Serra tem de se explicar








Serra tem de se explicar
Tesoureiro da campanha a senador de José Serra em 1994, o economista Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-diretor do Banco do Brasil, é o personagem central de uma reportagem de Veja que o acusa de ter pedido R$ 15 milhões de propina na privatização

O candidato do PSDB à presidência da República, José Serra, terá de vencer uma prova de fogo esta semana para manter de pé o sonho de suceder a Fernando Henrique Cardoso. Senador pelo PSDB, Serra será obrigado a suar a camisa e a dedicar porcentagens generosas de energia política para driblar um pedido de abertura de Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI) para apurar o submundo financeiro das privatizações da Vale do Rio Doce e da Telebrás e os porões da campanha que o elegeu para o mandato em curso, em 1994, e que reelegeu Fernando Henrique Cardoso, em 1998. No olho do furacão que faz balançar a candidatura tucana desde a última quinta-feira, quando rumores sobre esse vendaval começaram a tomar conta do mercado financeiro em Nova York e em São Paulo, está o economista Ricardo Sérgio de Oliveira. Diretor do Banco do Brasil entre 1995 e 1998, ele era encarregado de administrar as relações do BB e do governo com o bilionário Fundo de Previdência do banco, o Previ. Obrigado a deixar o posto em dezembro de 1998 depois da divulgação de gravações ilegais que o flagraram agindo ‘‘no limite da irresponsabilidade’’ — como ele mesmo confessou nas fitas irregulares — a favor de grupos econômicos que tinham a preferência do Palácio do Planalto para comprar frações da Telebrás, Ricardo Sérgio emerge neste fim de semana como personagem de uma reportagem de capa da revista Veja. É o protagonista central de um episódio que tem combustível para mudar o cenário eleitoral.

Pedido de propina
A reportagem de Veja revela que Ricardo Sérgio pediu uma propina de R$ 15 milhões (à época, o equivalente a US$ 15 milhões) para ajudar o empresário Benjamin Steinbruch, do Grupo Vicunha, a formar o consórcio vencedor do leilão de privatização da Vale do Rio Doce. A ex-estatal foi vendida por R$ 3,3 bilhões em 1997. No início de 1998, fustigado por Ricardo Sérgio que cobrava a comissão de que se julgava credor, Steinbruch procurou o auxílio de Luiz Carlos Mendonça de Barros. É o que relata a revista. Naquele momento, Mendonça de Barros era ministro das Comunicações, cargo que ocupava depois de ter sido presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social por indicação de Serra. O ex-ministro garante à revista ter dito ao empresário que o assunto não era de sua área. Depois, assegura Mendonça de Barros, a denúncia foi levada ao presidente Fernando Henrique Cardoso, que elogiou a sua conduta por não ter se metido no caso.

Mas Ricardo Sérgio não foi demitido. Seguiu como um diretor estrelado no Banco do Brasil. Mesmo com a revelação de Steinbruch a Mendonça de Barros e após a conversa reservada do ex-ministro com o presidente, Ricardo Sérgio recebeu a missão de pilotar o socorro financeiro do Previ a consórcios privados que participariam do leilão da Telebrás. À época, o Previ dispunha de US$ 21 bilhões para investimentos — claro que nem tudo terminaria nas teles, mas era cacife financeiro suficiente para que o governo tomasse cuidado absoluto acerca da biografia de quem o manipularia. Procurado pelo Correio, Mendonça de Barros recusou-se a comentar o teor da reportagem. O ministro da Educação, Paulo Renato Souza, também foi procurado por Steinbruch. O comprador da Vale reproduziu para o ministro a mesma denúncia feita a Mendonça de Barros: Ricardo Sérgio cobrava-lhe um pedágio de R$ 15 milhões por tê-lo ajudado na privatização. A Veja e ao Correio, Paulo Renato confirma a denúncia. À revista, Paulo Renato disse que Steinbruch alegou que Ricardo Sérgio dizia falar ‘‘em nome de tucanos’’. Em pelo menos uma conversa privada, o ministro da Educação revelou que esses tucanos, na verdade, podiam ser lidos no singular: era José Serra. A revista Veja registra que o presidente Fernando Henrique ‘‘não se lembra’’ de ter conversado com o ex-ministro Mendonça de Barros sobre a propina de R$ 15 milhões pedida por Ricardo Sérgio a Steinbruch. Ontem, nem FHC nem seus porta-vozes quiseram comentar a reportagem.

