Transição pauta visita de diretora do FMI
Transição pauta visita de diretora do FMI
Para membro do Fundo, Anne pode contribuir para debate, mas decisão 'depende de muitos atores'
WASHINGTON - Uma alta fonte do Fundo Monetário Internacional (FMI) disse ontem esperar que as boas vibrações produzidas pelo anúncio da visita da vice-diretora-gerente do FMI, Anne Krueger, ao Brasil continuem nos cinco dias que ela passará entre Rio, Brasília e São Paulo, na próxima semana.
"Mas não há neste momento e não haverá nenhum acordo ao final da visita, pois isso depende de muitos atores", afirmou.
A idéia de manter a porta aberta e preparar o caminho para um acordo com o FMI que assegure a estabilidade e tranqüilize os investidores na transição para o próximo governo, é claramente parte dos cálculos que trouxeram o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, a Washington, na semana passada, e levarão, agora, Anne Krueger e o secretário do Tesouro, Paul O'Neill, ao Brasil. O'Neill visitará o País nos últimos dias deste mês, em viagem que se estenderá à Argentina.
"Creio que as visitas contribuirão para que as posições dos candidatos a presidente continuem a convergir no debate de temas econômicos", disse um alto funcionário brasileiro que conhece o diálogo entre o governo e o Fundo.
Informações sobre um acordo de transição com o FMI, com metas de saldo fiscal primário já anunciadas pelo governo para 2003 - 3,75% do PIB e 4% ao ano, respectivamente - não têm desmentidos formais porque é do interesse do governo, do próprio FMI e de investidores manter viva a possibilidade de ele vir a ser negociado. "O ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o presidente do BC já fizeram declarações nesse sentido", disse a fonte.
Contra - "Quero que quem está escrevendo isso acerte, mas, no momento, não há acordo, Anne não virá ao Brasil para negociar tal acordo", disse o alto funcionário. A expectativa do governo brasileiro é de que sua visita e a do secretário do Tesouro reforcem a possibilidade de um acordo vir a ser negociado. É particularmente importante o que O'Neill dirá a respeito.
Em 2 de julho, ele disse que se oporia a nova ajuda do FMI ao Brasil "porque o problema do País é político e não econômico". Horas mais tarde, retificou a declaração. Na semana passada, depois de receber Fraga, manifestou seu "total apoio ao Brasil". Altos funcionários americanos, incluindo a embaixadora dos EUA em Brasília, Donna Hrinak, acham que a posição inicial de O'Neill, contra um novo acordo, "não reflete a posição oficial" de Washington.
O acordo do Brasil com o Fundo acaba no fim do ano. A diretoria executiva do FMI deve discutir a quarta e última revisão trimestral entre setembro e outubro. Uma missão irá nas próximas semanas ao Brasil para preparar o relatório que servirá de base à discussão do "board". O País ainda tem um saldo de cerca de US$ 1 bilhão não utilizado, do empréstimo de US$ 15,7 bilhões que obteve sob o acordo.
Oficialmente, Anne Krueger vai ao Brasil para conferência da Sociedade de Econometria. Mas sua agenda é densa em compromissos com o governo e o setor privado. Na segunda-feira, almoçará com o presidente e diretores do BC, no Rio. Na terça, terá encontros em Brasília com Malan, o ministro do Desenvolvimento, Sérgio Amaral, e o presidente Fernando Henrique Cardoso.
Na quarta, em São Paulo, Anne terá três compromissos: almoço com executivos de bancos,
patrocinado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), reunião com empresários organizada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a abertura do
Encontro Latino-Americano da Sociedade de Econometia. Ela retornará a Washington na noite de sexta-feira.
Não estão previstos encontros com os candidatos a presidente ou seus assessores econômicos, mas Anne não se furtará a ter tais conversas, se for procurada. O'Neill cumprirá um roteiro parecido, com uma diferença: ele pretende também visitar fábricas, ter contato com trabalhadores e discutir questões como segurança de trabalho, um de seus temas prediletos.
