Collor diz que viajará pelo país para "rever a gente brasileira"




Nascido no Rio de Janeiro, o político pelo estado de Alagoas Fernando Collor de Mello já passou praticamente por todos os cargos eletivos do país: foi prefeito de Maceió, deputado federal, governador de Alagoas, presidente da República e, agora, conquistou o mandato de senador em uma campanha curta e por um partido com pouco tempo de propaganda na televisão. Na próxima semana, solicitará licença de quatro meses junto à Mesa do Senado e, durante o período, viajará pelo Brasil e participará de debates já previamente agendados, a convite de centros de ensino e de outras entidades da sociedade civil.  

Em entrevista à Agência Senado, Collor faz uma rápida avaliação de sua vida política, diz que pretende conhecer ainda mais o Brasil atual, expressa pontos de encontro e desencontro em relação ao governo Lula e afirma não acreditar que o Senado Federal esteja mergulhado em uma crise política em virtude do episódio Renan Calheiros. 

Sobre projetos futuros, Collor é cauteloso. Lastreado nos episódios que o levaram a vários cargos públicos, o senador afirma que o seu futuro "pertence à mão do destino".

O senhor já foi prefeito, deputado federal, governador, presidente e, agora, é senador. Como analisa o Senado, que teve papel ativo na suspensão dos direitos políticos do senhor quando exercia a Presidência da República? 

Quando entrei no Senado, mesmo sendo a Casa que me tirou os direitos políticos por oito anos, em uma sessão em que houve uma violação brutal à Constituição, confesso que me senti bem. Fui bem acolhido, tratado com generosidade pelos meus pares, cheguei com vontade de aprender muito e dar a minha contribuição aos debates desenvolvidos nesse importante espaço político. Foi uma sensação muito positiva.

Há muita diferença em atuar no Senado e em outras áreas por onde o senhor já passou?

Em primeiro lugar, há uma diferença fundamental entre o Executivo e o Legislativo. Quanto ao Legislativo, há diferenças marcantes, por exemplo, entre o exercício da atividade política na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Lá, o debate é mais aceso, o tom tem diapasões acima do que se verifica no Senado, onde se encontram pessoas mais experientes, com vida política mais longa e onde os debates alcançam níveis, diria, mais cuidadosos, respeitosos. O Senado é onde todos se comportam como camaradas, como pessoas de uma comunidade, uns ajudando os outros nas propostas que fazem e apresentam. O clima no Senado é mais tranqüilo, mais calmo. 

O senhor se sente mais um homem de Legislativo ou de Executivo? 

Mais de Executivo, embora a experiência parlamentar tenha me trazido muitos ensinamentos, sobretudo agora no Senado. No Senado se aprende bastante e para quem já esteve do outro lado da praça [Palácio do Planalto, na Praça dos Três Poderes], como no meu caso, é uma ótima oportunidade ver as coisas também por outros enfoques. É mais fácil agora perceber como se comporta o Senado em relação ao Palácio do Planalto, como os humores mudam em função de ações do governo, como o Planalto reage em relação a decisões do Congresso. Para resumir, essa minha passagem pelo Senado é um aprendizado.

O senhor anunciou que vai se licenciar por quatro meses. A decisão tem algo a ver com a chamada crise política que de alguma forma ronda o Senado?

A primeira pessoa a quem comuniquei esta minha decisão foi ao presidente Lula, no dia 21 de março, quando recebeu em audiência a bancada do PTB. Falei ao presidente, e também depois ao senador Renan Calheiros, que a decisão não tinha relação com qualquer tipo de crise ou problema político maior. Senti necessidade de atender a muitos convites para debater assuntos diversos. Muitos desses convites foram feitos antes mesmo de ter explicitado os temas que vêm me mobilizando no Senado - a reforma política, o sistema de governo, a questão ambiental, a geopolítica regional. Quando levei esses assuntos ao Plenário, houve muito interesse em relação a dois temas em particular: a reforma política e o parlamentarismo. Pretendo circular pelo Brasil, há muito tempo que não mantinha uma relação mais estreita com a população brasileira. São muitos os convites de entidades, não estão cabendo nem mais na agenda. Infelizmente, esta decisão coincidiu com os fatos eclodidos recentemente no Senado, daí as ilações de que a licença que solicitarei poderia estar vinculada a outros fatos conjunturais. Mas esta suposta relação não existe.

Alguma ida ao exterior?

Nada programado para fora, vou circular apenas dentro do Brasil

Quais seriam os pontos de encontro e desencontro entre o governo do senhor e o de Lula ? 

