Ano começa com IR menor
Ano começa com IR menor
O desconto de Imposto de Renda na fonte para pessoas físicas já será menor este mês. A correção de 17,5% na tabela do IR, aprovada pelo Congresso, entrará em vigor com a edição de uma medida provisória pelo governo. O presidente Fernando Henrique vetou na íntegra o projeto aprovado no Congresso, mas vai garantir a correção da tabela de descontos por MP. Apesar da mudança, na prática fica garantido o que foi aprovado pelo Congresso. Pela nota tabela, passa a ser isento do pagamento de Imposto de Renda o contribuinte pessoa física que ganha até R$ 1.057,50 mensais.
As medidas foram anunciadas ontem pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan, e pelo secretário da Receita Federal, Everardo Maciel. A nova tabela não vale para a declaração relativa ao ano-base de 2001 que terá que ser entregue em abril próximo. Os contribuintes terão que fazer a declaração referente ao exercício de 2001 com base nas deduções e no limite de isenção antigos.
O veto ao projeto do Congresso, assinado ontem pelo presidente Fernando Henrique, será publicado no Diário Oficial da União de hoje, e a MP será oficializada amanhã.
Projeto abria brecha para empresas
Para evitar desentendimentos com o Congresso, Malan explicou pessoalmente a decisão a líderes governistas e ao relator do projeto, senador Paulo Hartung (PSB-ES). O ministro disse que o Executivo respeitará a decisão do Congresso.
— A decisão de corrigir a tabela em 17,5% foi tomada e será cumprida. A 15 parlamentares explicamos que o governo pretende respeitar inteiramente a decisão do Congresso e também detalhamos os motivos que nos levaram a fazer a mudança por MP — disse Malan.
O ministro explicou que três motivos levaram o governo a vetar o projeto do Congresso. O primeiro deles é que o texto da proposta não deixava claro que a medida beneficiaria apenas pessoas físicas, podendo abrir brechas para empresas também pleitearem o reajuste da tabela de descontos. O segundo é que o projeto não determinava que 2002 era o ano-base para a correção do imposto e que as alterações só valeriam para a declaração do IR de 2003. O terceiro motivo é que o projeto também deixava margem para a interpretação de que a correção poderia ser retroativa.
Everardo conta com taxação dos fundos
As perdas de arrecadação com a correção de 17,5% serão de R$ 3,31 bilhões este ano e de R$ 3,8 bilhões a partir de 2003. Isso porque a nova tabela só terá efeito, este ano, sobre o recolhimento do IRRF na fonte. As deduções com despesas de educação e o desconto-padrão da declaração do IR, que são dados apenas no momento da declaração anual, valerão a partir do ano que vem, incidindo sobre o ano-base de 2002.
A União deixará de receber R$ 1,85 bilhão desse total e estados e municípios, R$ 1,46 bilhão. Parte das perdas da União será compensada com o aumento da alíquota sobre a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido de empresas prestadoras de serviços que optam por pagar o IR com base no lucro presumido. O restante será feito com base em cortes de despesas do governo. Estados e municípios poderão ter de fazer cortes ou criar novas receitas. O secretário da Receita acredita que a maior parte dos recursos para estados e municípios poderá vir do pagamento dos impostos atrasados dos fundos de pensão.
— Pouco mais de 90% dos fundos já fizeram acordo com o governo e pagarão os atrasados. Isso deve somar cerca de R$ 7 bilhões este ano. Cerca de metade desse valor pertence aos estados e municípios e deve dar para compensar suas perdas.
Agente que espancou Dutra Pinto trabalha na enfermaria da prisão
SÃO PAULO. Um dos agentes penitenciários que agrediram o seqüestrador Fernando Dutra Pinto no dia 10 de dezembro, Mateus Messias da Silva, estava trabalhando na enfermaria do Centro de Detenção Provisória 2 (CDP-2), para onde Dutra Pinto foi levado quando começou a passar mal no dia 26. A denúncia foi feita pela advogada do seqüestrador, Maura Marques.
