Cimi protesta contra transferência de demarcação de terras para o Congresso
As propostas de emenda à Constituição (PECs) que transferem a responsabilidade da demarcação de terras indígenas do Executivo para o Congresso Nacional foram duramente criticadas nesta segunda-feira (2) em debate no Senado. Índios e representantes de comunidades indígenas acusaram a bancada ruralista de ser a principal patrocinadora dessas iniciativas.
Durante audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado (CDH), o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, disse que as propostas “criam ainda mais obstáculos ao reconhecimento e à demarcação de terras indígenas, haja visto o grande poder da bancada ruralista no Congresso”. Além disso, ele argumenta que as PECs são inconstitucionais, pois prejudicariam o equilíbrio entre os poderes. O Cimi é vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O principal alvo dos protestos é a PEC 215/00, que “inclui entre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas”. Essa proposta tramita na Câmara em conjunto com outras 11 matérias que também tratam da demarcação de terras.
Outra proposta criticada é a PEC 38/99, que apresenta teor semelhante: a proposta transfere do Executivo para o Senado – e não para o Congresso – a responsabilidade de aprovar a demarcação das terras indígenas. Essa matéria tramita no Senado.
Ao repetir que tais iniciativas prejudicam o processo de demarcação, Cleber Buzatto disse que a morosidade nesse processo contribui para a violência no campo, especialmente para os conflitos de terras entre índios, de um lado, e fazendeiros e outros ocupantes, de outro.
Segundo Gercino da Silva Filho, presidente da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, vinculada ao governo federal, entre as principais causas da violência no campo (e não somente aquela praticada contra os índios, mas também contra trabalhadores rurais) estão a presença de pistoleiros nas fazendas, os despejos sem ordens judiciais e a grilagem de terras – que é a apropriação indevida de áreas públicas por meio da falsificação de documentos.
Fronteira agrícola
Para o senador João Capiberibe (PSB-AP), que solicitou a audiência desta segunda-feira, essa violência é resultado da ausência do Estado. Ele advertiu que, “onde não existe Estado, alguém exerce o poder em seu lugar, resultando na lei do mais forte”.
- É assim em muitas favelas do Rio de Janeiro, é assim no campo. Vira faroeste – exemplificou.
Ao destacar que os assassinatos no meio rural são uma constante, o senador lembrou da morte de Chico Mendes, em 1988, e da irmã Dorothy Stang, em 2005.
– Mas esse tema saiu da pauta de discussão da Câmara e do Senado – lamentou.
Capiberibe associou a violência no campo dos últimos anos ao avanço da chamada fronteira agrícola, acrescentando que “o Brasil, como sexta economia do mundo, não pode conviver com brutalidades feitas em nome do capital, em nome da produção agrícola”.
Pistoleiros
Citando dados do relatório divulgado pelo Cimi no mês passado (Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2011), Cleber Buzatto afirmou que 51 Índios foram assassinados no Brasil em 2011, sendo 32 em Mato Grosso do Sul. E esse número poderia sido maior, caso tivessem sido consumadas 94 tentativas de assassinato, sendo 85 somente naquele estado.
Como exemplo da violência nessa região, Cleber citou o caso de Nísio Gomes, cacique guarani-kaiowá da comunidade Guayviri, em Mato Grosso do Sul, que atuava como defensor dos direitos indígenas e está desaparecido desde novembro do ano passado. Segundo índios do acampamento onde Nísio estava, o cacique foi morto a tiros e seu corpo foi levado por pistoleiros. O relatório do Cimi é dedicado a Nísio Gomes.
Os números do Cimi, no entanto, foram diferentes dos apresentados por Gercino da Silva Filho, presidente da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo. Um exemplo: de acordo com os dados apresentados por Gercino, houve no ano passado 12 homicídios provocados por motivação agrária – a discrepância chama atenção porque os dados da comissão são mais abrangentes, já que não se restringem aos indígenas.
Segundo Gercino, a diferença existe porque a Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo considera apenas os assassinatos causados por conflitos agrários, enquanto o Cimi teria registrado todos os homicídios no campo, como se todos fossem decorrência desse tipo de conflito. Mas o representante do Cimi observa que talvez os dados apresentados por Gercino não contemplem adequadamente os conflitos fundiários que envolvem os povos indígenas, concentrando-se nos casos com trabalhadores rurais não-indígenas.
02/07/2012
Agência Senado
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