A agenda que o meu governo implantou em 1990, o projeto de reconstrução nacional, continua aí, em nada foi modificada. Todos aqueles que me sucederam deram prosseguimento a esse projeto de governo, acentuando mais um lado ou outro, mas está tudo aí: a abertura econômica, a quebra de monopólios, a questão da desestatização, a modernização industrial, a Lei Rouanet, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o conjunto de leis ambientais que elaboramos, a lei Zico que recebeu o nome de Pelé depois de ajustada em alguns pontos, na minha opinião para pior. Lembro-me da questão da cultura. Quando assumi, o governo estava concedendo muitos subsídios em várias áreas, com as inevitáveis renúncia fiscal e perda de arrecadação. Mandei suspender todos os subsídios, incluídos aí alguns que incidiam sobre a área da cultura. Lembro-me que neste momento a classe artística reagiu com uma virulência inaudita contra mim e, na ocasião, lembrava aos artistas que faria uma lei para atender a demanda nessa área. Veio a Lei Rouanet, que acabou por dinamizar a cultura, gerando prêmios aos artistas no Brasil e no exterior. Vários pontos me identificam com o governo Lula, com destaque para a política que objetiva a estabilidade econômica e o compromisso social do presidente, algo que deve ser ressaltado. 

Os programas sociais tocam o senhor?

Tocam bastante.

Mas parece que também há desencontros. Por exemplo, o senhor vem questionando fortemente em Plenário aspectos da política externa do governo.

Acho que há uma diferença de enfoque, de visão. Em relação a isso, o que eu pontuo é que existem duas carreiras típicas de Estado no Brasil: a militar e a diplomática. Nelas, de modo geral, o ingresso se dá por meio de provas e a ascensão por estudos e capacitação. Essas carreiras são delineadas pela hierarquia e disciplina, dois princípios fundamentais. No Itamaraty, a hierarquia vem sendo quebrada. Nós temos hoje três pessoas comandando a política externa. Duas de maneira formal, o ministro [Celso Amorim] e o secretário-geral [Samuel Pinheiro Guimarães), um para fora e outro para dentro, e um terceiro, informal, que fala em nome do presidente da República, é recebido por chefes de Estado e governo com mais consideração que o próprio ministro das Relações Exteriores - refiro-me ao senhor Marco Aurélio Garcia. Em uma carreira construída ao longo do tempo ecultuada como uma das melhores do mundo, isso causa estranheza. Em virtude desses fatos, tenho alguns enfoques diferentes de como conduzir a questão externa. Tivemos o episódio da Bolívia quanto à questão do gás, temos o governo da Venezuela admoestando o Brasil sem necessidade, há o problema da Colômbia que, com ações bem sucedidas, acaba empurrando para as nossas fronteiras molhadas os guerrilheiros das FARC, temos o Equador cujo presidente eleito já reivindica parte do território amazônico, há a questão dos brasileiros instalados na Bolívia em terras férteis que podem ser retirados de onde estão por força de um projeto de reforma agrária que, aliás, deve receber aporte do governo brasileiro de vinte milhões de reais. Em relação ao Paraguai, um ex-sacerdote, que vem obtendo índices importantes em sua candidatura, faz um discurso agressivo, dizendo que Itaipu é deles e denuncia o suposto caráter imperialista do Brasil. Tais problemas causam-nos preocupação, pois a política externa brasileira tem sido reativa, não vem desenhando cenários externos com cuidado como, por exemplo, o que poderia ocorrer com a eleição de um presidente democrata nos Estados Unidos. 

Há viés ideológico nesta política externa à qual o senhor faz reparos?

Tem um viés ideológico sem dúvida, equivocado, que está levando a nossa política externa a perder espaços importantes. Outro equívoco é esta luta insana travada pelo Itamaraty, dentro das Nações Unidas, para que o Brasil tenha um assento no Conselho de Segurança. Isso é uma quimera, os cinco países que detêm o controle do Conselho não vão permitir que essa situação, que lhes dá o poder de veto, seja alterada. Além do mais, acho que o Brasil deveria estar encetando uma política mais sólida de acordos bilaterais. Veja o fracasso da Rodada de Doha: o Brasil juntou-se à Índia e a China, achando que a rodada pudesse ser alterada em relação aos subsídios cobrados pelo G8 e a Rússia. A Índia chegou, tirou seu time de campo e quebrou a estratégia brasileira. Os indianos perceberam que para a economia deles os acordos bilaterais eram mais proveitosos. 

O senhor também critica os métodos internos da carreira que vêm sendo adotados no Itamaraty.

