Alunos da rede estadual conhecem pesquisa científica na USP
Educação selecionou 400 alunos do ensino fundamental para o Programa de Pré-iniciação Científica
A cena é original. Trata-se da recepção a novos alunos, o que não é novidade na Universidade de São Paulo (USP). Mas dessa vez os recém-chegados são alunos que ainda não concluíram o ensino médio e o fato que os traz é motivo de solenidade.
Com olhares e expressões que estampam um misto de curiosidade e expectativa, os jovens acomodam-se no auditório da Faculdade de Economia e Administração (FEA), ao lado de alguns de seus professores, para protagonizar o lançamento oficial do Programa de Pré-Iniciação Científica da USP, ocorrido no final do mês passado. A iniciativa abre os laboratórios da universidade inicialmente para 400 jovens do primeiro e segundo anos do ensino médio da rede estadual, com a finalidade de lhes proporcionar contato real com a pesquisa científica. Juntos com um professor da escola, acompanharão e atuarão nesse processo, sob orientação de docente da USP.
Não são todos os selecionados para isso que estão presentes à recepção do câmpus paulistano, já que a atividade acontecerá nos oito que a universidade possui, “mais precisamente em 165 laboratórios diferentes das áreas de Humanas, Exatas e Biológicas, inclusive nos museus da USP”, informa o professor Pedro Bombonato, coordenador do programa, que terá duração de um ano. Os estudantes receberão bolsa de estudo de R$ 150 por oito horas de atuação semanal nas atividades. Os 60 professores da rede que os acompanharão no processo, também.
Iniciativa da Pró-Reitoria de Pesquisa, o programa funciona em parceria com a Secretaria de Estado da Educação com o apoio financeiro do Banco Santander e da Monsanto. De acordo com Bombonato, embora o contrato atual esteja limitado a 400 bolsas, a intenção é de que em dois anos elas sejam ampliadas para 1,8 mil, o que equivalerá a uma para cada grupo de pesquisa da universidade. “Vamos batalhar por isso”, garante. Outro projeto em estudo é um programa paralelo para que alunos da rede privada também possam participar. “Estamos começando pelo prioritário”, informa.
Expectativa – “Não sei direito como vai ser. Acho que vamos saber mais aqui”, diz Yarla Alves dos Santos enquanto aguarda o início do evento. Aluna da EE Dr. Joaquim Silvado, na Vila Míriam, foi selecionada pela pasta da Educação por ter boas notas. Esse foi o critério adotado para a escolha de todos os participantes, a partir de inscrições prévias, nas quais tinham de indicar, entre as opções disponíveis, em qual estudo gostariam de ingressar.
Mesmo sem ter idéia clara a respeito da rotina que vai assumir, a estudante do segundo ano do ensino médio, de 16 anos, considera o novo compromisso uma grande oportunidade. “Sempre tive interesse sobre pesquisa ambiental e de saúde e agora vou saber como é, para definir o que quero seguir”, explica ela, que vai atuar nos estudos sobre insuficiência cardíaca na Faculdade de Medicina (FM).
E é o seu próprio anfitrião, o professor Paulo Saldiva, participante do programa como pesquisador da FM, que abre a cerimônia de boas-vindas. Ele diz também não saber direito como as coisas vão funcionar, já que se trata de novidade. Ressalta que é um sonho antigo que se torna realidade. “Todo mundo está emocionado. Se der certo, será uma experiência única e nós vamos sair dela tão transformados quanto vocês”, comemora.
Saldiva passa o seu recado: “A pesquisa dá sentido ao conhecimento. Somos condicionados a estudar assuntos de que não gostamos e que, muitas vezes, não fazem sentido. A pesquisa é uma oportunidade de encontrar aquilo de que gostamos e de nos transformar. Acho que vocês deveriam aproveitar isso, assim como nós vamos aproveitar”.
Bombonato explica na seqüência que a iniciativa é fruto da preocupação da universidade com a qualidade dos outros níveis de ensino. “Olhar não só os seus alunos, mas também os futuros que ingressarão. É nesse sentido que a gente recebe vocês, professores e alunos”, anuncia. A vice-reitora de Pesquisa, Mayana Zatz, reforça sua colocação. Segundo ela, a intenção é colaborar para a melhoria do quadro atual da educação pública.
“Na minha geração, estudar numa escola pública significava uma chance maior de entrar nas melhores universidades. Infelizmente os tempos mudaram. Foi pensando nisso que surgiu a idéia de implantar esse programa, em parceria com a Secretaria da Educação. Decidimos abrir os nossos laboratórios aos alunos do secundário e dar-lhes a oportunidade de serem pesquisadores da USP por um ano”, explica Mayana. E avisa: “Queremos contaminá-los de modo irreversível com o vírus da curiosidade”.
Melhor possível – Após as palavras de incentivo, um coquetel os espera. A caminho da confraternização dos novos pesquisadores, a professora de Química Joyce Stampini conta o quanto está empolgada com a perspectiva aberta pelo programa. “Eles também estão, e muito. É uma oportunidade inesperada”, afirma. O grupo escolhido na escola em que leciona, a EE Wilson Roberto Simonini, da zona leste, é o maior na iniciativa: 26 participantes.
“Estamos muito felizes. Só de vir aqui já é importante”, diz ela, que considera o acontecimento um diferencial para a escola. “A gente vive tentando incentivar, mas é difícil. Eles ficam desmotivados com as carências do local onde vivem. Por isso, quando surgem ações como essa, é bom para todos”, julga Joyce. Seu papel na iniciativa é fazer a mediação entre os bolsistas e a USP. “Vou auxiliá-los e acompanhá-los”. Segundo ela, está programada a propagação das experiências vividas pelos alunos selecionados para os outros estudantes da Roberto Simonini. Um dos responsáveis por isso é Danilo Macedo, de 15 anos, que atuará no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG). “Fiquei motivado por ter relação com galáxias, planetas”, conta o aluno do primeiro ano do ensino médio. Seu sonho é ser bombeiro, mas a matéria escolhida o atrai por ser assunto que envolve “muita coisa curiosa”. Ele foi inscrito pelo professor de Matemática João Rildo, que, ao saber do programa, resolveu apurar se entre os seus alunos com boas notas havia interessados em participar.
Seis deles conquistaram vaga e serão acompanhados por ele: além de Danilo, mais dois vão para o IAG e outros três, para o Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE). “Acho uma ótima oportunidade. Nossa escola fica num local carente, todos enfrentam dificuldades. Eles precisam acreditar no melhor possível”, acredita.
Yarla também não é a única representante da sua escola na USP. Ingressa no mundo da pesquisa sobre insuficiência cardíaca junto com cinco colegas e o professor Marcelo Bernardes, de Educação Física. “Não influenciei a escolha deles”, garante o mestre, “a opção pela área foi unânime”. Camila Komatsu, do segundo ano, não desmente. “Sempre gostei de Biologia”, informa. Essa é uma das suas alternativas para o curso de faculdade. As outras são Farmácia e Bioquímica. Sobre a nova atividade, explica: “Quero adquirir conhecimento”.
Simone de Marco - Da Agência Imprensa Oficial
10/15/2008
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