Resvala em Serra
Todas essas revelações acerca de Ricardo Sérgio de Oliveira já resvalariam em Serra pelo simples fato de a biografia brasiliense do economista, escrita entre 1995 e 1998, não poder ser dissociada dos passos e projetos do presidenciável tucano. Ricardo Sérgio foi indicado para o BB pelo ex-ministro Clóvis Carvalho e assumiu o cargo no banco sob as bênçãos de José Serra, à época ministro do Planejamento. Logo que tomou conta do posto, o economista enfrentou acusações de desvios de dinheiro quando era diretor do Citibank. Serra o ajudou a esvaziar as denúncias aproximando-o da imprensa brasiliense. Em 1998, quando foi obrigado a se demitir do BB em razão do grampo colocado no BNDES e que trouxe à superfície as combinações para a venda da Telebrás, Ricardo Sérgio apoiou-se no amigo Serra para não ser depenado pela imprensa. Conseguiu não ser. Mas os grandes serviços pecuniários de Ricardo Sérgio prestados a Serra ocorreram em 1994, na campanha vitoriosa para o Senado, e em 1996, na campanha derrotada para a prefeitura paulistana. Veja descreve ao menos uma irregularidade cometida por Ricardo Sérgio, caixa de campanha de Serra em 1994.
Segundo a revista, o economista obteve do empresário Carlos Jereissati uma doação de R$ 2 milhões para a campanha de senador de Serra. A ajuda, afirma Veja citando uma entrevista do próprio Carlos Jereissati, foi dada em quatro ou cinco prestações. ‘‘Não me lembro exatamente’’, disse ele à revista. Mas o comitê de Serra só registrou a captação de R$ 95 mil de empresas do grupo La Fonte, presidido por Carlos Jereissati. Ou seja, usando uma ‘‘moeda política’’ muito popular nesta sucessão presidencial, se Carlos Jereissati doou R$ 2 milhões para Serra em 1994 isso equivalia, naquele ano, a US$ 2 milhões — ou quase quatro vezes o valor em dólares (a dinheiro de hoje) encontrado no escritório da empresa Lunus Participações. Essa empresa, formada pela sociedade entre a ex-governadora maranhense Roseana Sarney e seu marido Jorge Murad, foi estourada pela Polícia Federal em março e lá foram encontrados R$ 1,345 milhão — ou o equivalente a US$ 560,4 mil na cotação atual. Carlos Jereissati, que não poderá desmentir Veja porque falou abertamente com a revista, pretende se apresentar em público amanhã e dizer que os números não são bem esses. Dirá que falou em R$ 2 milhões à cotação de hoje, ou US$ 830 mil. Ainda assim, a escrituração oficial da campanha a senador de Serra só registra doações de R$ 95 mil saídas da tesouraria de Jereissati. Como afirma o jornalista Ricardo Noblat em sua Carta ao Leitor de hoje (pág. 32), só há três saídas para explicar a diferença de caixa: ou Ricardo Sérgio ficou com o troco (que, nesse caso, seria quase 20 vezes o principal), ou Serra omitiu o dinheiro do grupo La Fonte de sua prestação de contas ou o empresário Carlos Jereissati mentiu à Veja. Essa última hipótese é a menos plausível por tudo o que o empresário tem conversado nos bastidores, mas é a única capaz de abafar as denúncias contra Serra. ‘‘A única insinuação contra mim na reportagem de Veja é falsa’’, disse o senador ontem, por meio de sua assessoria. ‘‘Não houve os R$ 2 milhões. Todas as minhas contas de campanha estão no TRE de São Paulo, abertas a quem queira.’’