— Cada vez mais, eu acredito que o meu cliente foi vítima de omissão de socorro — disse a advogada.
Dutra Pinto, que seqüestrou Patrícia Abravanel, filha do apresentador Silvio Santos, ficou dez dias no castigo (uma cela menor, mais insalubre), depois de apanhar com canos de ferro por se recusar a chamar um agente de senhor durante uma revista de rotina nas celas. Ele teria sido cercado pelos agentes Ederman Vicente Mele e Antônio Carlos Rodrigues, além de Silva. Em seguida, foi espancado, mas reagiu e torceu o braço de Silva, que trabalha na enfermaria.
De acordo com a advogada, a represália veio no mesmo dia. No período em que esteve no castigo, Dutra Pinto teria sido agredido todos os dias pelos agentes. Depois, de volta à cela normal, ele começou a passar mal no dia 26, devido a uma suposta intoxicação alimentar, e morreu no dia 2 de janeiro, quando os médicos descobriram que ele estava com septicemia.
Ontem, Esdras Dutra Pinto, irmão do seqüestrador, e Marcelo Batista Sousa, que também participaram do seqüestro de Patrícia, foram transferidos do CDP-2 para o Centro de Observação Criminológica (COC) do Complexo do Carandiru. A medida foi tomada para garantir a segurança dos presos, segundo o secretário de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa.
FH vetará prisão para usuários de drogas
BRASÍLIA. O presidente Fernando Henrique vai vetar integralmente o artigo 42 da lei antidrogas aprovada no mês passado pelo Congresso. O artigo estabelece que os usuários de droga que se recusarem a se submeter a penas alternativas — que vão da prestação de serviço comunitário à cassação de licença para trabalhar — terão de ir para a cadeia.
O fim da prisão para usuário de drogas é o carro-chefe do Programa Nacional Antidrogas (PNAD) lançado pelo governo no fim do ano passado.
Também será vetado o parágrafo segundo do artigo 24, que permite que traficantes cumpram apenas um terço da pena em regime fechado. Pela Constituição, o tráfico é considerado crime hediondo, o que não permite progressão de pena. Para os procuradores de Justiça de todo o país, esse parágrafo iria amenizar a punição para o tráfico de drogas e pôr traficantes na rua. No Rio, o procurador-geral de Justiça, José Muiños Piñeiro, já tinha alertado que se esse artigo não fosse vetado mais da metade dos presos do país poderiam estar na rua no dia seguinte.
— Seria um retrocesso em matéria criminal ligada a tóxicos. Mais de 50% dos presos do Brasil são traficantes e poderiam estar na rua no dia seguinte, porque a nova lei tem efeito retroativo se for aplicada em benefício dos réus — afirmou o procurador-geral.
Artigo sobre movimentação de bens também será vetado
O artigo 18 também deve receber um veto parcial do presidente. Ele trata da receptação de drogas e das penas para quem oculta movimentação bancária ou bens provenientes do tráfico de drogas. A Secretaria Nacional Antidrogas entende que o Código Penal é mais rigoroso para esses crimes do que a lei antidrogas. Para o governo, a lei de lavagem de dinheiro, usada pelo Conselho de Controle de Operações Financeiras (Coaf), também abrange satisfatoriamente esses crimes.
Os demais artigos da nova lei antidrogas serão mantidos. O presidente tem até o próximo dia 17 para sancionar ou vetar o projeto, que foi aprovado no Congresso com 59 artigos.
Irmão de seqüestrador diz que assalto foi planejado
PORTO ALEGRE. Irmão de João Sérgio dos Santos Pereira, que manteve cinco pessoas como reféns num microônibus por 27 horas em Porto Alegre, Gélson Pereira disse ontem que o seqüestrador planejou assaltar o ônibus.
