acima dos concorrentes e a inclusão de inúmeros novos itens, com sobrepreço''.
Nova auditoria - O caso já chegou ao Ministério Público. O procurador-geral junto ao TCU, Lucas Furtado, aceitou as conclusões da auditoria, mas pediu uma nova investigação para saber o tamanho exato do rombo. É que o trabalho dos auditores teve como base o estado da obra em janeiro deste ano. ''O critério adotado é favorável aos responsáveis a serem citados (Infraero e OAS), uma vez que, caso a identificação de todas as datas de pagamento relativas a todos os itens com sobrepreço tivesse sido possível no prazo desta auditoria, o valor corrigido seria fatalmente maior'', diz o procurador em seu despacho.
Lucas Furtado também sugere que a decisão sobre a anulação dos contratos seja tomada apenas depois da defesa formal dos acusados junto ao TCU. ''Tudo indica ter ocorrido uma manobra fraudulenta na condução das obras de modernização da infra-estrutura aeroportuária de Salvador'', diz o despacho do procurador, ''mas o tribunal ainda não conta com todos os elementos necessários para uma conclusão inequívoca desta natureza''. Segundo Furtado, anular os contratos antes do final do processo seria um pré-julgamento.
Defesa - A Infraero e as empreiteiras envolvidas na obra reclamaram ao TCU que não tiveram direito de defesa na auditoria. Eles apresentaram planilhas próprias para justificar as alterações de preço entre o contrato original e o que foi efetivamente cobrado. Os advogados da Infraero entraram com recurso junto ao Tribunal de Contas, pedindo prazo ''para contestar as tão equivocadas conclusões'' do novo relatório dos auditores. Até agora, o tribunal não decidiu sobre o recurso.
Lobista de Brasília é acusado de extorsão
BRASÍLIA - Nos últimos dias, o lobista Alexandre Paes Santos perdeu oito clientes. O laboratório multinacional Novartis foi um dos primeiros a comunicar o encerramento de seu contrato com a APS, empresa de Paes Santos. ''Se continuar assim, vou ser varrido do negócio'', prevê o homem que até pouco mais de uma semana atrás era considerado o lobista mais poderoso de Brasília. Ele vive o pior pesadelo para quem atua num mundo em que discrição é fundamental. Depois de uma atrapalhada manobra contra o Ministério da Saúde, viu sua empresa e seus métodos expostos aos holofotes. Alvo de inquérito na Polícia Federal, o lobista teve apreendidos documentos, anotações, sua agenda pessoal e fitas com gravações de conversas.
Foi justamente o laboratório Novartis o estopim da crise. No início de setembro, Paes Santos encontrou-se com a jornalista Alba Chacon, sócia da Informe Comunicação, empresa que tem entre seus clientes o Ministério da Saúde. O lobista disse ter uma fita cassete que comprovaria a tentativa de extorsão de funcionários do ministério contra o laboratório internacional. Alba relatou a conversa a assessores do ministro José Serra, que decidiu tomar a iniciativa no caso. Serra pediu ao subprocurador da República, José Roberto Santoro, que investigasse as acusações. Desde a abertura do inquérito, o principal alvo foi Alexandre Paes Santos, acusado de pressionar os funcionários da Saúde. Quem conduz as investigações é o procurador Marcelo Serra Azul, indicado pessoalmente por Santoro.
No dia 10 de outubro, com autorização judicial, uma equipe da Polícia Federal invadiu a sede da APS. Lá, os policiais apreenderam papéis e 19 fitas cassete. Entre elas não estava a fita que descreveria a tentativa de extorsão. ''Essa conversa não existe'', desmente agora o lobista. ''Só relatei boatos que havia ouvido''. Segundo o depoimento de Alba Chacon, Paes Santos teria feito acusações diretas ao secretário de Assistência à Saúde, Renilson Rehem. O lobista acusa o secretário de ter condicionado a liberação de medicamentos da empresa a uma contribuição para a campanha de Serra.