Oposição quer instalar CPI
Amanhã, os líderes dos partidos que se opõem ao governo se reunirão para discutir a estratégia para investigar as denúncias de Veja. Paulo Renato e Mendonça de Barros, entrevistados pela revista, serão convocados para depor

Na segunda-feira, os líderes dos partidos de oposição vão se reunir no Congresso para discutir que estratégia adotarão com relação às denúncias publicadas pela revista Veja sobre o ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira e o pedido de propina de R$ 15 milhões na privatização da Companhia Vale do Rio Doce. A idéia mais provável é que a oposição organize-se para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar o caso. Essa é a opinião do presidente do PT, José Dirceu, e do líder do PDT na Câmara, Miro Teixeira. O presidente do PPS, senador Roberto Freire (PE), quer a convocação do ministro da Educação, Paulo Renato Souza, e do ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros para explicar as declarações que deram à revista no Congresso.

O presidente do PT, José Dirceu, disse que o suposto pedido de comissão feito por Ricardo Sérgio de Oliveira durante a privatização da Vale ‘‘é um caso de polícia’’. ‘‘O Brasil tem dois instrumentos: um procedimento investigatório do Ministério Público e o Congresso Nacional, que deve fazer uma CPI. É gravíssimo porque envolve ministros e ex-ministros’’, disse Dirceu. O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva não quis comentar o assunto.

O PT prepara uma série de ações para apurar as atividades de Ricardo Sérgio. A principal é a retomada na coleta de assinaturas para a instalação da CPI das Privatizações, desta vez com novo foco. Em vez de apurar o tema de forma genérica, o PT propõe que a investigação se restrinja à atuação da área internacional do Banco do Brasil e do papel dos fundos de pensão nas privatizações. Aproveitando o racha na antiga base governista, o PT espera convencer parlamentares de PMDB, PFL e PPB a pôr seus nomes no requerimento.

Outra ação dos petistas será uma representação na Justiça Eleitoral pedindo a abertura e investigação das contas da campanha de José Serra para o Senado em 1994. Segundo reportagem da ‘‘Veja’’, o atual presidenciável teria recebido o equivalente a R$ 2 milhões do grupo La Fonte, do empresário Carlos Jereissati. O valor não consta da prestação de contas do tucano. O PT também fará representação no Ministério Público Federal pedindo a investigação das privatizações e da ação de Ricardo Sérgio.


Suspeitas de corrupção, caixa-dois e grampos
As privatizações de estatais promovidas pelo governo Fernando Henrique, sobretudo as da Vale e da Telebrás, provocaram desgaste na imagem do governo

O programa de privatização do presidente Fernando Henrique Cardoso sempre foi motivo de orgulho para o Palácio do Planalto. Não só por permitir ao governo se concentrar em atividades-chave como saúde, educação e transportes, mas, também, por financiar o abatimento de parte da dívida pública. Poucos projetos, porém, deram tanta dor-de-cabeça ao presidente e arranharam tanto a imagem do governo quanto a venda de estatais. Ao longo do processo, surgiram denúncias de corrupção, suspeitas de caixa-dois, grampos telefônicos e uma batalha judicial em torno da desestatização.

Duas empresas, no entanto, dominaram as polêmicas: a Vale do Rio Doce, privatizada no dia 6 de maio de 1997, e a Telebrás, vendida no dia 29 de julho de 1998. No submundo das duas operações está o mesmo personagem: Ricardo Sérgio de Oliveira. O mesmo homem que, durante sua temporada no governo, entre 1995 e 1998, como diretor da Área Internacional do Banco do Brasil e com forte influência sobre a Caixa de Previdência dos Funcionários do BB (Previ), mais que dobrou seu patrimônio pessoal, de R$ 1,4 milhão para R$ 3,3 milhões.

