Circo-Escola São Remo leva lazer e conhecimento para a comunidade
Localizada entre a Cidade Universitária e a favela São Remo, instituição oferece atividades de circo, dança e teatro
De um lado está a Cidade Universitária, considerada centro de estudos e pesquisa. Do outro, a Favela São Remo, com problemas socioeconômicos, como violência, desemprego e tráfico de drogas. Entre as duas realidades, há o Enturmando/Circo-Escola São Remo, onde jovens de cinco a 17 anos desenvolvem atividades complementares às realizadas na escola. No local, há também espaço para adultos, nos cursos de inclusão digital e oficinas de geração de renda familiar. A unidade realiza cerca de 700 atendimentos por mês à população carente da comunidade.
São oferecidas aulas de circo, dança, teatro, música, esporte, capoeira e educação infantil. Elas são baseadas num projeto anual, elaborado com o intuito de discutir valores e transmitir conhecimentos. Este ano, com o tema Vivendo e Aprendendo, os alunos trabalham questões como preconceito, direitos e solidariedade.
A atividade mais procurada na instituição, a arte do circo, é ensinada pelo casal Rosana Timóteo Zamboti e Isidoro Zamboti Filho. Ela é fascinada por contorcionismo. Ele, ex-jogador de futebol, prefere a cama elástica e os espetáculos aéreos.
De acordo com eles, a maioria dos interessados é atraída pela lona, mas no decorrer das aulas alguns mudam de idéia e decidem fazer outra oficina. Além das aulas práticas, são realizados workshops epesquisas.
Rosana conta que o grau de dificuldade varia de pessoa para pessoa, mas “é preciso muita concentração”. Considera que o picadeiro aumenta a auto-estima dos jovens. “Eles se sentem importantes e adoram se apresentar, com maquiagem e purpurina”, explica a professora. Além disso, “o circo ajuda a tirar as crianças da rua”, completa Isidoro.
Allan Aparecido da Silva é mais um que se apaixonou pela atividade. Há oito anos no Enturmando, tornou-se voluntário da turma e ajuda os iniciantes a se desenvolverem. Entre as atividades circenses, o jovem quer se especializar no tecido – técnica de movimentação, poses e quedas num pano suspenso no ar. Se depender dele, o futuro será mesmo no picadeiro. “Quero me apresentar e dar aula”, afirma. Determinação não falta. Quando a mãe se mudou para Santo André, o garoto foi morar com a avó, em São Remo, para ficar perto do Circo-Escola.
História modelo
O professor de dança Luciano Farias dos Santos é considerado um símbolo da instituição. Já foi aluno e hoje ensina as crianças da mesma comunidade onde vive. Por isso, considera-se um privilegiado. “É difícil viver de arte aqui”, avalia o mestre, que arrebatou uma das poucas oportunidades.
Antes, Luciano chegou a trabalhar numa locadora de filmes, onde aproveitava o tempo livre para fazer coreografias. Com o apoio dos pais, resolveu dar aulas gratuitas na garagem de casa. Foi então que surgiu a chance de trabalhar no Circo-Escola. “Fiz curso técnico e tive de me especializar”, recorda. Há oito anos na unidade, o professor reconhece que virou um modelo para os alunos. “Eles se espelham na minha experiência”, diz.
A proposta das aulas de música é ensinar aos alunos os ritmos de percussão e bateria, independente da situação. Na festa junina, por exemplo, aprenderam músicas típicas da data com esses instrumentos. “A gente prepara para os eventos e também interage com a proposta anual”, assegura o professor Étore da Silva Odair. Como o foco da turma este ano é discutir o preconceito e o respeito ao próximo, ele insere o assunto na abordagem sobre os tipos musicais.
“A comunidade só conhece a dança do créu”, revela. Por isso, fez uma busca de estilos, para ensinar que funk não é só isso, além do que existem outros ritmos. Para Étore, a ansiedade é a maior dificuldade dos alunos. “Eles chegam eufóricos e querem extravasar a energia aqui”, argumenta. Ele chega a emprestar instrumentos aos que se interessam, porque as crianças têm pouco contato com a música. Acostumado a dar aula em conservatórios, o professor encara a experiência no Circo-Escola como um desafio. “Me pergunto como posso contribuir para mudar a realidade da comunidade, já que é comum cinco, dez pessoas dividirem um cômodo”. Ele lembra que, logo no começo, passou por momentos difíceis. “Havia alunos que não paravam em nenhuma atividade e desafiavam os instrutores. Não dá para impor ordens, isso só rompe o contato”, acredita ele, que optou por insistir na ajuda.
