O Livro Das Ignorãças
(Manoel de Barros)
A obra O Livro das Ignorãças é dividido em três partes: "Uma Didática da Invenção", "Os Deslimites da Palavra" e "Mundo Pequeno". Sob a aparência surrealista, a poesia de Manoel de Barros é de uma enorme racionalidade. Suas visões, oníricas num primeiro instante, logo se revelam muito reais, sem fugir a um substrato ético muito profundo. Em "Uma didática da invenção", surgem várias questões evidenciando a preocupação de Manoel de Barros quanto as idéias específicas de poesia. Assim, já no primeiro poema do livro, temos a idéia do desaprender, da necessidade que o poeta vê de a poesia enlouquecer a língua, tirando-a dos lugares comuns em que se encontra. Nessa primeira parte há um trajeto claro de fugir à linguagem comum e alcançar uma língua adâmica, original que se aproxime mais da coisa em seu estado bruto, que chegue à "coisidade" da coisa, em seu âmago de coisa mesmo. Em "Os deslimites da palavra" o poeta inventa uma lenda e escreve a partir dela: um tal canoeiro Apuleio, que teria passado três dias e três noites navegando sobre as águas de uma enchente ocorrida em 1922, sem comer nem dormir, registra em um caderno, a partir dessa experiência, amontoados de frases desconexas. Tempos depois, o poeta encontra esse caderno e tenta "desarrumar as frases", de modo que elas se tornem poesia, apesar de, em si, elas já serem poesia, pois, como diz o poeta, "nesse caderno, o canoeiro voou fora da asa", provocou "uma ruptura com a normalidade", ou seja, escreveu fora da língua comum, fazendo poesia. Na terceira parte, "Mundo pequeno", o autor traz as mesmas questões eleitas por Manoel de Barros, sendo que o primeiro poema já rompe com a gramática da língua, conforme já vimos em outros poemas. Nos versos seguintes, os substantivos transformam-se em verbos. Em O livro das Ignorãças, também há a proposta de, além de tornar-se coisa, "desacostumar as coisas", assim como se deve "desacostumar as palavras". Do mesmo modo que se deve livrar as palavras de seu estado normal, fazendo-as delirar, há também a necessidade de livrar as coisas de sua utilidade usual, tirando-as do uso que elas têm no dia-a-dia. É o que o poeta chama de "desinventar objetos.
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