— Meu irmão é ignorante, burro e maluco. Por isso, o que deveria ser um assalto, virou um seqüestro — contou Gélson, que ajudou a Brigada Militar a convencer João a desistir da ação.
Seqüestrador pediu emprego e casa para a família
Segundo Gélson, seu irmão, que é auxiliar de cozinha e está desempregado, só aceitou se render e liberar os reféns depois que o secretário estadual de Segurança, João Paulo Bisol, prometeu ajuda para sua família.
— O João pediu para empregar a ex-mulher dele e a atual, além de uma casinha. Só aí se acalmou — disse Gélson.
Para confundir a polícia, João disse se chamar Paulo. Porém, uma briga de família acabou servindo para denunciar sua identidade. Horas depois do seqüestro, a atual companheira do seqüestrador, Elizabeth Nunes do Val, procurou a ex-mulher dele, Sílvia, mãe dos dois filhos de João — uma menina de 8 anos e um menino de 9 meses.
Elizabeth contou que João deixara uma carta para ela, anunciando o que pretendia fazer. Na carta, o auxiliar de cozinha dizia que não agüentava mais enfrentar dificuldades financeiras.
As duas discutiram. Para fugir de Elizabeth, Sílvia invadiu a casa de um vizinho, que chamou a Brigada Militar. Na discussão entre elas, os policiais descobriram quem era o seqüestrador. A polícia então levou o irmão para tentar convencê-lo a se entregar.
Policiais da Cracolândia serão denunciados hoje
SÃO PAULO. O Ministério Público de São Paulo denunciará hoje à Justiça os cinco policiais do Departamento de Narcóticos de São Paulo (Denarc) acusados de comandar o tráfico de drogas na região conhecida como Cracolândia, no Centro da capital. Hélio Carlo Barba, Guilherme Barbosa Palazzo, Alessandro Ramos da Silva, o Japonês, José Carlos de Castilho e Mauro César Bartolomeu vão responder a processo por tortura, concussão (extorsão praticada por funcionário público), roubo e abuso de autoridade. Todos estão com prisão preventiva decretada e presos no Presídio da Polícia Civil.
Segundo o procurador Alberto de Oliveira Andrade Neto, do Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), Castilho e Bartolomeu serão denunciados por concussão e abuso de autoridade. Os dois foram flagrados soltando homens algemados na Rua dos Protestantes e, em seguida, contando dinheiro. Segundo o advogado Antônio Calil, que defende os dois policiais, eles estão confiantes de que serão absolvidos.
— Apenas Castilho está abatido por causa de problemas de saúde — disse Calil.
Barba, Japonês e Palazzo serão denunciados por tortura, abuso de autoridade e roubo. O último crime do grupo foi contra uma prostituta. Ela denunciou aos promotores que os policiais entraram em seu apartamento e, depois de espancá-la, roubaram R$ 1.700.
PFL e PSDB disputam marqueteiro para a campanha de seus candidatos
BRASÍLIA. Os caciques do PFL e PSDB continuam a se tratar publicamente como aliados, mas, nos bastidores, travam uma disputa por profissionais capazes de esquentar a campanha da pefelista Roseana Sarney e do tucano José Serra. O principal alvo da guerra é o marqueteiro Nizan Guanaes. Responsável pela campanha de televisão do PFL que alçou o nome da governadora ao segundo lugar nas pesquisas, Nizan vem sendo assediado para mudar de lado. Na semana passada, recebeu um telefonema do próprio Serra, que estava na França.
Bornhausen contra-ataca e diz que Nizan fica no PFL
O PFL reagiu. Ontem, o presidente do partido, Jorge Bornhausen, disse que ligou para Nizan e conseguiu mantê-lo na campanha de Roseana. Na verdade, o contrato de Nizan com o PFL era restrito ao período pré-eleitoral. No momento, ele produz um programa que vai ao ar dia 21 e quatro inserções de cinco minutos, que serão veiculadas a partir do dia 15.