Barulho bom
O improviso é a base das aulas de teatro. O trabalho também engloba técnicas e dinâmicas entre os alunos. De acordo com a educadora Naelba Afonso, a impostação da voz é a maior dificuldade. A professora de artes cênicas, que trabalha no local há sete anos, conta que a sua estratégia para lidar com isso é a sala ao lado. “O barulho da turma de música faz com que eles falem mais alto para eu entender”, justifica.
Os treinamentos esportivos ocorrem de acordo com a idade. A turma de sete e oito anos faz exercícios mais lúdicos, com jogos de pula-corda e queimada. Como a maioria gosta de futebol, no fim das aulas sempre joga bola. Já os mais velhos recebem as primeiras noções de modalidades esportivas – handebol, vôlei e atletismo. Às sextas-feiras é a vez do aperfeiçoamento técnico com os selecionados. “Avalio a freqüência, participação e desenvoltura do aluno”, avisa o educador Jurandir de Souza.
O treinamento mais específico auxilia na formação dos atletas, mesmo que esse não seja o propósito. “O objetivo é formar cidadãos, mas quando os clubes procuram, a gente indica”, esclarece o professor. É assim também com a capoeira. Nas aulas, além de lutar, as crianças aprendem a reciclar. A proposta é ensiná-las a confeccionar os instrumentos musicais típicos da atividade, como pandeiro e berimbau, feitos com material reciclado. O professor Aurélio de Freitas Ferreira conta que os jovens utilizam as peças nas apresentações.
Brincadeira séria
Os menores (cinco e seis anos) aprendem Matemática, linguagem oral e escrita, noções de natureza e higiene. Tudo com muita diversão. Por exemplo, numa simples brincadeira de mímica, as educadoras Celsa Borges da Fonseca e Rejane Cibele Bordignon transmitem conceitos de concreto e abstrato. O Enturmando oferece também aulas de bordado e pintura em tecido para mulheres com mais de 18 anos. Essas atividades são direcionadas à promoção da geração de renda e à integração da família com o espaço. No entanto, de acordo com a diretora educacional Telma Coffani, a prática tem ajudado pessoas a se livrarem da depressão.
Cinco unidades abertas
Enturmando Circo-Escola é um programa estadual que oferece atividades esportivas, culturais e de lazer a pessoas em condição de exclusão social, prioritariamente crianças e adolescentes de sete a 17 anos. Funciona em prédios públicos, localizados próximos a comunidades carentes, e dotados de quadras poliesportivas, salas para aulas de arte-educação e oficinas culturais, além de amplo espaço para o picadeiro. A atividade circense é o símbolo do programa e ocorre em todas as unidades.
Confira endereços
Enturmando São Remo – Rua Aquianés, 13 – Jardim São Remo/Butantã. Tel. 3765-0459. Entidade conveniada responsável: Instituto Criança Cidadã
Enturmando Grajaú – Rua Ezequiel Lopes Cardoso, 333 – Grajaú. Tels. 5927-3361 / 5925-4015. Entidade conveniada responsável: União dos Moradores da Comunidade Sete de Setembro
Enturmando Vila Penteado – Avenida Padre Orlando Garcia da Silveira – Vila Penteado. Tel. 3981-0988. Entidade conveniada responsável: Promove Ação Sócio Cultural
Enturmando Vila Ré – Rua Santo Henrique, 50 – Vila Ré. Tel. 2684-3601. Entidade conveniada responsável: Associação Cristã de Moços
Enturmando Águia de Haia – Rua Arbela, 07-A – A. E. Carvalho. Tel s. 6280-3122 / 3661-6227. Entidade conveniada responsável: Instituto Criança Cidadã
Ana Garrido, da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social
C.C.
06/25/2008
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