Ricardo Sérgio foi o responsável, a pedido do Palácio do Planalto, pela formação dos consórcios que arremataram o controle da Vale e da Telebrás. No caso da mineradora, um mês antes de sua venda, apenas um consórcio tinha demonstrado interesse pelo negócio. Era liderado pelo empresário Antonio Ermírio de Moraes, do Grupo Votorantim, tendo como parceiros o Bradesco e o empresário Benjamin Steinbruch, do Grupo Vicunha — que havia arrematado a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).

No Planalto, a ordem era criar concorrência na privatização de um dos maiores símbolos de eficiência entre as estatais. Insuflado por Ricardo Sérgio, Steinbruch bandeou-se de lado levando com ele o Bradesco e a promessa de parceria dos três principais fundos de pensão do país: o Previ, o Petros (dos empregados da Petrobras) e o Funcef (dos empregados da Caixa). Com uma oferta de R$ 3,3 bilhões, o Consórcio Brasil, comandado por Steinbruch, saiu vencedor da Bolsa de Valores do Rio, onde havia sido realizado o leilão. Desse montante, os fundos de pensão bancaram R$ 834 milhões. Segundo denúncia da revista Veja, Ricardo Sérgio pediu a Steinbruch propina de R$ 15 milhões pelo arranjo do consórcio vencedor.

Steinbruch assumiu o comando da Vale festejado pelo governo, que ainda continuou detendo 32% do capital votante ou 22% do capital total da mineradora. Mas, até maio de 2000, apesar de a lei lhe facultar isso, o Tesouro Nacional nunca nomeou nenhum representante para o Conselho de Administração da Vale. A administração de Steinbruch foi um desastre, as atividades da CSN e da Vale se confundiam pela presença do empresário nas duas companhias. As circunstâncias forçaram o governo a assumir dois assentos do Conselho da mineradora, se juntar aos fundos de pensão e ao Bradesco para destronar Steinbruch da Vale. O Conselho da empresa passou, então, a ser presidido por Roger Agnelli, do Bradesco. Como compensação, o BNDES foi obrigado a emprestar quase R$ 1 bilhão a Steinbruch para que ele aceitasse concentrar seus negócios apenas na CSN.

Passado suspeito
O outro calcanhar-de-Aquiles do governo nas privatização foi o leilão da Tele Norte Leste, em 1998. A concorrência foi vencida pelo Grupo Telemar. No final daquele mesmo ano, foram reveladas conversas mantidas entre pessoas do governo para manipular a venda. Um grampo colocado no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio de Janeiro, mostrava conversas entre o então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, e André Lara Resende, presidente do BNDES, para favorecer o Grupo Opportunity, controlado por Daniel Dantas e tendo como sócio o ex-presidente do Banco Central Pérsio Arida.

As manobras tinham por objetivo prejudicar o consórcio Telemar, comandado pelo Grupo La Fonte, de Carlos Jereissati, o mesmo que disse à Veja desta semana ter doado, em 1994, R$ 2 milhões para a campanha de José Serra, do PSDB, ao Senado. Caixa da campanha de Serra, Ricardo Sérgio teria registrado apenas R$ 95 mil junto ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP). Na época, o governo conseguiu desviar as atenções do conteúdo das conversas gravadas. Instauraram uma investigação para descobrir os autores do grampo indiscreto e ilícito.

É de Ricardo Sérgio uma das frases mais comprometedoras dos grampos revelados em novembro de 1998. ‘‘Estamos no limite da irresponsabilidade’’, afirmou o então diretor do BB a Mendonça de Barros, ao revelar que acabara de conceder uma carta de fiança altíssima a um dos consórcios.