— Nós estamos muito satisfeitos com ele e ele também. Ainda hoje conversamos por telefone e ele reiterou isso — disse Jorge Bornhausen.
Como Nizan tem contrato também com o Palácio do Planalto, onde cuida exclusivamente da imagem do presidente, assessores de Roseana temiam que Fernando Henrique se empenhasse pessoalmente no assédio ao marqueteiro. Nizan costuma falar de sua afinidade com o PSDB, em particular com Fernando Henrique, e já disse que um apelo do presidente tem um peso grande. Mas, no Planalto, interlocutores do presidente garantem que ele não fará isso.
— Conversei com o presidente e ele tem sido muito correto com a candidatura da Roseana — disse Bornhausen.
Enquanto não consegue atrair Nizan para a sua candidatura, Serra já teria escalado o publicitário Nelson Biondi para promover sua imagem.
PMDB começa hoje a discutir a sucessão de FH
BRASÍLIA. O PMDB reabre hoje em São Paulo o debate interno sobre a sucessão presidencial. Na reunião da coordenação nacional do partido serão discutidos o lançamento de uma candidatura própria à Presidência da República ou um provável apoio ao candidato da base governista que estiver mais bem colocado nas pesquisas de intenção de voto. Além disso, o encontro servirá para preparar a pauta da reunião de quinta-feira entre os presidentes nacionais dos maiores partidos da aliança governista: PMDB, PFL e PSDB.
PMDB gaúcho mantémapoio a Pedro Simon
O PMDB gaúcho decidiu ontem promover uma grande festa no início de fevereiro para inscrever o senador Pedro Simon nas prévias que escolherão no dia 17 de março o candidato do partido à Presidência da República. Simon vai disputar a indicação com o governador de Minas, Itamar Franco.
— O PMDB precisa ter um candidato próprio à Presidência da República e nós apoiaremos o nome do senador Pedro Simon — afirmou o presidente regional do PMDB, deputado Cezar Schirmer.
PT quer apurar denúncias contra PSB
A bancada do PT na Assembléia Legislativa entra esta semana com representação no Ministério Público Eleitoral pedindo a investigação das denúncias de uso político de programas sociais do governo do estado. Em reportagem publicada domingo pelo GLOBO, jovens que participam desses programas disseram que são levados a participar de atos políticos de apoio ao governador Anthony Garotinho e a se filiar ao PSB.
— Isso configura o uso da máquina de forma explícita — disse o líder do PT na Alerj, deputado Artur Messias.
A vice-governadora, Benedita da Silva (PT), que deve assumir o governo em abril, criticou o governador de forma indireta, ao discursar para cerca de 400 pessoas numa plenária do partido, ontem à noite:
— Teremos cuidado com a coisa pública. Administrar significa não usar a máquina para fins eleitorais — disse, sem citar o nome do governador.
O coordenador do grupo de transição de governo do PT, Luiz Eduardo Soares, defendeu a contratação de empresas de auditoria para analisar os programas sociais do governo:
— Com um nome novo e uma linguagem renovada, estão sendo repetidas as práticas tão tradicionais do velho populismo nas reinações de Garotinho. É obrigação de instituições como o Ministério Público investigar.
O advogado Antônio Gilson de Oliveira disse que vai entrar no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) com um pedido de cassação do mandato de Garotinho por causa das denúncias. Oliveira já move uma ação contra o governo na 2 Vara de Fazenda Pública desde que recebeu denúncias de um militante que contou ter sido coagido a assinar uma ficha de filiação ao PSB como condição para receber a bolsa-auxílio de R$ 239 do programa Jovens pela Paz.
Subsecretário de Ação Social, Ricardo Bittar disse que o PT está desesperado e procura um motivo para acabar com os programas de Garotinho:
— Isso é o PT: antes de assumir, começa a brigar. É o partido da confusão, da boquinha.
