Brasília, uma história com mais de 200 anos



Brasília completa 47 anos neste sábado (21), mas a história da capital da República remonta de fato a mais de dois séculos. A inauguração da cidade, em 21 de abril de 1960, pelo então presidente da República, Juscelino Kubitscheck, coroou um esforço que se iniciou com as pregações de Hipólito José da Costa, feitas a partir de 1813 em sucessivos artigos no Correio Braziliense, editado em Londres. O jornalista sugeria "a interiorização da capital do Brasil, próxima às vertentes dos caudalosos rios que se dirigem para o norte, sul e nordeste".

Hipólito, contudo, não teria sido o primeiro a falar na mudança da capital. Há até quem credite a idéia ao Marquês de Pombal (1699-1782). No fim das contas, o que os registros históricos revelam é que a transferência da sede do poder federal para o interior povoou a mente de muitos brasileiros engajados na luta política, chegando a fazer parte do ideário da Inconfidência Mineira (1798) e de movimentos revolucionários nordestinos. Acabou por ser incorporada aos planos estratégicos dos mandatários portugueses. Em 1809, um ano depois da transferência da corte de Portugal para o Rio de Janeiro, William Pitt, primeiro-ministro do Reino Unido, teria recomendado a construção de uma "Nova Lisboa" no Brasil central, "por motivos de segurança".

Papel decisivo na consolidação da mudança da capital do Rio de janeiro teve o conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva, que em 1821 redigiu a pauta de propostas da "bancada brasileira" para os aditamentos à Constituição. Dessa pauta, teria se originado a publicação na qual se defende a fundação da capital do reino, já com a denominação de Brasília, "no centro do Brasil, entre as nascentes dos confluentes do Paraguai e Amazonas".

Em prosseguimento aos esforços de José Bonifácio de Andrada e Silva, o Parlamento voltou a discutir o assunto durante a legislatura de 1852, quando o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, visconde de Porto Seguro, defendeu a mudança. Ele próprio teria realizado, em 1877, a primeira expedição ao Brasil Central, tendo apontado como local mais apropriado "para a futura capital da União Brasílica" o "triângulo formado pelas lagoas Formosa, Feia e Mestre d'Armas, das quais manam águas para o Amazonas, para o São Francisco e para o Prata!".

A questão viria à tona novamente com a Proclamação da República. O artigo 3º da Constituição republicana de 1891 dizia expressamente: "Fica pertencente à União, no Planalto Central da República, uma zona de 14.000 km², que será oportunamente demarcada, para nela estabelecer-se a futura Capital Federal". Foi o marechal Floriano Peixoto, segundo presidente da República, quem deu objetividade ao texto, constituindo a Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil (1892), sob a chefia do geógrafo Luís Cruls, que, depois de histórica expedição, apresentou relatório detalhado da mesma zona indicada por Varnhagen, uma área retangular que ficou conhecida como Retângulo Cruls.

Até a Constituição de 1946, pouco se falaria no assunto, apesar de a Constituição de 1934 ter estabelecido como meta a transferência da capital federal para o interior. Constituída em 1953, outra comissão delimitou a área da futura capital entre os rios Preto e Descoberto, e os paralelos 15º30' e 16º03', abrangendo parte do território dos municípios goianos de Planaltina, Luziânia e Formosa. Em dezembro de 1955, o presidente da República em exercício, Nereu Ramos, por meio de decreto, transformou a Comissão de Localização da Nova Capital do Brasil em Comissão de Planejamento da Construção e da Mudança da Capital Federal. Em setembro de 1956, foi lançado o concurso nacional do Plano Piloto de Brasília.

Esses passos legais deram-se em meio a um clima político que conspirava para a mudança. Interpelado por Antônio Soares Neto, o Toniquinho, durante um comício de sua campanha eleitoral, em 1955, na cidade goiana de Jataí, Juscelino respondeu que a transferência estava prevista na Constituição, e que seria efetivada. Em outubro de 1956, já como presidente, Juscelino assinou o primeiro ato no local da futura capital, com a proclamação que se tornou histórica: "Deste planalto central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino".

Em março de 1957 instalou-se a Comissão julgadora do Concurso Público para a escolha do Plano Piloto da cidade de Brasília, vencido pelo urbanista Lúcio Costa. O arquiteto Oscar Niemeyer, por sua vez, viria a ser o criador dos principais prédios e monumentos da capital.

No mesmo ano, iniciaram-se os trabalhos de construção, com a formação de um núcleo original com o nome de Cidade Livre, rebatizado posteriormente de Núcleo Bandeirante. Para ali se dirigiram os trabalhadores que ergueriam a cidade, chamados de candangos, juntamente com comerciantes e os primeiros funcionários públicos.

Bancada política e administrativamente por Juscelino, a construção de Brasília enfrentou oposição por ferir vários interesses, principalmente ligados ao Rio de Janeiro, que perderia sua condição de capital. Daí a escolha do engenheiro e deputado mineiro Israel Pinheiro para chefiar a empreitada. Segundo informação obtida no Arquivo Histórico do Distrito Federal, "a construção da nova capital teria que iniciar e terminar durante o mandato presidencial - 31 de janeiro de 1956 a 31 de janeiro de 1961. Tratava-se de obra com fortes implicações e resistências políticas. Israel Pinheiro reunia as qualidades para desempenhar o desafio, além de ser um parlamentar do PDS."

Construída e inaugurada em um momento de grande auto-estima nacional, Brasília refletiu os ideais desenvolvimentistas encarnados por Juscelino, que se expressavam em todos os campos da vida nacional, como o futebol campeão do mundo em 1958, e a música, que conquistaria os palcos internacionais ao ritmo da Bossa Nova de Tom Jobim e João Gilberto. O primeiro, por sinal, foi o autor da Sinfonia da Alvorada, peça que marcou a inauguração de Brasília.

O esforço heróico dos construtores e operários foi simbolizado pela atuação do presidente que passava boa parte do tempo em Brasília instalado no Catetinho, uma modesta construção de madeira, que só no nome poderia ser chamado de palácio, por ostentar o diminutivo do Palácio do Catete, a residência presidencial no Rio.

Inaugurada a moderníssima cidade, sua povoação transcorreu lentamente, assim como a transferência total dos órgãos públicos. Hoje inteiramente urbanizada, a cidade já tem uma história considerável, marcada por lances dramáticos, como o golpe militar de 1964; o fechamento do Congresso Nacional, em 1968 e em 1977; a eleição indireta de Tancredo Neves e José Sarney, em 1984; a morte de Tancredo, em 1985; a posse de Fernando Collor, o primeiro eleito em eleições diretas depois do regime militar, em 1990, e sua deposição em dois anos depois; seguindo-se a normalidade da vida democrática.

Símbolo de uma era de otimismo, a capital que surpreendeu o mundo pelo arrojo de suas linhas urbanísticas e sua arquitetura inusitada ainda cria novidades, assim como seu arquiteto maior. Próximo de fazer 100 anos, Oscar Niemeyer continua trabalhando. E vê mais dois projetos serem entregues à cidade: o Museu da República Honestino Guimarães e a Biblioteca Nacional Leonel de Moura Brizola, inaugurados em dezembro do ano passado. Erguidos na Esplanada dos Ministérios, ao lado da catedral, os edifícios integram e completam o Complexo Cultural da Re pública.



20/04/2007

Agência Senado


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