Várias outras anotações foram encontradas nas gavetas do lobista. Um dos registros se refere a um processo movido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra uma dos clientes de Paes Santos, a empresa White Martins. O processo envolve uma multa de R$ 30 milhões. Na agenda, o lobista recomenda uma boa defesa e anota que ''o custo da empresa perante o Cade deveria ser de cerca de R$ 100 mil''. Os procuradores suspeitam que esse custo possa ser uma referência a propinas. O lobista diz que era uma referência a honorários de advogados.
Outras anotações sugerem um ''esquema'' na estatal de energia elétrica Furnas. ''Existe um esquema Luiz Pardo'', diz um apontamento, em referência ao diretor comercial da empresa. Há também informações sobre a compra de transformadores por Furnas. A estatal comprou, sem concorrência, dois transformadores da multinacional ABB, outra cliente de Paes Santos. O preço foi de US$ 7 milhões. Na agenda do lobista, há uma referência ao fato de que outras empresas poderiam vender o equipamento mais barato.
Paes Santos também recolheu informações sobre inimigos e sobre pessoas ligadas ao banco Opportunity. Entre os alvos do lobista está o empresário Nelson Tanure , acionista majoritário da Companhia Brasileira de Multimídia, que edita o Jornal do Brasil. As anotações vão de dados pessoais a envolvimento com o financiamento de campanhas políticas. ''São anotações que fiz durante uma conversa telefônica. Mas não conheço nem nunca falei com Tanure'', diz Paes Santos.
O lobista é conhecido em Brasília por seu estilo agressivo de conseguir clientes. Costuma oferecer os serviços a políticos ou empresários às voltas com investigações no Congresso. Mantém há mais de uma década parceria com o colunista social Gilberto Amaral, demitido este ano do jornal Correio Braziliense depois de ser acusado de cobrar por reportagens. No jargão dos lobistas, Paes Santos é acusado de mandar ''torpedos'', ou seja, de incentivar acusações contra clientes em potencial para depois oferecer seus serviços.
''Estamos investigando os documentos e gravações encontradas na empresa APS'', diz um dos procuradores envolvidos no caso. ''Algumas não têm a menor importância, outras indicam possíveis ilícitos.'' As fitas gravadas serão periciadas pela Polícia Federal, mas hoje todo o material apreendido está em poder do Ministério Público.
Ala governista do PMDB terá candidato nas prévias
Nomes ligados ao Planalto tentarão derrotar Itamar e Simon em 20 de janeiro
BRASÍLIA - A chamada ala governista do PMDB vai lançar um nome mais identificado com o Palácio do Planalto para disputar as prévias do dia 20 de janeiro, marcadas para escolher o candidato do partido à Presidência da República. A intenção é derrotar o governador de Minas Gerais, Itamar Franco, e o senador Pedro Simon (RS). Ambos irão registrar suas candidaturas amanhã, como uma alternativa de oposição ao presidente Fernando Henrique Cardoso.
Os mais cotados para desafiar Itamar e Simon são o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, e o presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP). Vasconcelos, entretanto, já anunciou que não disputará contra Itamar. Quer apenas ajudar a derrotá-lo nas prévias.
''Itamar Franco terá dificuldade de explicar sua oposição ao governo enquanto o partido sempre apoiou o presidente'', afirmou o ex-governador do Rio de Janeiro, Moreira Franco, assessor especial da Presidência da República. Itamar, de acordo com o ex-governador, não conseguirá justificar a presença dos ministros do PMDB no governo. ''Itamar quer ocupar um espaço que já é de Lula'', disse Moreira Franco.
O PMDB é o titular do Ministério dos Transportes, com Eliseu Padilha; da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano, com Ovídio de Ângelis; e ainda luta pela indicação do Ministério da Integração Nacional.
O candidato a ser lançado pela cúpula do PMDB terá de fazer um discurso de apoio a algumas conquistas de Fernando Henrique, como a estabilidade da moeda. ''Teremos de disputar com um candidato viável que também já tenha um programa definido'', disse Moreira.