PT - O presidente do PT, deputado José Dirceu, teve o primeiro contato com o FMI na visita aos EUA, que concluiu ontem. A convite do presidente do Banco Interamericano de Desenvolviemnto, Enrique Iglesias, participaram do café da manhã que ele ofereceu a Dirceu um representante do Banco Mundial e o diretor-assistente do departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo, Lorenzo Pérez.
Dirceu contou que, no almoço no Institute of International Economics e outros encontros, ouviu perguntas sobre a disposição de um governo do PT de fazer acordo com o Fundo. "Respondi que faremos o possível para evitar", disse, mais tarde, numa resposta que não fecha a porta para um entendimento.
Um funcionário brasileiro observou que, no caso do PT, tal possibilidade não é compatível com declarações que Dirceu fez sobre a disposição do PT de reabrir os acordos fiscais que o atual governo fez com os Estados. "Se o PT mexer nisso, desorganizará as contas públicas e tornará impossível manter o saldo fiscal primário, com o qual Lula se comprometeu em sua carta ao povo brasileiro."
Lula, Ciro e Garotinho descartam acordo já
Apenas Serra defende proposta; outros impõem restrições ou vão esperar resultado das urnas
No que depender de três dos quatro principais candidatos à Presidência, o acordo de transição com o Fundo Monetário Internacional (FMI) não vai sair, pelo menos nos moldes até agora discutidos pelo presidente do Banco Central, Armínio Fraga. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Anthony Garotinho (PSB) se recusam a assinar qualquer acerto com o Fundo antes do resultado da eleição e Ciro Gomes (PPS) não admite um documento que mantenha o método de controle da inflação. Apenas José Serra (PSDB) aceita firmar hoje um acordo com o Fundo.
"É preciso ir com muito cuidado e carinho, e esperar ganhar as eleições para sentar à mesa e negociar", afirmou Lula, ontem, em São Bernardo do Campo.
Para ele, não há sentido em o FMI discutir neste momento um acordo de transição: "Até a meia-noite do dia 31 de dezembro de 2002, o presidente chama-se Fernando Henrique Cardoso. Até lá, o que tiver de assinar ou não assinar é da responsabilidade dele."
"O FMI não tem por que me chamar. Não dá para fazer política na base da suposição. O FMI tem de sentar com o governo brasileiro, que é governo", insistiu Lula. "Se a moda pega, para que o governo, então? Vai antecipar a saída do Fernando Henrique Cardoso."
Garotinho também deixou claro, durante uma rápida entrevista na Baixada Fluminense, no Rio, que só conversa com o FMI após o resultado das urnas. E impôs condições: "Só vou assinar depois de tomar conhecimento do documento.
Quero ver concretamente o que está lá. Um acordo como este pode ser um 'atestado de óbito' para o País. Não é só o superávit que está lá. Essa é minha posição: Só assino depois de ler e depois de eleito."
'Equívoco' - Ciro ressaltou em Manaus, anteontem à noite, que não está disposto a apoiar um acordo que projete para o futuro políticas econômicas com as quais não concorda. E avisou que não pretende assinar nenhum acordo com o Fundo: "O papel do governo é governar. O papel da oposição é propor alternativas. Eu não estou disposto a assumir políticas equivocadas. Mas tudo depende, porém, das condições que poderão ser colocadas."
Ciro poderá se encontrar na segunda-feira com Fraga para discutir o assunto.
Ele disse que telefonará para o presidente do BC. Fraga já discutiu a proposta com o presidente do PSDB, José Aníbal, e com o deputado do PT Aloizio Mercadante (SP). Garotinho também deu demonstrações, ontem, de que aceitaria discutir o assunto com o dirigente do BC, se for convidado como os demais.
Segurança - Serra comentou ontem, em Curitiba, que prolongar o acordo com o Fundo "não traz maiores constrangimentos nem restrições" à economia brasileira. Ele vê a medida como um elemento de segurança para o futuro, "até para acalmar nervosismos e expectativas infundadas".
"Eu apoiarei, até porque os termos dele não significam nenhum sacrifício para a nossa economia, pelo contrário, significa mais segurança."