Para ser embaixador nos Estados Unidos, o escolhido deve ser um diplomata muito preparado, que já tenha experiência em postos importantes.Enviaram como embaixador para Washington uma pessoa muito boa, Antônio Aguiar Patriota, porém muito novo. Foi ministro de primeira classe, chefe de gabinete do ministro e, seis meses depois deste posto, foi para os Estados Unidos. Pode até ser um gênio que me leve depois a me penitenciar em relação às minhas preocupações atuais, mas quanto a decisões estratégicas não se pode improvisar. Outro detalhe: o Itamaraty sempre foi muito seletivo, daí o sucesso em suas missões e o prestígio aos olhos de outros países. Hoje, aquela Casa abriu demais as portas. Por exemplo, o inglês não é mais exigido como uma língua classificatória. No último concurso, foram aprovados rapazes e moças com notas abaixo de dois pontos nesse quesito. No mundo moderno de hoje, como vamos ter um diplomata que vai aprender o inglês no exercício da profissão?Vai andar com intérprete? Este é o ponto fraco do governo. Embora reconheça no ministro Celso Amorim muitas qualidades, talvez em função da forma como foi inserido no processo, ele tenha se acomodado e não tenha adotado uma postura mais rígida, do tipo "eu sou ministro inteiro e não aceito repartir minhas atribuições". 

O senhor vem defendendo a realização de uma nova conferência ambiental mundial em 2012 no Brasil. Ela tem viabilidade?

Na audiência que tive com o presidente Lula, defendi que o governo brasileiro devia se voltar mais para o problema do aquecimento global, inclusive inserindo com freqüência o tema nos discursos protocolares. O governo não pode fugir de suas responsabilidades, afinal o Brasil é hoje o quarto maior emissor de CO2 na atmosfera - 200 milhões de toneladas produzidas na Amazônia e o resto em outras regiões. Lembrei que seria interessante o Brasil tomar a iniciativa, ser a vanguarda na mesma linha do que significou a Rio92, realizar um encontro mais reduzido, daí a proposta Rio + 20. Além do mais, em 2012 serão comemorados 20 anos da Rio92 e expirará o Protocolo de Kyoto, quando então o Planeta estará sem uma orientação normativa na área do meio ambiente. O ministro Celso Amorim enviou-me ofício informando que o presidente citou a proposta em discurso em 8 de junho em encontro na Alemanha, que reuniu o G8 e mais cinco outros países. O presidente também tratou do assunto com o secretário-geral da ONU [o sul-coreano Ban Ki-Moon], que teria se mostrado encantado com a idéia. O Itamaraty estaria formatando uma proposta para ser apresentada oficialmente à ONU. Tenho esperança de que a proposta avance. Outra notícia alvissareira: o presidente Bush está convocando uma reunião com os 15 países mais poluidores do mundo para ver o que fazer com o aquecimento global.

A quem cabe a responsabilidade pelas questões do meio ambiente?

A questão do meio ambiente é grave. Se reduzirmos a emissão de gases hoje a zero, o estrago continuaria grande, pois o Planeta não poderia mais ser regenerado tomando por base suas condições mais originais No máximo conseguiríamos que o Planeta não entrasse em colapso antecipado no tempo. Temos de mudar hábitos, costumes, alterar investimentos, utilizar mais transporte público, não usar energia quando desnecessária, descartar embalagens de plásticos e adotar outras medidas no cotidiano. Pessoalmente, venho adotando novos hábitos, embora essa preocupação com a questão do consumo desnecessário vem desde a época de meu pai [Arnon de Mello], que tinha um senso de economia muito grande. Os governos têm grande responsabilidade quanto à geração de normas para a área ambiental, mas novas posturas individuais são necessárias. Não se concebe que depois da Rio92, há 15 anos, quando 160 nações do mundo assinaram tratados, conceberam a chamada Agenda 21, estejamos vivendo esta calamidade ambiental em escala planetária. Como presidente e cidadão, achava que depois da Conferência a questão ambiental iria avançar bastante, mas isso não ocorreu. Um paradoxo: houve um avanço maior antes da Rio92, pois, quando o encontro foi anunciado, muitos países correram, adotaram programas para não ficar, como se diz, mal na foto. Acho que o anúncio da Rio + 20 poderá surtir um efeito positivo quanto à nova ação ambiental dos países, com destaque para aqueles que hoje agridem mais a natureza.

O senhor lidera uma Frente Parlamentarista no Congresso. Vê alguma possibilidade na adoção desse regime de governo?

