Áreas de risco não devem receber infraestrutura, sugerem consultores



Tragédias como a que aconteceu na região serrana do Rio de Janeiro podem ser evitadas se o poder público impedir a ocupação de áreas de risco e não levar infraestrutura a essas localidades. A avaliação é de Victor Carvalho Pinto, consultor de Desenvolvimento Urbano do Senado.

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De acordo com ele, a legislação ambiental proíbe a construção em áreas íngremes, que estão sujeitas a deslizamentos, e nas alagadiças. No entanto, em vez de retirar as pessoas que ocupam essas áreas perigosas, ele acusa o Estado de oferecer infraestrutura a elas. Assim, a localidade passa a atrair mais população. Victor Carvalho destaca que mais de 90% das pessoas que residem em localidades impróprias não iriam para lá sem os serviços de infraestrutura, como energia elétrica.

- Se a legislação proíbe, o Poder Público não pode dar a estrutura. Hoje essas pessoas não têm para onde ir. Mas, originalmente, não poderia ter havido permissão para ocupar áreas de risco - explica o consultor, que já foi assessor jurídico da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República, da Associação Nacional do Solo Urbano (ANSUR) e da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano do município de São Paulo.

O especialista também destaca que existem mitos sobre a ocupação de encostas de morros e outros locais considerados de risco. Nas favelas já consolidadas, por exemplo, mais da metade das pessoas moram de aluguel, o que significa, segundo ele, que a ocupação não é apenas para resolver problema de moradia das pessoas, mas é também um negócio imobiliário.

- Não é verdade que todas as famílias instaladas nessas áreas são paupérrimas. Alguém ocupa grande parte da área, constrói uma habitação para si e várias outras para alugar. Há uma visão romântica de que cada família ocupa um único lote - alerta.

Causas

É natural acontecer deslizamentos de terra quando chove, explica o consultor legislativo da área de meio ambiente do Senado, Carlos Henrique Tomé. No entanto, o que deveria ser apenas um evento da natureza acaba se transformando em catástrofe porque as cidades cresceram de forma desordenada nessas localidades, especialmente com a ocupação dos morros.

No Rio de Janeiro, avalia o consultor, desastres como o recente ocorrem porque as cidades crescem ignorando áreas de risco.

- Os deslizamentos de terra são fenômenos naturais e ocorrem sempre que chove numa encosta. O problema é que há uma cidade lá embaixo. Com ou sem cidade, nessas áreas haverá deslizamento. O natural deslocamento das encostas não causaria tragédias se não houvesse cidades na região - resume Carlos Tomé.

Nessa linha, ele indica que o problema é agravado quando a cidade for cortada por rio, uma vez que os sedimentos provenientes do deslizamento se acumulam no leito e impedem o fluxo natural das águas. Assim, o rio transborda e, em consequência, acontecem enchentes.

O também consultor de Meio Ambiente do Senado, João Carlos Baptista, explica que as calamidades surgem em razão da ocorrência de eventos climáticos extremos, com longos períodos de seca e excesso de chuvas. Esse desequilíbrio acontece devido às mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global. Com a densidade pluviométrica superior à média, observa, localidades até então não consideradas com área de risco passam a ter essa condição.

Mesmo em municípios em que os morros não estão ocupados, alerta João Baptista, poderá haver desastres em consequência do desmatamento. De acordo com o Código Florestal (Lei 4.771/65), a vegetação natural localizada em topo de morros, montes, montanhas e serras deve ser mantida como Área de Preservação Permanente (APP). Também em encostas com declividade superior a 45 graus, a legislação exige preservação da totalidade da vegetação na linha de maior declive.

A principal finalidade da preservação das florestas, explica João Carlos Baptista, não é manter a biodiversidade, mas proteger as reservas hídricas e evitar deslizamentos e assoreamento dos rios. Na opinião dele, isso reduziria as calamidades decorrentes de chuvas intensas. No entanto, em chuvas com volume acima do comum, pode acontecer de a água não ser retida ainda que sejam tomados esses cuidados.

Soluções

Para resolver o problema de áreas já ocupadas, Victor Carvalho Pinto sugere que o Poder Público indenize as pessoas, da mesma forma que faz quando precisa construir uma estrada ou uma linha de metrô, e não permita novas ocupações em áreas de risco. O mapeamento e estudos geotécnicos também devem ser adotados em todos os municípios, recomenda. Ele citou que muitas localidades no Rio de Janeiro e São Paulo adotaram essas medidas e houve redução dos alagamentos e deslizamentos de terra.

- Se forem feitos mapeamentos, se o poder público parar a infraestrutura e remover as construções feitas em áreas de risco, independente do volume de chuvas não haverá calamidades. O problema será resolvido - enfatiza.

Victor Carvalho lembrou que o Estatuto das Cidades (Lei 10.257/01) não exige tal mapeamento, problema que poderá ser sanado pela aprovação de projetos de lei que tramitam no Congresso. Como exemplo, ele citou o Projeto de Lei do Senado (PLS 65/10), do então senador Renato Casagrande, que altera a legislação ambiental para assegurar a adoção de medidas que evitem calamidades. Entre essas medidas, a proposta prevê o mapeamento e delimitação de áreas de risco no plano diretor municipal.

A proposta de Casagrande também modifica a lei que trata do serviço público de energia elétrica (Lei 10.438/02) para proibir atendimento em áreas de risco. A implantação de redes de distribuição deve respeitar o plano diretor municipal e a legislação urbanística.

Já na avaliação de Carlos Henrique Tomé, o caminho mais seguro para evitar tragédias é o planejamento das cidades. Para ele, o plano diretor de cada município deve indicar as áreas em que pode haver expansão. Assim, observa, além de direcionar a ocupação para áreas seguras e preservar os recursos naturais, o plano diretor deve orientar a implantação de zonas residenciais, indústrias e outros setores urbanos em áreas adequadas.

Para João Carlos Baptista, os governos municipal, estadual e federal devem estar estruturados e preparados para enfrentar as consequências das mudanças climáticas. Ele reconheceu que existe carência de estudos m ais profundos sobre o problema, uma vez que os efeitos das mudanças climáticas são relativamente recentes.



31/01/2011

Agência Senado


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