FHC apoiaria Ciro contra Lula, diz Tasso
Ele acha que presidente tem 'mais afinidade' com o candidato da Frente que com petista
FORTALEZA - O ex-governador do Ceará Tasso Jereissati (PSDB) disse ontem que, até "por coerência", o presidente Fernando Henrique Cardoso deverá apoiar o candidato do PPS, Ciro Gomes, num eventual segundo turno com Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "Ciro foi governador do PSDB", alegou.
Apesar das severas críticas de Ciro ao presidente, Tasso acha que, do ponto de vista administrativo e ideológico, Fernando Henrique tem mais afinidade com o candidato da Frente Trabalhista que com o petista Lula.
Tasso deu entrevista na tarde de ontem, durante comemoração dos 50 anos do Banco do Nordeste, em Fortaleza. Ele chegou à sede do banco guiando o próprio carro, tendo ao lado o ex-senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA).
Antes da solenidade, eles tiveram um almoço reservado na casa do ex-governador, no bairro Dunas.
ACM disse aos jornalistas que não conseguiu convencer Tasso a declarar apoio a Ciro no primeiro turno, mas considerou a posição coerente. "Tasso é homem de partido. Mas o Ciro é uma pessoa muito querida no Ceará e já teve resultado favorável em outra eleição aqui", ponderou o ex-presidente do Senado, referindo-se a 1998, quando Ciro venceu Fernando Henrique no Estado.
Indagado se o encontro com ACM não poderia ser mal interpretado pelo PSDB nacional, Tasso respondeu que não aceita nenhum patrulhamento. "No momento em que eu não puder encontrar com meus amigos, no meu Estado e na minha casa, eu sou um homem liquidado", reagiu.
"Nenhum homem, por qualquer razão política, ideológica, racial, vai me proibir disso. Encontro com quem quiser, na hora em que quiser."
Ciro bate boca com empresários em Manaus
Candidato condena supostas fraudes na Zona Franca e enfrenta reação na platéia
MANAUS - Em um jantar com empresários amazonenses na quinta-feira, o candidato do PPS à Presidência, Ciro Gomes, condenou supostas irregularidades praticadas na Zona Franca de Manaus e disse que não assumirá compromissos equivocados durante a campanha. "Não quero administrar ilusão, como fez o De La Rúa", disse Ciro, referindo-se ao ex-presidente argentino, no jantar em que aproveitou para criticar industriais da região acusados de fraudes.
Para ele, assumir propostas com as quais não concorda é um grave risco. "Aí, infelizmente, o candidato poderá sair como o De La Rúa: pela porta dos fundos do palácio. Podem escolher outro, porque eu não tenho vocação para isso." Ao defender a moralização da Zona Franca, Ciro teve um ríspido diálogo com os empresários. Ele disse que defenderá a alteração na política de incentivos para a região, considerada extremamente generosa.
O candidato se recusou a passar a idéia de que basta trocar o presidente da República para mudar o País. "É como pensar que é só trocar Fernando Henrique por mim que vai dar certo", disse.
Segundo Ciro, além de eleger um novo presidente, é necessário adotar um novo modelo econômico e remover fragilidades de programas de incentivos fiscais, entre eles, o da Zona Franca. Incomodado com as críticas, o presidente do Centro de Indústrias de Manaus, Maurício Loureiro, assumiu a palavra para contestar Ciro e afirmar que os empresários da Zona Franca são "sérios".
Em meio a um mal-estar, o presidenciável afirmou que suas considerações deveriam ser encaradas como uma tentativa de desenvolver mais a região. "Sou visita, não vamos para a polêmica. Há homens sérios, mas há exceções também", reagiu Ciro. "Não queremos benesses, queremos ser fiscalizados", acrescentou o industrial.
As irregularidades a que o candidato se refere são, por exemplo, fraudes na emissão de notas fiscais por empresários que querem receber isenção de imposto. Ele também atacou as imoralidades praticadas na extinta Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).
Comício - Depois do jantar, Ciro participou de um comício em Manaus no bairro Jorge Teixeira, na periferia da capital amazonense. Cerca de 6 mil pessoas foram ao comício, que contou com a presença do senador Jefferson Perez (PDT-AM), candidato à reeleição, e do vice-prefeito de Manaus, Omar Aziz, do PFL. O PFL no Amazonas faz parte da aliança que apóia o candidato ao governo do Estado Eduardo Braga (PPS) e Ciro Gomes. Embora sustentem a candidatura de Braga, o governador do Amazonas, Amazonino Mendes (PFL), e o senador Bernardo Cabral (PFL-AM) não estiveram no palanque.