O parlamentarismo é um debate atual. O presidencialismo traz um vírus que eclode em crises periódicas. Desde Deodoro, proclamador, nenhum presidente foi eleito e escolhido dentro das mesmas regras que os seus antecessores. O único foi Lula, agora na reeleição. Figueiredo foi indicado pelo Colégio Eleitoral para um mandato de seis anos, Tancredo veio pelo Colégio Eleitoral já sem fidelidade partidária e para um mandato de cinco anos, no meu caso o mandato foi delimitado emtrês anos e nove meses,Fernando Henrique Cardoso recebeu o governo das mãos de um vice e depois voltou já com a regra da reeleição; só o Lula teve uma seqüência mais natural. Isso é o presidencialismo. Agora vem a Câmara e, a título de anistiar e beneficiar parlamentares que trocaram de partido, arquiteta uma fidelidade de três anos e a prevaricação por trinta dias. O presidencialismo não passa um semestre sem crise, afetando obviamente a governabilidade do país. O parlamentarismo é um sistema que traz no seu gene a responsabilidade e a co-responsabilidade, embora para funcionar bem exija mudanças nas regras eleitorais e na legislação pertinente à vida política nacional - voto distrital, fidelidade, obrigatoriedade de cursos de formação de quadros pelos partidos, não-obrigatoriedade do voto, financiamento público de campanha, lista fechada. 

O senhor concorda com a tese de que o Senado está em crise?

O Senado vem funcionando internamente, mesmo que com uma obstrução ou outra. Foram votadas matérias nesta semana, na semana passada também vários projetos foram apreciados. As comissões temáticas e as CPIs funcionam e, mais importante, a opinião pública também está funcionando e acompanha o desenrolar das crises - questão Renan, o apagão aéreo, esta marola do S upremo [o julgamento do "mensalão" pelo Supremo Tribunal Federal]. Os Poderes estão funcionando e a imprensa está atenta. Devemos exaltar que a democracia brasileira, aos poucos, nesses processos traumáticos, vai se fortalecendo, vai forjando suas têmperas, ganhando musculatura para outros embates se vier a ser atacada no futuro. Não percebo internamente, no Senado, uma crise. Se houvesse, o Senado estaria paralisado. O anúncio da obstrução não impediu o Senado de trabalhar.

O senhor já afirmou que se sente mais vocacionado para o Executivo. Algum projeto nessa direção no futuro ou é melhor deixar a vida correr?

Deixar a vida correr. Tenho o mandato de senador, tenho a oportunidade de circular pelo Brasil, rever o país, a gente brasileira, perceber os seus anseios, ouvir a juventude , tomar o pulso da nação. Em Brasília a gente fica um tanto anestesiado, ali é um pouco uma ilha da fantasia. O parlamentar normalmente tem a realidade do seu estado e de Brasília. No meu caso, essa busca mais ampla de contato ressalta-se ainda mais pois estou afastado há longos anos da atividade política mais ampla. Do mesmo jeito que fiz aprendizados importantes no Senado, nesse início de mandato, conversando com colegas, vendo como a Casa funciona, preciso fazer a mesma coisa em relação à gente brasileira. Tem de ser agora, 2008 é um ano eleitoral e 2009 fica muito distante do início do mandato. 

Mas não existiria no projeto do senhor outra alternativa que não simplesmente o exercício do mandato de senador? Descarta outras possibilidades?

É difícil dizer "não descarto", pois alguém iria afirmar que mais à frente eu poderia ser candidato a outros cargos. Na minha vida política há uma participação muito forte da mão do destino. A minha vida política foi assim. Como prefeito, deputado, governador, presidente, senador. Meu pai dizia, quando eu era jovem, em conversa com minha mãe, que todos os meus irmãos davam para a política, menos eu. Ele me enxergava como uma pessoa mais mística, distante da política. Na época, não gostei muito do comentário, embora realmente não gostasse de política, saía da sala quando alguém chegava para conversar temas dessa ordem. Quando prefeito, os vereadores foram reclamar ao meu pai de algumas decisões que tomei na direção de ajustes administrativos e meu pai me pediu mais calma. Quando meu pai adoeceu, a pedido de minha mãe acabei saindo deputado. Depois, fui ajudar o nosso candidato ao governo, ele renunciou à postulação e, com o apoio de Ulisses Guimarães, acabei governador. Depois da Presidência não pensava mais em ser candidato a nada, pois experimentava um momento bom da minha vida mas, de repente, virei candidato a senador, com poucos dias para a campanha e quase nada de tempo de televisão. O futuro pertence à mão do destino. A ele competirá definir, como vem fazendo até agora, o que no futuro eu poderei pleitear, e isso se vier a pleitear mais alguma coisa além do mandato que ora exerço.

24/08/2007

Agência Senado


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