O governador de Minas chegou a fazer negociações para se filiar ao PDT, em que teria lugar garantido na disputa pela presidência, mas desistiu. Terá que lutar pela vaga no PMDB mesmo. Há um mês, o grupo de Itamar sofreu uma grande derrota nas convenções do partido. O governador de Minas apoiou o senador Maguito Vilela (GO) para a presidência da legenda. Maguito conseguiu menos de 40% dos votos e perdeu para Michel Temer. Agora, o grupo que sustenta Itamar joga todas suas fichas nas prévias de janeiro.
Os integrantes da cúpula do PMDB oficialmente negam, mas uma das intenções ao lançar um terceiro nome na disputa das prévias é deixar em aberto a possibilidade de o PMDB fazer alianças para o pleito de 2002, mesmo abrindo mão da cabeça-de-chapa. A estratégia enfrenta um problema. A maioria absoluta dos convencionais do PMDB decidiu, no dia 9 de setembro, que o partido não abrirá mão de lançar um candidato à sucessão de Fernando Henrique.
''Se o PMDB não tiver um candidato próprio será uma traição'', reclama Pedro Simon. O senador considera o lançamento de um nome governista nas prévias um ''direito'' da cúpula do partido. Simon, entretanto, condena a possibilidade de Jarbas Vasconcelos entrar na disputa. ''Ele já afirmou que não concorre com a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, e com o governador do Ceará, Tasso Jereissati. Foi um rompimento com nosso compromisso de lançar um candidato próprio''.
O regulamento das prévias do PMDB ainda não foi definido. A previsão é que votem quase 100 mil pessoas, incluindo os integrantes dos diretórios estaduais e municipais do partido. O grande número de eleitores é considerado um motivo de temor para a cúpula do partido.
Apesar de deter o controle dos convencionais, o chamado PMDB governista teria mais dificuldades de enfrentar Itamar Franco em prévias tão amplas. Uma esperança é que os votos de Itamar e Simon dividam os oposicionistas do partido. Alegando dificuldades técnicas, Jarbas Vasconcelos já fala em adiar as prévias.
Independentemente da realização das prévias do PMDB, o presidente Fernando Henrique Cardoso tenta articular sua sucessão em conversas com pequenos grupos. Nesta semana, ele embarcará para a Europa com os presidentes do PMDB, Michel Temer, do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC) e do PSDB, José Aníbal (SP). Na pauta, a busca de uma aliança entre as legendas que compõem a base aliada.
Empresário processa Veja e extorsionário
O empresário Nelson Tanure, acionista da empresa que edita o Jornal do Brasil, processará judicialmente a revista Veja, cobrando reparações financeiras, e, no âmbito policial-criminal, o repórter Policarpo Junior e o lobista Alexandre Paes dos Santos. Baseado em anotações manuscritas encontradas numa agenda de Santos, apreendida pela Polícia Federal, o repórter escreveu um texto, divulgado na edição desta semana, pontilhado de insinuações caluniosas e levianas sobre as atividades do empresário. ''Não vou comentar anotações feitas por falsários e canalhas que passam o tempo empenhados na prática de extorsões e chantagens'', diz Tanure.
''Não conheço essa figura, nem pretendo conhecê-la pessoalmente. Vou simplesmente encaminhá-la à polícia, a quem cumpre lidar com delinqüentes.''
Santos confirma que jamais manteve qualquer contato, mesmo telefônico, com o empresário. ''Eu disse ao repórter da Veja que não conhecia Nelson Tanure'', diz o lobista. ''Lamento que ele não tenha incluído essa ressalva na reportagem.''
Essas omissões, conjugadas com truques de edição que tentam ligá-lo às anotações - várias delas decididamente delirantes ou evidenciando má-fé -, convenceram Nelson Tanure de que chegou a hora de levar aos tribunais também a revista e os autores da reportagem. ''Eu sabia que os bons resultados obtidos no esforço de reconstrução e crescimento do Jornal do Brasil estavam contrariando muitos interesses'', diz o empresário. ''Mas não poderia imaginar que esses interesses contrariados se atrevessem a ir tão longe, tão baixo e a usar métodos tão mesquinhos''. As medidas em preparação pelos advogados da parte ofendida se destinam a defender tanto a honra de Tanure quanto a imagem do Jornal do Brasil. ''Repórteres levianos e falsários extorsionários não assustam a mim nem ao JB'', afirma Tanure. ''Ao longo de 110 anos de vida, o jornal aprendeu a brigar com vigor e competência em defesa da verdade''.