Em seu discurso, Ciro frisou o fato de ser nordestino para mostrar que há muitas afinidades entre aquela região e o Norte do País. "Temos de moralizar a roubalheira. Mas é justíssimo que vocês peçam que a Zona Franca continue", afirmou ao lado de sua mulher, a atriz Patrícia Pillar.
Lula deixa para sindicalista tarefa de atacar Ciro
Luiz Marinho, vice de Genoíno, lembra ações 'impopulares' do ex-ministro da Fazenda
O PT iniciou ontem mesmo a estratégia de conter o crescimento de Ciro Gomes (PPS), aproveitando a visita de seu presidenciável, Luiz Inácio Lula da Silva, à fábrica da Volkswagen em São Bernardo. Lula estava com o vice, o senador José Alencar (PL-MG), e o candidato a vice-governador paulista, o sindicalista Luiz Marinho, a quem coube a tarefa de criticar Ciro.
Licenciado do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Marinho lembrou acordo trabalhista feito de 1992 a 1994 e a atitude de Ciro. "Fizemos um acordo que tinha 20% de aumento real em três parcelas. Ciro assumiu o Ministério da Fazenda em 1994 e quis impedir o pagamento da terceira parcela. Tivemos de fazer greve uma semana."
Marinho citou ainda o Protocolo de Ouro Preto, assinado por Ciro. "Estão lembrados que a redução das alíquotas de importação de autopeças destruiu a indústria de autopeças no Brasil? E ele (Ciro) deu uma entrevista dizendo que automóvel é superficial e vai aumentar os impostos. Sabem o que isso significa para nossa região?"
Suas declarações, disse, deveriam servir para "aqueles que acham que Lula assusta, que é radical e Ciro poderia ser uma alternativa". E finalizou:
"José Serra é a mesma coisa (em relação ao governo) e com o Ciro pode piorar ainda mais."
Emoção - A ida à Volkswagen emocionou Lula. No meio da linha de produção, que praticamente parou na visita, ele chorou ao lembrar a década de 70, quando era sindicalista. "Quando entrei aqui minha cabeça começou a girar, girar e voltou para 1975, 1978 quando a gente nem na porta da fábrica podia chegar", disse aos prantos.
Os metalúrgicos emocionaram-se e o aplaudiram. Lula disse que na época os boletins do sindicato eram escondidos dentro "das meias ou na barriga" porque os sindicalistas tinham medo de ser revistados.
No discurso, Lula defendeu a ampliação da oferta de emprego e atacou o governo. "O que a gente lamenta profundamente é que faz muitos anos que o governo não tem a preocupação com a questão do emprego." Lula afirmou ainda que o governo não assume a responsabilidade sobre a vulnerabilidade da economia. "Toda hora vocês estão vendo na TV: dólar sobe, dólar desce, Bolsa cai, Bolsa sobe; hora é por culpa do Lula, hora é por culpa da seleção, e hora é por culpa do cabelo do Ronaldinho. Tem sempre um pretexto. Eles que parem de jogar a culpa em outras pessoas ou n as minhas costas."
No início da noite, Lula prometeu enfrentar a corrupção policial, em entrevista ao Brasil Urgente, da TV Bandeirantes. O petista afirmou que, caso seja eleito, seu governo pretende "lutar todos os dias" contra a violência e essa luta "passa necessariamente" pelo combate à corrupção policial.
"Eu sei que mexer com a corrupção na polícia é mexer em um vespeiro. Mas dá para acabar com isso."
Por mais de 30 minutos, o candidato falou sobre a segurança pública. "A ação contra o crime deve começar no primeiro dia do meu governo e ir até o último dia." Lula disse que seu programa prevê a criação de um salário nacional para as polícias. "Não é possível, como encontramos em alguns Estados do Nordeste, ver policiais recebendo R$ 400 ou R$ 500. Precisamos pagar para poder cobrar." Ele propôs ainda um órgão independente de fiscalização.