Petistas iniciam debate sobre o governo do Rio
Com discursos recheados de críticas ao governador Anthony Garotinho, acusado de ocultar dados da administração pública e de preparar armadilhas para a vice-governadora, Benedita da Silva, o PT fluminense realizou ontem a primeira plenária para discutir o programa de governo que pretende implantar no estado a partir de abril. Para uma platéia de cerca de 400 pessoas, que lotou o auditório do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea), integrantes do grupo de trabalho, criado para analisar a situação do estado, disseram que têm encontrado muitas dificuldades porque Garotinho se recusa a fornecer dados sobre os projetos em andamento.
Um dos integrantes do grupo, Alexandre Rodrigues, representante da corrente Opção Socialista, disse que a atitude de Garotinho aumentou o temor de que Benedita possa herdar uma situação caótica.
— Na última reunião, discutimos o orçamento do ano que vem. Mas usamos como base apenas os dados da proposta orçamentária (já aprovada na Assembléia Legislativa), levados por nossa bancada. Não sabemos que contratos o governo está fechando e nem quando acabarão. Está ficando evidente que estão deixando cascas de banana — disse.
A deputada estadual Cida Diogo, também integrante do grupo de trabalho, afirmou ter o mesmo receio.
— Podem ter certeza de que muitas bombas de efeito retardado estão sendo feitas para explodir no colo de Benedita — afirmou Cida.
Benedita diz que é cedo para falar de secretariado
Na plenária, discutiu-se a formação de grupos temáticos que amanhã realizarão suas primeiras reuniões na Uerj. Esses grupos proporão iniciativas para serem executadas em cada área de governo, se Garotinho renunciar ao cargo para dedicar-se à campanha presidencial. Até 6 de fevereiro, os grupos temáticos devem concluir seu trabalho.
Ao elogiar a presença de representantes de entidades civis, Benedita disse que pretende contar com a participação da sociedade em seu governo, mas afirmou que só anunciará seu secretariado após a saída de Garotinho. Ela disse não temer os eventuais problemas que possa herdar do atual governador.
— Governar é a arte de errar fazendo. É melhor do que ficar na inércia — afirmou.
Artigos
Em apoio a Marina Silva
JOSÉ ARNALDO ROSSI
Neste janeiro, como em todos os janeiros desde 1939, mais uma vez todos os trabalhadores brasileiros terão descontado de seus salários o valor de um dia de trabalho a título de contribuição sindical. Os que são sócios de algum sindicato, os que não são, os que exercem atividades sindicais, os que não o fazem, os que compreendem o papel dos sindicatos, seja em relação a seus empregadores ou à sociedade democraticamente organizada, os que nunca pensaram nisso, os que livremente sustentam um sindicato e mesmo os que, por quaisquer razões, inclusive ideológicas, nunca o fizeram e, se pudessem, para sua manutenção jamais contribuiriam.
Os recursos assim obtidos são destinados a financiar a existência e as atividades dos sindicatos entre nós. Tanto de trabalhadores quanto de empresários, sendo estes custeados pela aplicação de alíquotas ao capital das empresas conforme regra estabelecida pelo artigo 580 da CLT. Trata-se da contribuição sindical obrigatória, apelido com que, envergonhadamente, o constituinte de 88 passou a designar o velho e surrado imposto sindical. Esse mecanismo faz com que a estrutura e a representação sindicais existam independentemente da vontade de empresários e trabalhadores. Ela está aí por força de decisão do Estado. No caso, do Estado Novo. Desde 39, tempo em que o Brasil, às vésperas da Segunda Guerra Mundial e fiel à inspiração fascista da carta de 37, conhecida por “polaca” exatamente por isso, olhava com interesse para as instituições criadas pelo fascismo em boa parte da Europa. Em particular as destinadas a organizar o mundo do trabalho.
A pedra de toque desse modelo de organização é o sindicato único. O Estado relaciona as atividades econômicas e as agrupa a seu talante, desenhando conjuntos que, como resultado dessa agregação arbitrária, formam as categorias econômicas. Os trabalhadores a esses conjuntos relacionados constituem categorias profissionais, também determinadas pelo Estado.