CIA treinou brasileiros para repressão
Policiais e militares fizeram cursos de inteligência em escolas da agência e do exército americano no Panamá e nos EUA
A CIA (Agência Central de Inteligência) e o exército dos Estados Unidos treinaram pelo menos 350 militares e policiais brasileiros de 1954 a 1993, segundo arquivos do governo americano aos quais o Jornal do Brasil teve acesso. A maior parte dos alunos freqüentou as aulas nas décadas de 1960 e 1970, durante o regime militar, com o ob jetivo de aprender novas técnicas de combate a opositores políticos. Os treinamentos aconteceram no Brasil e em escolas no Panamá e nos Estados Unidos.
A CIA comandava cursos na Academia Interamericana de Polícia (IPA), e o Exército americano os ministrava na Escola das Américas (SOA). As duas instituições, que ficavam na zona do Canal do Panamá, são acusadas de ter ensinado técnicas de repressão e tortura a alunos vindos sobretudo de países da América Latina. A IPA ficou conhecida como ''Escola dos Torturadores''. A SOA, como ''Escola dos Assassinos'' ou ''Escola de Golpes''.
Dos brasileiros que freqüentaram a SOA, pelo menos 19 constam da lista do movimento ''Tortura Nunca Mais'', que investiga abusos cometidos durante o regime militar no Brasil (1964-1985). A partir do golpe militar, o objetivo dos treinamentos envolvendo brasileiros era capacitar agentes de órgãos de repressão a lidar com a oposição política e armada. Como o JB revelou no início do mês, a CIA trabalhava em estreita cooperação com os órgãos de repressão brasileiros, como o Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e o Exército, no combate a militantes de esquerda.
Nas duas escolas americanas, o treinamento consistia em ensinar técnicas de investigação, inteligência e interrogatório de presos. Havia ainda ensinamentos sobre métodos de infiltração, vigilância e recrutamento de agentes. Na IPA, a maioria dos brasileiros treinados era de policiais. Na SOA, o treinamento era restrito a militares.
''As Forças Armadas não estavam preparadas para a guerra revolucionária, estavam treinadas para a guerra convencional. Quando foram surpreendidas pela guerra revolucionária, a FAB resolveu mandar formar turmas (para enviar à Escola das Américas)'', afirma o coronel-aviador Lúcio Valle Barroso, que fez curso de inteligência militar por seis meses na Escola das Américas, em 1970. Ele é um dos 19 brasileiros treinados nos EUA que constam da lista do ''Tortura Nunca Mais''.
Os centros de treinamento funcionaram primeiro no Panamá. Posteriormente, a IPA foi transferida para a capital Washington. Em 1984, foi a vez da Escola das Américas mudar-se para a Geórgia.
O público-alvo da SOA eram oficiais e suboficiais da América Latina, treinados para combater movimentos de esquerda. Entre os alunos latino-americanos, destacaram-se o panamenho Manuel Noriega, o argentino Leopoldo Galtieri e o boliviano Hugo Banzer, que, posteriormente, comandaram seus países durante os períodos de ditadura.
O jornal norte-americano The New York Times publicou reportagem, em 1997, em que divulgou o teor de cartilhas usadas no treinamento da SOA. Segundo o jornal, as cartilhas - elaboradas por agentes da CIA, que também ministravam aula lá -, ensinavam técnicas de seqüestro, interrogatórios e tortura, com o objetivo de arrancar informações de militantes de esquerda. A divulgação dos documentos levou movimentos de direitos humanos de várias partes do mundo a promover uma campanha para fechar a escola americana.