"Temos de criar condições para que bons policiais possam agir."
Sarney nega adesão a Ciro e confirma conversa com Lula
BRASÍLIA – O senador José Sarney (PMDB-AP) afirmou ontem que tem “simpatia” pela candidatura do petista Luiz Inácio Lula da Silva. Ele contou que conversou demoradamente com Lula há cerca de 20 dias, em sua casa no Lago Sul, em Brasília. Disse ainda, por intermédio de sua assessoria, que não procede a informação de que o PFL do Maranhão teria decidido se engajar na candidatura de Ciro Gomes (PPS).
Segundo ele, o partido só escolherá o nome que apoiará na corrida presidencial na reunião marcada para a semana que vem. O senador não confirma a informação de que sua filha, a ex-governadora do Maranhão Roseana Sarney, principal líder do PFL no Estado, teria optado pela campanha de Ciro. Mas foi a assessoria da própria governadora que, na quinta-feira, confirmou a manifestação de apoio ao candidato do PPS.
O encontro de Sarney e Lula foi preparado pelo presidente do PT, deputado José Dirceu (SP). A conversa durou cerca de duas horas e eles fizeram uma avaliação da situação política do Brasil e de outros países latino-americanos, sobretudo dos que enfrentaram mudanças de comando nos últimos anos, como Peru e Venezuela.
Apesar de Sarney descartar a hipótese de aproximação com o candidato tucano, José Serra, seu filho, o ex-ministro Sarney Filho, pode tomar rumo diferente. Ele é tido como provável aliado pelo cúpula da campanha tucana. Embora ele não reúna tantos votos como Roseana, seu apoio serve como canal para um futuro entendimento no Maranhão, caso Serra chegue ao segundo turno.
Artigos
Como sair da crise
Sergio Ribeiro da Costa Werlang
A economia brasileira está passando por uma crise. Há vários fatores que são responsáveis por agravar a situação, especialmente a recuperação lenta dos Estados Unidos e a grande confusão causada pela falta de transparência dos balanços de empresas norte-americanas e européias. Mas a razão principal para a turbulência que afeta o Brasil está aqui mesmo: a postura fiscal pouco conservadora.
E o que quer dizer isso, se o País já gera um superávit primário de 3,75% do produto interno bruto (PIB)? A resposta é simples: a dívida pública é de cerca de 55% do PIB (excluindo a base monetária) e a taxa de juros que ela paga é elevada, superior a 10% ao ano (descontada a inflação). Isso faz com que a conta de juros seja algo como 5,5% do PIB, se não houver outros choques na economia. Levando em consideração o crescimento do nível de atividade do Brasil, por volta de 2% ao ano desde 2001, a relação entre a dívida e o PIB cresceria por volta de 4,5% do PIB ao ano se não houvesse a geração de superávit primário. E o valor do superávit primário de 3,75% do PIB, que foi proposto para 2002 e 2003, é insuficiente para manter constante a relação dívida-PIB, a menos que a economia cresça mais.
Ocorre que, além disso, a economia brasileira está sujeita a diversos choques externos que fazem com que a taxa de câmbio tenha de ajustar-se, e isso tem dois efeitos colaterais. Primeiro, parte da dívida interna brasileira é corrigida pela variação cambial e há uma parte da dívida pública que é externa (e também dolarizada). Como conseqüência, a dívida fica maior toda vez que há uma desvalorização real da moeda nacional.
Segundo, uma taxa de câmbio mais desvalorizada acaba por ter impactos na taxa de inflação.
Portanto, o Banco Central tem de manter a taxa de juros real elevada para que a economia não cresça muito e, assim, a pressão nos preços internos causada pela depreciação do câmbio seja atenuada. Dessa forma, o nível de atividade eleva-se pouco e a tendência da relação dívida-PIB tem sido crescente, apesar do esforço fiscal já realizado. O que deve ser feito nesta situação? É claro, o setor público tem de gerar superávits primários muito maiores que 3,75% do PIB.
