Economizar virou 'comprar barato', critica psicóloga
Movimento na Rua 25 de Março, principal zona de comércio popular em São Paulo
Distribuir cartilhas, organizar palestras e oferecer cursos de planejamento do orçamento doméstico podem ajudar na educação financeira dos brasileiros. Mas não é suficiente.
— O importante é educar quanto ao consumo, e não para o consumo — afirma a professora de psicologia social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Inês Hennigen, uma das poucas especialistas de fora dos tribunais a estudar o superendividamento.
O que aparenta ser uma sutileza semântica envolve questões educacionais e culturais profundas, que desafiam os legisladores e os estudiosos da área de defesa do consumidor. A expansão do crédito, principalmente após 1994, na esteira do Plano Real, produziu um enorme contingente de endividados — principalmente nos últimos cinco anos, com o surgimento da chamada nova classe média.
Cerca de 65% das famílias estão penduradas em cheques pré-datados, cartões de crédito, carnês de lojas, empréstimos pessoais, seguros e prestações de carro, segundo uma pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC) com dados do mês passado. Dessas famílias, 22,4% estão com contas em atraso; 7,4% não terão condições de pagá-las.
O endividamento no cartão de crédito é, disparado, o maior de todos (75,2%). Isso é resultado de campanhas agressivas de marketing (que apresentam esse meio de pagamento como indispensável), de práticas abusivas (como o envio a quem não solicita) e de concessões indiscriminadas (com oferta a quem claramente não tem condições de pagar).
Cada vez mais, segundo a professora Inês, os consumidores estão deixando de quitar a conta mensal. Muitos pagam o mínimo de 15% da fatura e caem na cilada dos juros extorsivos.
Na avaliação do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, no livro Vida a Crédito, o cliente mais interessante para o sistema financeiro é o que não consegue pagar a fatura integral. Essa armadilha pode culminar no superendividamento.
Calcular o risco, pondera Inês, envolve “um bom saber” em matemática — algo que a maioria dos brasileiros não tem, devido à baixa qualidade do ensino. Apenas 32,5% das crianças do quinto ano absorvem o conteúdo de matemática, caindo para 14,7% no final do ensino fundamental e 11% no fim do ensino médio, conforme o Anuário Brasileiro da Educação Básica, com dados do Ministério da Educação.
— Como querer que as pessoas entendam os cálculos de juros praticados pelas instituições financeiras e planejem seus orçamentos? — questiona a professora.
Infância
Além desse despreparo, o consumidor enfrenta o bombardeio da publicidade, com ofertas de crédito fácil, a longo prazo, focado nas prestações, e até para aqueles com restrições no Serasa e no SPC, acrescenta Inês, que conclui em dezembro uma pesquisa sobre essas campanhas veiculadas em fôlderes, pelos jornais e pela TV. Slogans anunciados por supermercados, como “economizar é comprar bem” ou “pague menos e leve mais”, mostram, segundo ela, que a ideia de economizar não está mais associada à poupança, mas sim à de comprar mais barato e obter vantagens.
A indução para usar cartão de crédito começa na infância. Bancos já oferecem cartão de débito em substituição ao dinheiro — a mesada eletrônica, para crianças de 6 a 13 anos. O Banco Imobiliário, um dos jogos mais populares nessa faixa etária, substituiu as cédulas de papel pelo cartão. Os brasileiros aprendem desde cedo a expressar afetividade por meio de bens materiais para comemorar datas como Natal, Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais e Dia da Criança.
— A publicidade reforça isso — diz a professora.
Com toda essa engrenagem publicitária e a falta de qualidade na educação, não se pode classificar o consumidor brasileiro como gastador e impulsivo.
— Ele não é impulsivo por si próprio, mas é impulsionado por toda essa engrenagem publicitária — conclui Inês.
22/08/2013
Agência Senado
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