FGV põe seus arquivos na Internet
O CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil), da Fundação Getúlio Vargas, lançou um site (www.cpdoc.fgv.br) que dá acesso a um milhão de documentos e a 35 mil fotografias de arquivos pessoais de homens públicos brasileiros.
Quem acessa a página tem à disposição reproduções de preciosidades como a folha de 23 de agosto de 1954 do diário de Getúlio Vargas - já prenunciando o suicídio que aconteceria no dia seguinte -; bilhetes manuscritos do presidente Jânio Quadros para ministros; e a carta de Ranieri Mazzilli ao presidente do Congresso informando a ''absoluta inconveniência, por motivos de segurança nacional'' do regresso ao país do vice-presidente João Goulart, em 1961, após a renúncia de Quadros.
A maior parte dos documentos é relativa a políticos, mas também há mais de uma centena de biografias de personalidades da vida cultural e histórica nacional - como o poeta Carlos Drummond de Andrade, o educador Anísio Teixeira, o historiador Caio Prado Júnior e o pintor Cândido Portinari, entre outros.
As informações têm como base os arquivos pessoais, documentos escritos, fotos e cerca de quatro mil horas de depoimentos ao CPDOC, recolhidos nos 28 anos de existência do centro.
O site é uma fonte inesgotável de material de pesquisa. A maioria das consultas é seguida de informações complementares sobre o tema, com links dentro do própria página, onde é possível encontrar mais detalhes a respeito do assunto em questão. A biografia do líder comunista Luís Carlos Prestes, por exemplo, lista outros 126 textos com referências ao ''Cavaleiro da Esperança''.
Colocando o maior banco de dados privado do país na internet, o CPDOC pretende atrair não apenas o seu público habitual - pesquisadores de mestrado e de doutorado -, mas também estudantes de primeiro e segundo graus.
''O CPDOC é uma instituição voltada para o meio acadêmico, mas nosso objetivo é ampliar o público e oferecer possibilidades para estudantes. Queremos disponibilizar e democratizar o acervo, para melhorar a qualidade das escolas'', disse a diretora do centro, Marieta de Moraes Ferreira.
O programa ''Navegando na história'' e minidossiês sobre datas históricas importantes também fazem parte do projeto. Os textos são sempre curtos, com linguagem fácil, para explicar acontecimentos históricos do país.
O primeiro deles estreou com um painel histórico intitulado ''Era Vargas I'', que abrange a ascensão do presidente no período de 1920 a 1945. Os dossiês são lançados em ocasião de aniversário de eventos históricos. Atualmente, o internauta pode ler, sob o título ''Em Destaque'', textos sobre a Revolução de 30, que completou 71 anos em outubro, ou sobre a renúncia de Quadros. Cerca de 50 verbetes do Dicionário Histórico-Bibliográfico Brasileiro, do CPDOC, também fazem parte do site. Eles serão substituídos periodicamente.
Artigos
Conversa fiada
M.F. do Nascimento Brito
Sem pedir desculpas, a Câmara retira da gaveta a fórmula do parlamentarismo na ilusão de adaptá-lo ao clima do Brasil. Quando falta coisa melhor, os parlamentaristas atacam. A Comissão de Constituição e Justiça aprovou a emenda por uma esmagadora vantagem. Depois o plebiscito derruba, mas por enquanto vai rolar teoria.
Mais que um vício político, o gabinete entre nós é matéria para a psicanálise decifrar. Há motivos ocultos. Na primeira tentativa, em 1961, foi possível entender a saída por essa porta. Do alto do equívoco de eleger Jânio Quadros, o Brasil saltou numa piscina vazia. O Congresso, que não foi capaz de lidar com um presidente empanzinado de votos e enfarado do poder que pediu, recebeu, engoliu com sofreguidão, mas não digeriu. Naquele momento o recurso ao parlamentarismo foi ato de legítima defesa. Faltavam condições de resolver o impasse com os meios disponíveis.
Em 1961 não foi, portanto, ato premeditado. A solução de emergência não quis ser mais que um artifício para vencer uma crise sem aviso prévio. O parlamentarismo, nas circunstâncias, não foi entendido como agressão ao espírito original da República, que nasceu presidencialista pela convicção dos seus fundadores. Vale reconhecer que foi também adotado para atribuir ao Parlamento, num país que gosta mais de falar do que de pensar, autorização de conversar fiado sem falar sério.