Num mesmo território, base territorial para lei, ainda fixado pelo Estado, só pode existir um sindicato patronal de uma determinada categoria econômica, a ele correspondendo apenas um sindicato de trabalhadores relativo à categoria profissional respectiva. É a unicidade sindical. Unicidade de único. Sindicato único, alicerce do modelo fascista de organização da sociedade.
Só assim é possível sindicalizar-se. O princípio constitucional da garantia de livre associação que somado ao da garantia de livre expressão compõem o fundamento mesmo dos regimes democráticos não vale, entre nós, para a estrutura da representação sindical dos interesses envolvidos nas relações de trabalho.
Essas reflexões ocorrem-nos porque a Firjan quer chamar a atenção para as possibilidades abertas pela recente discussão, travada na Câmara dos Deputados, a propósito dos limites da eficácia da negociação coletiva como forma de conciliação de interesses de empregados e empregadores, que o nosso gosto pela simplificação, interessado ou não, confundiu com reforma da CLT. Os que se opunham à prevalência do disposto em negociação coletiva sobre, inclusive, disposições legais específicas brandiram basicamente o argumento da fragilidade dos sindicatos de trabalhadores, pouco representativos, débeis, incapazes por isso mesmo de defender os interesses de seus representados. Ou seja, negociação coletiva, sim. Mas só com sindicatos fortes.
Como seriam fortes os sindicatos do Estado Novo, se foram criados exatamente para não sê-lo? Ou até para sê-lo, desde que controlados e bem comportados? Afinal é para isso que se os financia através de imposto.
É hora de romper com essa lógica. É mais do que hora de implantarmos a liberdade sindical como princípio norteador da organização sindical entre nós. Para tanto, a Firjan elaborou, como sugestão ao Congresso Nacional e para discussão de todos os interessados, projeto de lei que regulamenta as relações coletivas de trabalho.
Começando pela organização sindical, fundada na liberdade, trata do processo de negociação coletiva, inclusive da sua frustração, hipótese que deságua na conciliação e na arbitragem e, se for o caso, na greve por direito assegurada. Pretende esgotar as questões pertinentes às relações coletivas, restando as relativas às relações individuais, ou seja, as que correspondem ao contrato individual de trabalho para, aí sim, a reforma da CLT.
Admitindo parcela de razão aos opositores da proposta governamental recém-aprovada, com a qual concorda a Firjan, é preciso ir além. É preciso enterrar a unicidade adotando o princípio da liberdade sindical, recomendado pela OIT, através de sua convenção 87, a ser finalmente ratificada pelo Congresso Nacional.
Sindicatos livres, enfim livres, financiados espontaneamente através de mensalidades e contribuições fixadas em suas respectivas assembléias de sócios serão, com certeza, representativos e fortes o suficiente para enfrentar os desafios do processo de negociação coletiva.
Tramita no Senado projeto de autoria da senadora Marina Silva, do PT do Acre, que extingue a contribuição sindical obrigatória. Conviria conferir-lhe, na prática, a emergência com que, naquela casa, se examinará a proposta que reforça a negociação coletiva recentemente adotada pela Câmara. Se aprovado a tempo, em 2003, no mês da posse do sucessor do presidente Fernando Henrique, os trabalhadores poderiam, pela primeira vez desde o Estado Novo, viver finalmente um janeiro em que não se lhes expropria um dia de salário para financiar sindicatos que, exatamente por isso, não são suficientemente fortes ne m bastante livres para bem representá-los.
Não se trata de encerrar a Era Vargas, que nos deixou, entre outras virtudes, a importância do planejamento e os valores do industrialismo. Pretende-se apenas, da Era Vargas, jogar fora o lixo do Estado Novo.