PT e PL mais próximos
A executiva do PT mineiro trabalha para consolidar a aliança com o PL. Reunidos para definir pré-candidaturas, em Belo Horizonte, integrantes da executiva deram declaração de apoio ao nome do senador José Alencar (PL) como vice na chapa de Lula. Segundo o deputado Nilmário Miranda, candidato do partido ao governo de Minas, a posição mineira é quase uma unanimidade dentro do PT. ‘‘Minas é o único estado que aprovou explicitamente a aliança com o PL com quase 90% dos votos. Trabalhamos na perspectiva dessa aliança.’’ O ex-prefeito de Belo Horizonte Patrus Ananias destacou a importância do vice de Lula ser de outro partido. ‘‘Qu eremos governar unindo todas as forças políticas e sociais’’, disse Patrus. De acordo com Nilmário, o PT deve se pronunciar sobre a aliança com o PL na próxima quinta-feira.


Freire põe ordem na casa
O presidente nacional do PPS, senador Roberto Freire, quer pôr ordem no partido a começar por seu estado, Pernambuco. Ele reuniu-se, ontem, com a executiva estadual no Recife. Os pivôs das divergências locais — o deputado federal, Clementino Coelho, o deputado estadual, Ranílson Ramos, e o prefeito de Petrolina, Fernando Bezerra Coelho — não compareceram ao encontro. Os três foram chamados de rebeldes porque defenderam apoio ao governador Jarbas Vasconcelos (PMDB). Ranílson e Clementino, que vão disputar a reeleição e poderiam ter seus nomes rejeitados na convenção do partido, declararam que ficarão no PPS. Já Fernando Bezerra, que não disputará nenhum cargo, vai esperar o partido tomar uma decisão. Freire enfatizou que os problemas em Pernambuco estão resolvidos e que o próximo passo é buscar a unidade política das esquerdas. A executiva decidiu continuar vetando qualquer aproximação com o PFL.


A sucessão nos estados
O Brasil tem 26 estados e um Distrito Federal, mas na conta da sucessão presidencial o resultado é outro. O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, tem até agora nada menos que 50 palanques à sua espera em todo o país. São quase dois por unidade da Federação. O petista Luiz Inácio Lula da Silva está logo atrás, com 33. Ciro Gomes, do PPS, tem 21, e Anthony Garotinho, do PSB, só tem 14 — menos de meio palanque por estado. Lula e Serra são, até agora, os únicos a ter apoio em todos os estados nas eleições majoritárias. Os palanques regionais são fundamentais. Em 1989, o crescimento de Fernando Collor só foi possível com a adesão de siglas com nomes regionais.


Artigos

Etiqueta eleitoral
Armando Mendes

As avaliações do risco Brasil voltaram a provocar rebuliço nas campanhas presidenciais e na economia na semana passada. Já se disse muita coisa sobre essas avaliações, periodicamente renovadas por bancos multinacionais e agências de classificação de riscos: que elas são feitas por gente mal-informada sobre o Brasil, que seus critérios são estreitos e limitados, que olham apenas a capacidade dos investidores estrangeiros recuperarem seus investimentos com lucros. E, principalmente, que estão longe de ser neutras em relação ao que avaliam.

A nota positiva ou negativa que um país recebe termina por influenciar para melhor ou pior a própria situação avaliada. No final das contas, resta uma conclusão: tais avaliações são um instrumento colonial dos poderes globais, uma forma de intervenção na economia e na política dos países avaliados.

Em outros tempos, os impérios mandavam canhoneiras para bloquear os portos e confiscar nas alfândegas as receitas de exportação dos países periféricos que atrasavam pagamentos da dívida externa. Os impérios modernos têm à disposição instrumentos bem mais sutis. Basta uma avaliação negativa e algumas ordens de liquidação de investimentos, feitas eletronicamente, para enquadrar os recalcitrantes.