Para ficar livre do instável presidente, valeu pagar o alto preço de aprovar um parlamentarismo de ocasião. Não mais que isso. Tancredo Neves era uma garantia de preservação do presidencialismo. Depois dele perdeu-se a seriedade. Os outros levaram a sério e se deram mal. Como não era para valer até o fim, o próprio presidente Goulart pagou a sua cota. Assim que foi possível, antecipou o plebiscito. O brasileiro foi t axativo: só interessava o presidencialismo. Ganhou-se tempo. Os brasileiros deram um veto definitivo à ação de um regime de lavadeiras de beira de rio.
Uma vez passa. Duas viraram provocação. Mas a segunda passou também. A Constituinte veio refazer as normas vetustas e inocular liberdade na política e na economia brasileiras, mas no fim, discretamente, apareceu o contrabando. Para surpresa geral, o parlamentarismo se insinuou no anteprojeto e, em conseqüência, gerou reação imunológica no plenário. Na hora de submetê-lo a votos, a maioria acabou com a festa. Mas, para não haver reclamações futuras, foi negociado novo plebiscito. Os eleitores teriam oportunidade de fazer uma segunda opção cinco anos depois.
De fato, mal se passou o prazo de carência, a consulta foi feita e outra vez a maioria estrondosa dos brasileiros rejeitou a esdrúxula tentativa de entregar o país a um sistema que equivale à institucionalização do impasse político. Num país em que os partidos têm a função de fazer o registro de candidatos, o parlamentarismo iria restaurar as crises e os atentados gramaticais diários na televisão e ao microfone da Câmara e do Senado.
A Comissão de Constituição e Justiça já aprovou a emenda constitucional e, pela maioria esmagadora dos votos, está autorizada a desconfiança de que os seus integrantes devem ter sido escolhidos a dedo para a mais nova tentativa de parlamentarizar o Brasil. Ou então o Brasil adquiriu uma segunda personalidade que, pelos sinais emitidos, antes de aprovar o sistema colegiado de governo deveria passar por uma junta médica.
O mais recomendável, no caso, seria perguntar à CCJ para que tentar um sistema de governo quepressupõe história com antecedente e futuro com espírito público. Por enquanto, não há sinal de que os políticos da atual safra tenham noção sobre onde acaba o interesse pessoal e onde começa o interesse público. A julgar por tantos Conselhos de Ética, a função legislativa está sendo submetida a uma lavagem geral de costumes usados para enriquecimento pessoal. Não basta mudar de presidencialismo para parlamentarismo. É preciso trocar os hábitos. O mandato não é autorização de enriquecimento. E isso é o que tem de mais na política
Colunistas
COISAS DA POLÍTICA – DORA KRAMER
Ventos da mudança chegam à CNI
Depois de quatro décadas, o domínio da Confederação Nacional da Indústria pela esdrúxula dobradinha Nordeste-São Paulo parece estar chegando ao fim. A pouco mais de seis meses da eleição que escolherá o novo presidente da CNI, os ventos da mudança e da modernização agitam o setor, que representa o carro-chefe da economia nacional, tornando difícil a repetição dos acordos de bastidores que, em sucessivas eleições, deram a presidência da entidade a um nordestino e a primeira vice-presidência a um paulista.
O responsável pela reviravolta é um empresário que já fez revolução no setor industrial mineiro e agora quer sacudir toda a indústria nacional: o presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Stefan Salej, um esloveno nacionalizado brasileiro que já se acostumou a vencer tabus e preconceitos. Ele deu a largada no processo eleitoral da CNI ao lançar sua candidatura, na sexta-feira-passada, em Belo Horizonte, num evento marcado por discursos em favor de atuação mais forte da CNI no cenário nacional.