Para pagar os juros da dívida é preciso arrecadar tributos acima dos gastos não-financeiros (o superávit primário). Os brasileiros pagam impostos muito elevados, que chegarão a superar 34% do PIB em 2002. Este valor é altíssimo quando comparado a países emergentes (na faixa de 20% a 25% do PIB de receita tributária), e mesmo se comparado aos Estados Unidos e ao Japão. Mas o País também gasta muito. Apesar das elevadas receitas tributárias, a despesa não-financeira do governo brasileiro subiu de 28% do PIB em 1999 para mais de 31% do PIB em 2002. O setor público precisa voltar a ter gastos como nos anos anteriores e estancar seu crescimento desenfreado. Com um esforço adicional de corte de despesas se poderia atingir um superávit primário de 6% do PIB. Mais ainda, não basta fazê-lo por um curto espaço de tempo. É necessário manter a austeridade fiscal por um bom tempo, até que a relação dívida-PIB tenha entrado num ciclo francamente descendente e com juros reais bem menores.
E é possível fazer isso? Categoricamente sim. Primeiro, elevados superávits primários, superiores a 4,8% do PIB, foram obtidos pelos seguintes países, ano a ano (na média), entre 1996 e 2001: Noruega, Grécia, Bélgica, Canadá e Itália. Isso mostra que basta querer. Além disso, a média no ano 2000 na área do euro foi de um superávit primário de 4% do PIB. Segundo, há excelentes exemplos de ajustes fiscais bem-sucedidos pelo corte de gastos, no Brasil. O caso do Estado de São Paulo durante o governo Covas é especialmente esclarecedor.
Uma vez vistos este diagnóstico e a solução para o problema, fica fácil entender por que o Brasil passa pela crise atual: existe uma enorme incerteza sobre se o próximo presidente de nosso país vai executar as políticas econômicas corretas. Conclui-se que para sair da crise dois fatos têm de ocorrer. Primeiro, os candidatos à Presidência têm de mostrar que compreendem as razões de fundo das turbulências que afligem a economia brasileira. Hoje, em boa medida, os candidatos com maiores chances de ser eleitos já manifestaram que estão conscientes de que precisam respeitar todos os contratos (ou seja, honrar a dívida pública) e de que é necessário manter a austeridade fiscal. Segundo, é preciso passar das palavras à ação, deixando claro o comprometimento com essas políticas. O apoio dado por vários partidos à modificação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que eleva a meta de superávit primário do ano que vem para 3,75% do PIB é um pequeno passo nessa direção. Mas não é suficiente.
Os candidatos poderiam ajudar mais. Primeiro, dando apoio explícito a uma extensão do acordo com o FMI. O ideal seria que este contivesse uma meta de superávit primário maior que 3,75% do PIB e fosse de duração longa. As recentes conversas entre o Banco Central e os diversos candidatos (ou seus assessores) são muito auspiciosas. Segundo, seria oportuno que divulgassem antecipadamente quais seriam os ministros da área econômica e quem indicariam para a presidência do Banco Central.
Em resumo, uma ainda maior austeridade fiscal é a saída para o Brasil, e pode ser conseguida. A contenção de gastos é politicamente custosa, mas agora tornou-se inevitável. Por sinal, o caso dos países europeus é um excelente exemplo: o ajuste fiscal foi obtido porque havia a imposição do Tratado de Maastricht (preparatório para a moeda única, o euro). No Brasil, a imposição é de outra natureza: ou se faz um corte profundo dos gastos, se reduz o déficit público e, assim, se criam as condições para uma diminuição não-inflacionária da taxa de juros, ou se vai continuar sofrendo com a alta volatilidade dos mercados e taxas de crescimento medíocres.
Colunistas
RACHEL DE QUEIROZ
Amor, eterno amor
Outro dia liguei a TV e vi que faziam um concurso entre os telespectadores procurando uma definição para o amor. As respostas eram muito ruins, até dava para se pensar que nem apresentadores nem telespectadores entendiam nada de amor realmente; o lugar-comum é mesmo o refúgio universal, que livra de pensar e dá a quem o usa a impressão de que mergulha a colher na gamela da sabedoria coletiva e comunga das verdades eternas. O que, aliás, pode ser verdade.