A rapidez dos mercados eletrônicos permite que centenas de bilhões de dólares circulem todo dia pelo mundo em busca dos melhores rendimentos. Um operador pode entrar num país pela manhã e sair no mesmo dia, se aparecer oportunidade melhor. É por causa do poder desproporcional que essa mobilidade oferece aos donos do dinheiro que políticos e economistas sonham com instrumentos para disciplinar esses capitais-andorinhas, dos quais o mais conhecido é a taxa Tobin (o apelido capitais-andorinhas, bem a propósito, foi criado na Argentina, um dos países que mais têm sofrido nas mãos dos mercados globalizados).

Mas ninguém, nem o mais esperto analista de investimentos de Wall Street, consegue acompanhar em detalhe, ao mesmo tempo, as reviravoltas políticas e econômicas do Brasil, da Argentina, da China, da Índia, da Austrália, da Tailândia, da Rússia, da África do Sul... dos chamados mercados emergentes, enfim. É aí que entram as avaliações feitas pelos bancos e agências de classificação.

Elas dão o boletim escolar, a nota de comportamento, dos países candidatos a receber os investimentos. E ai de quem se comportar mal (pela etiqueta deles, claro). Ameaçar eleger um governo de esquerda, por exemplo, é pior do que arrotar e palitar os dentes à mesa. Lula que se prepare para uma briga injusta e desigual.


Editorial

DESAFIO

Direitistas, direitistas extremados, socialistas e os coadjuvantes ideológicos de menor expressão elegem hoje o presidente da França. Quarenta milhões de franceses vão às urnas para escolher em segundo turno — espera-se — um candidato da direita mais civilizada, Jacques Chirac, que concorre à reeleição. Seu opositor, o ultradireitista Jean-Marie Le Pen, que encarna ameaça às tradicionais franquias democráticas da França e à estabilidade política da Europa, só por milagre empalmaria o poder. As pesquisas asseguram vitória certa para Chirac. Ele deve ficar com um total de votos que gira em torno dos 75%, enquanto seu adversário, do partido nacionalista Frente Nacional, deve alcançar cerca de 18%.

A certeza da vitória de Chirac, no entanto, não elimina a ameaça que Le Pen representa para a União Européia (UE). Ameaça que pode assumir proporções inquietantes nas próximas eleições parlamentares de junho. Suas idéias são diametralmente opostas à integração econômica, social e política do continente.

Depois do esfacelamento do bloco comunista liderado pela extinta União Soviética, a existência da UE despontou como alternativa de poder em relação aos Estados Unidos, ainda que de forma atenuada e pelos mesmos padrões capitalistas. A conquista de semelhante transformação estratégica, útil ao equilíbrio das relações mundiais, poderia desabar se Le Pen acaso chegasse à presidência. Ele prega o descolamento da França da UE, propõe a expulsão dos imigrantes, quer a volta do franco como moeda nacional, exige o rompimento com a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Não se deve ignorar, todavia, que ele derrotou o socialista Lionel Jospin no primeiro turno com apoio em 18% dos votos. Trata-se de capital eleitoral que irá ter grande influência no próximo pleito parlamentar. A Frente Nacional poderá converter-se em um pêndulo decisivo no quadro político. Para onde mover-se estabelecerá o equilíbrio ou o desequilíbrio nas relações de poder, se acaso mantiver o apoio popular até agora demonstrado e contar com a apatia dos socialistas. Lembre-se que a França pratica o regime parlamentar de governo.

O apoio dos socialistas a Chirac está na perspectiva do voto útil. Entre entregar o governo a um neofascista, racista, rancoroso inimigo de imigrantes, mente dominada por idéias totalitárias, a alternativa não poderia ser outra. Que se devolva o destino da França nos próximos sete anos a um direitista compromissado com os fundamentos democráticos, embora manchado por graves suspeitas de corrupção. É o desafio que o eleitorado francês tem hoje pela frente.


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05/05/2002


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