Salej deu demonstração de sua força política ao levar ao evento cerca de 800 representantes da indústria de todas as partes de Minas. Presente ao encontro, o presidente da CNI, Fernando Bezerra, manifestou apoio à candidatura do comandante da Fiemg. ''Gostaria muito, muitíssimo, de coração, de ver Stefan Salej na presidência da CNI'', disse Bezerra em seu primeiro ato público fora de Brasília depois que reassumiu o comando da CNI, após ocupar por dois anos e meio o Ministério da Integração Regional.
A posição de Bezerra é importante porque cabe a ele, na condição de presidente, a tarefa de conduzir o processo interno de escolha do seu sucessor, já que o estatuto da CNI não permite mais de uma chapa. As eleições deverão ocorrer entre abril e junho do próximo ano, mas o processo sucessório foi antecipado porque vários líderes empresariais envolvidos na disputa são candidatos às eleições nacionais de 2002. O próprio Bezerra é candidato a governador do Rio Grande do Norte pelo PTB e vem liderando as pesquisas com folga.
Os adversários de Salej na briga pela presidência da CNI são candidatos à reeleição à Câmara dos Deputados em outubro de 2002: Armando Monteiro Neto (PMDB-PE) e Carlos Eduardo Moreira Ferreira (PFL-SP). Monteiro se autoproclama candidato de consenso na CNI, confiante nos votos do Nordeste (nove em 27), que sempre garantiram o posto aos candidatos da região. Ferreira aposta nas alianças que articulou no período em que substituiu Fernando Bezerra na presidência da confederação.
A condição de políticos de carreira pesa contra os dois deputados nesse momento de crise econômica, em que grande parte dos empresários exige participação mais firme e independente de sua principal entidade de classe em favor de políticas que atendam os interesses do setor. É forte o desejo de modernização na direção da CNI.
Em sua visita a Belo Horizonte, Fernando Bezerra ouviu manifestações de empresários mineiros contra a eleição de um candidato envolvido em denúncias ou que não tenha atuação empresarial.
As reclamações se referiam claramente a Armando Monteiro e a Carlos Eduardo Ferreira. Monteiro foi citado em ações judiciais sobre atuações irregulares que levaram à bancarrota o banco da sua família, o Mercantil. O grupo empresarial do deputado apareceu em primeiro lugar numa lista de devedores do INSS divulgada pela revista Veja em dezembro passado. Ferreira ficou sem função empresarial depois que deixou a presidência de uma distribuidora de energia elétrica de São Paulo, após separar-se da filha do dono da empresa.
Tentando capitalizar os anseios dos donos de indústrias por mudanças na condução da CNI, Stefan Salej promete não se envolver com política partidária e propõe amplo programa de trabalho, que inclui a modernização do Sesi e do Senai, a criação de uma Universidade da Indústria e implantação de política industrial que permita novo salto de desenvolvimento, com duplicação do PIB do país em dez anos.
Um dos pontos mais interessantes da proposta de Salej é a adoção, em âmbito nacional, da estratégia de formação de clusters, baseada na articulação das potencialidades regionais de produção. Adotada pela Fiemg em Minas, o programa já permitiu a implantação de cinco pólos produtivos no Estado mineiro. Por enquanto, o presidente da Fiemg foi o único dos candidatos à presidência da CNI a apresentar um projeto.
Com o lançamento da candidatura de Salej, o processo eleitoral da CNI deverá ganhar corpo nas próximas semanas e desencadear debate que vai antecipar itens importantes da campanha eleitoral para a Presidência da República. Este deverá ser apenas o impacto inicial da disputa pela CNI no pleito presidencial de 2002. Até o fim do ano ou início de 2002, já se saberá quem será o candidato indicado para o comando da entidade, e o vitorioso certamente terá força para influir, de uma forma ou de outra, na campanha para a escolha do sucessor de Fernando Henrique.
Palácio longe
Apesar de suas boas relações com o presidente Fernando Henrique Cardoso, Stefan Salej quer o Palácio do Planalto longe da briga pela presidência da CNI.
Salej se recusa a revelar sua preferência em relação aos candidatos à Presidência da República, mas seus amigos garantem que ele apoiará o candidato de FH e gostaria que o indicado fosse o ministro da Saúde, José Serra.