Mas a idéia da definição me ficou na cabeça e resolvi perguntar por minha conta. Tive muitas respostas. A impressão geral que me ficou do inquérito é que de amor entendem mais os mais velhos do que os moços, ao contrário do que seria de imaginar. E menos os profissionais que os amadores - digo os amadores da arte de viver, propriamente, e os profissionais do ensino da vida.
Vamos ver:
Dona Alda, que já fez bodas de ouro diz que o amor é principalmente paciência. Indaguei: e tolerância? Ela disse que tolerância é apenas paciência com um pouco de antipatia. E diz que amor é também companhia e amizade. E saudade? Não, saudade não: saudade se tem das pessoas, das alegrias de coisas da mocidade, da infância dos filhos. Mas do amor? Não. Afinal, o amor não vai embora. Apenas envelhece, como a gente.
A jovem recém-casada me diz que amor é principalmente materialismo. Todos os sonhos das meninas estão errados. Aquelas coisas que se lêem nos livros da Coleção das Moças, aqueles devaneios e idealismos e renúncias e purezas, está tudo errado. Quando a gente casa é que vê que o amor não passa de materialismo.
Terezinha de Jesus, às vésperas de botar no mundo o seu filho de mãe solteira, responde: Amor é iludimento. No começo é dançar, tomar Coca-Cola com pinga, ganhar radinho de pilha e vidro de loção. Depois é a barriga e todo mundo apontando e o camarada sumido. Semana que vem vai para a maternidade. Quem quiser lhe falar de amor, venha, que ela tem uma resposta. Mas impublicável.
Um senhor quarentão, bem-casado, pai de filhos: amor, como se entende em geral, é coisa da juventude. Depois de certa idade, amor é mais costume. É verdade que tem a paixão com os seus perigos. Mas você falou em amor e não em paixão, não foi?
E de paixão, que me diz? - Aí ele se fecha em copas. Deixo isso para os jovens. Velhote apaixonado é fogo. E eu não passo de um pai de família.
A mãe da família desse senhor: Amor? Bem, tem amor de noiva, que é quase só castelos e tolices.
Tem o de jovem casada, que é também muita tolice -, mas sem castelos. Complicado com ciúme, etc., mas já inclui algum sentimento mais sério. E tem o amor do casamento, que é a realidade da vida puxada a dois. Agora, o amor de mãe... Você perguntou também o amor de mãe?
Respondi energicamente que não; amor de mãe, não. Quero saber só de amor de homem com
mulher, ou... vocês me entendem, mas amor propriamente dito.
Diz o solteiro, quase solteirão que se imagina irresistível e incansável: amor é perigo. Só é bom com mulher sem compromissos. Com moça donzela dá em noivado, com mulher casada dá em tragédia. O melhor é amor forte e curto, que embriaga enquanto dura e não tem tempo para se complicar. Aquela história de marinheiro com um amor em cada porto, tem o O pastor protestante diz que o amor é sublimar a atração entre os dois seres, é atingir a mais alta e pura das emoções.
Não confundir amor com sexo! E perguntado - sendo assim, por que casam os pastores? Ele responde citando São Paulo: "Porque é melhor casar do que arder."
Já o padre católico não elimina o sexo do amor. Explica que, pelo contrário, o sexo, no amor, é tão importante como os seus demais componentes - o altruísmo, a fidelidade, a capacidade de sacrifício, a ausência do egoísmo. E é tão importante, que, para santificar o amor sexual - o amor conjugal - a Igreja o põe sob a guarda de um sacramento, o santo matrimônio. E ante a pergunta: se tudo é assim tão santo, por que os padres não casam? O padre velho não se importa com a impertinência, sorri: "Nós nos demos a um amor mais alto. Casamento, para nós, seria pior que bigamia..."
E por último tem a matrona sossegada que explica: Amor? Amor é uma coisa que dói dentro do peito. Dói devagarinho, quentinho, confortável. É a mão que vem da cama vizinha, de noite, e segura na sua, adormecida. E você prefere ficar com o braço gelado e dormente a puxar a sua mão e cortar aquele contato, tão precioso ele é. Amor é ter medo - medo de quase tudo - da morte, da doença, de desencontro, da fadiga, do costume, das novidades. Amor pode ser uma rosa e pode ser um bife, um beijo, uma colher de xarope. Mas o que o amor é, principalmente, são duas pessoas neste mundo.