Colunistas
PANORAMA POLÍTICO
Novidade na praça
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, vai inscrever-se nas prévias do PMDB, que serão realizadas dia 17 de março, para a escolha do candidato do partido a presidente. A gestação desse projeto teve início no Palácio do Planalto há mais de quatro meses, com participação direta do presidente Fernando Henrique. Jungmann será o candidato governista do PMDB.
O plano palaciano é ambicioso, mas de viabilidade complexa. Além da tentativa de derrotar os candidatos oposicionistas do PMDB — Pedro Simon e Itamar Franco — a estratégia implica planos futuros: se conseguir vencer as prévias, o ministro ficaria em teste até um determinado momento e depois abriria mão de sua candidatura para o PMDB compor com o PSDB. Aí ele seria o vice de José Serra.
Para tentar garantir pelo menos a primeira parte — ir com chances às prévias — os envolvidos no projeto acreditam que conseguirão convencer os dirigentes peemedebistas a dedicar boa parte do horário político do partido à exploração da imagem do ministro Jungmann. Para mostrar, por exemplo, que é um dos ministros mais conhecidos do governo Fernando Henrique, é corajoso e tem formação política.
— Para mim essa é uma novidade. Mas não vejo problema em termos mais um candidato às prévias. O PMDB é um partido aberto — dizia ontem o ex-ministro Eliseu Padilha, logo depois da reunião do PMDB gaúcho que acabou decidindo pelo fortalecimento da tese de candidatura própria no partido.
O plano pode até ter sido bem pensado por cabeças coroadas de Brasília, mas não se pode dizer que é fácil Jungmann ganhar as prévias no PMDB. Ele filiou-se ao partido em setembro, de última hora — já dentro do plano — e pouco conhece da máquina partidária. A não ser que a cúpula do PMDB, que sempre fez restrições às candidaturas de Simon e Itamar, resolva abraçar de vez esse projeto governista. É esperar.
José Serra não chegou da França só ontem, como anunciado. Está no Brasil desde a semana passada, quando esteve no Alvorada. O motivo de tanto mistério nem os amigos sabem.No embalo
Entusiasmado com os resultados do ano passado, o presidente da Câmara, Aécio Neves, diz que não vai aceitar corpo mole dos parlamentares no primeiro semestre por causa do ano eleitoral. Garante que manterá a Câmara funcionando normalmente até junho e anunciará nos próximos dias a pauta que considera possível.
Antes de entrar em assunto novo, Aécio pretende eliminar os pendentes. O segundo turno da emenda que permite a participação do capital estrangeiro em empresas de comunicação será a primeira votação do plenário depois de 15 de fevereiro. Ele quer também encerrar de vez a apreciação do projeto de previdência complementar do servidor público, que se arrasta há quase dois anos.
Depois quer aprovar parte da reforma tributária — o fim da cumulatividade de impostos — o projeto de fidelidade partidária e a emenda que permite a regulamentação do sistema financeiro por projetos complementares. Além da prorrogação da CPMF.
— A produção na Câmara só vai cair a partir de julho. O que é natural em qualquer Parlamento do mundo em ano de eleições gerais. Antes disso não há justificativa para vivermos clima de recesso branco. E não se trata de inventar pauta. Ela existe, é exeqüível e importante para o país — disse Aécio ontem.
Emprego: outros números
O ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, apresenta números novos para contradizer os que foram aqui apresentados ontem sobre a criação de novos empregos no país entre 1999 e 2002. A meta do governo era possibilitar a geração de 7,8 milhões de postos de trabalhos, mas as estimativas indicam que o total do período ficará em torno de 3,5 milhões.
O ministro diz que as projeções apontam para 4,2 milhões de empregos novos entre 1999 e 2002, mas que são relativos apenas ao mercado formal de trabalho. Se forem usados os dados estatísticos do governo e de institutos de pesquisas, além de estudos sobre os empregos informais — 1,2 milhão em 1999 e 2000 — o resultado é outro.
— Aí estaremos criando no segundo mandato do presidente mais de oito milhões de empregos formais e informais — diz.