Editorial
Risco de Extinção
Nas décadas de 70 e 80, as Bolsas de Valores foram sacudidas por episódios negativos que arranharam a imagem do mercado de capitais. Muita gente ainda hoje, quando fala de investimento em ações, toma como referência os prejuízos com o boom de 1971 e o cataclismo provocado pela falência do megaespeculador Naji Nahas em 1988, que afundou a Bolsa do Rio. É natural que a memória das crises se mantenha viva, até porque o rendimento dos negócios com ações é variável e envolve risco. Nada justifica, porém, que deixe de se dar a devida importância ao mercado de capitais como fonte de financiamento das empresas.
Além de principal alternativa ao endividamento, a capitalização que se obtém através da emissão de títulos ao público é mecanismo comum às economias dos países desenvolvidos. O mercado primário de ações dá cobertura financeira a novos empreendimentos e permite a expansão de parques industriais. É fonte de crescimento e de empregos. Grandes corporações americanas, como a General Eletric e a General Motors, têm o capital de tal forma pulverizado que a existência de sócios majoritários não chega a ser percebida. GE e GM não têm donos, pertencem a milhares e milhares de famílias americanas, no melhor exemplo de democratização do capital.
Por que não acontece o mesmo fenômeno no Brasil? Vem sempre à boca uma resposta apressada: o país é pobre e a renda é concentrada. Isso não significa, entretanto, que não há capacidade de poupança. Ao contrário: a classe média brasileira sempre encontra uma maneira de poupar, mesmo quando o cinto aperta. Investe em caderneta de poupança e em títulos e fundos de renda fixa. Mas foge do mercado de ações como o diabo da cruz. Não pelos traumas das décadas passadas, mas, sim, pela baixíssima atratividade qu esta modalidade de aplicação oferece. No passado, havia uma série de incentivos fiscais para quem aplicasse em ações. Hoje, só existe desincentivo. O mercado de capitais ficou restrito a investidores institucionais, obrigados por lei a aplicar parte do patrimônio em ações.
Se o ambiente já não era favorável (só agora se aprovou nova Lei das Sociedade Anônimas, que protege os acionistas minoritários), tornou-se terreno definitivamente hostil depois da incidência da CPMF sobre aplicações em Bolsas. Com o custo extra da compensação de cheques, o investimento em Bolsa de Valores deveria, desde a largada, garantir rendimento mínimo, o que foge totalmente às características da aplicação, na qual o retorno só é conhecido a posteriori. Segundo levantamento da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), desde que a CPMF passou a punir os pregões nacionais, cerca de 40% do mercado de capitais brasileiro migrou para os Estados Unidos. Se os pequenos investidores mantinham-se à distância, foram-se embora também os grandes investidores.
Empresas do porte da Petrobras ou da Vale do Rio Doce não perderam tempo: trataram de organizar o lançamento de recibos de ações em Nova York (os ADR, American Depositary Receipts) para manter o nível histórico de capitalização. Em Wall Street foram e são recebidas com festas, rapidamente reservando lugar entre as blue chips estrangeiras. Enquanto isso, no Brasil, as pequenas e médias empresas não têm alternativa, senão a de recorrer a empréstimos bancários, a taxa de juros recorde. Para elas, o mercado de capitais é um sonho cada vez mais distante. À guisa de comparação, o volume diário de negócios da Bovespa, em 1997, representava 12% do giro da Bolsa de Londres. Hoje, representa apenas 1%. Sem pregão ativo, não há como pensar em abertura ou aumento de capital. Ninguém compra ações se não tiver a garantia de liquidez, de passá-las adiante quando necessário.
O presidente Fernando Henrique e um grupo de deputado federais, com o ex-ministro Delfim Netto à frente, assumiram o compromisso de encaminhar a isenção da CPMF no caso das aplicações em Bolsa, como primeiro passo para reativar o setor. É bom que ajam rápido. O mercado de capitais corre sério risco de extinção.
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10/22/2001
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