Editorial
A TRISTE PENÚRIA DAS FORÇAS ARMADAS
A publicação, no Diário Oficial da União, do decreto do presidente Fernando Henrique Cardoso, autorizando a Secretaria do Exército a dispensar 44 mil recrutas do contingente de 52 mil alistados em março, para o serviço militar obrigatório, que deveriam ser liberados apenas em novembro - portanto, uma baixa antecipada de 85% dos recrutas -, é apenas o previsível e melancólico desfecho, de uma situação de escassez que chegou à penúria, atingindo, fortemente, as Forças Armadas brasileiras. Essa medida drástica, emergencial e inédita, destina-se a economizar recursos com pagamento de salário mínimo, refeições e manobras militares. E pelo mesmo motivo será adiada por 60 dias a convocação de 18 mil novos recrutas prevista no cronograma do Exército e será reduzido o horário de funcionamento de organizações militares - afora a possibilidade, ainda em estudo, de desativação de unidades do Exército em razão da falta de dinheiro para manter alguns setores.
É de se lamentar muito ter-se chegado a essa situação, principalmente pelo papel que sempre desempenharam as Forças Armadas - a par de sua missão constitucional de defesa da Pátria, garantia dos poderes constituídos, e da lei e da ordem - como coadjuvantes no processo de formação, de disciplina e educação moral de vastos setores da juventude brasileira, especialmente os pertencentes às camadas da população de renda mais baixa, que tinham no serviço militar um verdadeiro ponto de apoio para a educação cívica dos jovens - ou sua preparação para o exercício da cidadania.
Esse papel, já intuído na memorável campanha do poeta Olavo Bilac, em favor do serviço militar obrigatório, também se refletiu numa rica história de serviços prestados à coletividade, na ligação entre regiões remotas e de difícil acesso - no que tanto se destacou a FAB -, na prestação de socorro a vítimas de enchentes e outras calamidades, na construção emergente de pontes e auxílio inestimável numa vasta quantidade de problemas e situações de risco, que atingem comunidades que vivem em pontos remotos do imenso território nacional. É possível que nos últimos tempos, desde a redemocratização do País, tenha havido uma certa má v ontade - para não dizer preconceito - de certos setores da opinião pública, em reconhecer o devido valor dessa inserção direta - pacífica e cívica - das Forças Armadas no cotidiano da sociedade brasileira. Pode ser até que sobrevivam traços do "revanchismo" tratado no artigo do ex-ministro Jarbas Passarinho, em nossa edição de terça-feira. Mas o conjunto de nossa sociedade sempre valorizou o papel desempenhado pelas Armas e, certamente, se entristece ante a precariedade de recursos que as levam a, pela primeira vez em sua história, dispensar por antecipação um grande contingente de alistados.
Na verdade, essa situação é o puro reflexo da precariedade de recursos que hoje dispõe o Estado brasileiro, para sustentar-se. Um Estado que, por décadas, cresceu e se agigantou tornando-se muito maior do que a capacidade da nossa economia de sustentá-lo e, por mais que o atual governo venha buscando a redução de seu tamanho e o enxugamento de sua estrutura administrativa ou burocrática, não consegue manter, em níveis satisfatórios de funcionamento, nem as suas atividades essenciais. E isso ocorre apesar de ter havido um enorme crescimento de arrecadação - o que coloca o Brasil, nos dias de hoje, em termos de porcentagens de recolhimento de impostos, em relação à capacidade de produção, em pé de igualdade com os paísesdesenvolvidos, e até acima de alguns deles.
Bem é de ver, então, que a escassez sofrida pelas Forças Armadas não é algo isolado da precariedade geral do contemporâneo Estado brasileiro, que se reflete na ausência de recursos suficientes para o aparelho da Justiça, para as polícias, para o saneamento básico, para o transporte coletivo de massa, para a infra-estrutura viária, para a habitação popular e tantos setores mais. O Estado maior que a economia nacional deveria ser o tema central desta lamentável campanha sucessória.
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07/20/2002
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