O MINISTÉRIO dos Transportes vai querer ouvir os dirigentes das empresas de transporte de passageiros que pretendem promover uma fusão: a 1001 e a Cometa. Como trata-se de serviço público permissionado pelo Estado, o processo de fusão precisa ser autorizado pelo governo federal. Técnicos do setor acreditam que a fusão poderá ter algum tipo de dificuldade. A Lei 2.521, sobre as concessões para o setor, faz restrições à fusão de empresas que operam na mesma linha. É o caso da 1001 e da Cometa que exploram o filé Rio-São Paulo.
FH LIGOU ontem de manhã para Aécio Neves e Ramez Tebet para justificar a decisão do governo de substituir o projeto que corrigiu as tabelas do Imposto de Renda por uma medida provisória. E ainda pediu que o ministro Pedro Malan fizesse o mesmo. Para Aécio, o importante é preservar o princípio do projeto. Já está claro, diz ele, que o esforço pela aprovação da correção foi do Congresso.
Editorial
Oportunidade
A desvalorização da moeda causa inevitáveis mudanças nos preços. E na proporção que o governo argentino acabou de anunciar para o peso (28,57%), é bastante provável que essa mudança de preços relativos seja acompanhada de algum desabastecimento do mercado interno. Aliás, prateleiras vazias já eram vistas em Buenos Aires antes do fim de semana. Até que fiquem mais claros os ganhos e perdas causados pela mudança no câmbio, é natural que os produtores se retraiam, pois nesse momento na Argentina quem tem bens reais tende a estar mais protegido do que aquele que possui ativos financeiros (a começar pela própria moeda nacional).
O desabastecimento seria o maior obstáculo para o êxito das medidas recentemente anunciadas pelo governo argentino. E o problema é que o país está sem crédito e não terá condições de importar maciçamente, pelas vias convencionais, para regularizar seu mercado.
É nessa hora que o Mercosul deve se comportar efetivamente como um bloco econômico. Em outras palavras, os países do Cone Sul não podem fechar suas portas para a Argentina.
Como se trata de uma situação delicada e excepcional, os governos devem agir para que o comércio no âmbito do Mercosul funcione da melhor maneira possível. E no caso do Brasil, a principal economia do mercado comum, além da ajuda solicitada pelo governo argentino para fornecimento de medicamentos, espera-se a liberação de créditos que possam deixar as empresas privadas mais seguras em relação às vendas para o país vizinho.
Se o risco de desabastecimento for neutralizado, mais rapidamente os impactos da desvalorização do peso serão absorvidos pela economia argentina, e, em conseqüência, também pelo Mercosul, ajudando a restabelecer a normalidade.
A crise argentina vinha até aqui ameaçando implodir o Mercosul, o que seria lamentável depois de tantos avanços obtidos. Agora a Argentina está caminhando em uma outra direção e o Mercosul faz parte da solução para a crise de nosso vizinho. Assim, na verdade o Mercado Comum do Cone Sul está agora diante de mais uma oportunidade para se consolidar e crescer. Isso vai depender de ações concretas por parte dos governos que compõem o bloco econômico. Divergências e atritos devem ser postos de lado ou até es quecidos para que a fase crítica seja superada. Se o Mercosul provar que é suficientemente resistente para superar essas adversidades, todos os países membros serão beneficiados e sairão fortalecidos perante o resto do mundo.
Embora já muito batido, vale reprisar a citação do ideograma chinês que designa crise, e significa simultaneamente ameaça e oportunidade. A crise argentina era, antes, a ameaça; agora, é a oportunidade.
Topo da página
01/08/2002
Artigos Relacionados
Fevereiro começa com impacto inflacionário menor, aponta FGV
Saturnino: "NYT não tem a menor isenção"
Otimismo dos empresários é cada vez menor, diz CNI
Número de falências é o menor em 6 anos
CNI: medo do desemprego é o menor em 14 anos
Desemprego de agosto é o menor em dez anos