Em entrevista, Lula fala como presidente eleito









Em entrevista, Lula fala como presidente eleito
SÃO PAULO e RIO. Em entrevista ontem à noite à Rede Bandeirantes, o candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, chamou o adversário tucano José Serra de desagregador, admitiu renegociar as dívidas de estados e municípios e apresentou propostas falando como se já estivesse eleito. Previu que o primeiro ano de governo vai ser muito difícil e disse que, se eleito, quer rediscutir o orçamento ainda em dezembro com o presidente Fernando Henrique:

— Temos um estudo sobre o custo de cada investimento, de cada coisa que vamos fazer, e onde vamos buscar o dinheiro. Vamos mostrar que é possível fazer se a gente controlar melhor os gastos, controlar a corrupção nas concorrências públicas. Assim, a gente dá os primeiros passos que o Brasil precisa para sair desta encalacrada. Vamos ter um primeiro ano muito difícil. O orçamento previsto é de R$ 327,9 bilhões e só tem para investimento quase R$ 7,8 bilhões — disse.

“O FMI não será problema”, afirma o petista
Sobre o acordo com o Fundo Monetário Internacional, disse:

— O FMI não será problema. Na medida em que a gente retoma o crescimento da economia e começar a ter superávit comercial, o impacto do FMI termina. O que não vamos aceitar é que o FMI diga que política econômica queremos fazer. Vamos determinar a política econômica do nosso país.

Lula disse que vai se reunir periodicamente com os governadores, se for eleito:

— Tenho dito que a cada 90 ou 120 dias vou ter reuniões com os governadores. Vou me reunir sistematicamente com os os prefeitos das capitais. Vou me reunir com todos os partidos entre a vitória e a posse.

Sobre a possibilidade de renegociar as dívidas de estados e municípios, afirmou:

— Obviamente, nunca poderia assumir que vamos rever as negociações feitas. Mas todos os casos serão analisados, porque aqueles que tiveram distorções terão de ser corrigidos. Até porque muitos acordos não foram bem feitos.

Lula afirmou que já esperava que o PT fizesse a maior bancada da Câmara e disse que vai trabalhar para ter uma maioria bem mais significativa para aprovar as medidas que pretende implementar. Ele chamou Serra de desagregador e disse que é muito mais capaz do que o adversário de unir forças em torno da Presidência.

— Se não for eu, quem será capaz de manter uma relação democrática com o Congresso? Meu adversário é a figura mais desagregadora que a política produziu nos últimos anos.

Serra, que também deu entrevista à Bandeirantes, criticou as coligações feitas pelo PT e disse que a maioria que seu governo poderia formar no Congresso seria superior a que o PT formaria:

— Eles estão juntando banana com laranja (nas coligações) a troco de nada e isso está sendo feito à custa de negociações e concessões. Quem tem melhores condições de oferecer uma maioria no Congresso somos nós.

O tucano também disse que, se for eleito, os problemas da economia poderão ser controlados rapidamente.

Ele atribuiu as turbulências na economia ao processo eleitoral.

— Grande parte dos problemas se deve à incerteza do que se vai ter nas urna. Em época de eleição há um hipercriticismo como se o país fosse ser governado por críticas — afirmou, dizendo que as críticas de Lula à economia são exageradas.

Ontem de manhã, Lula participou de uma carreata em São Paulo com o candidato do PT ao governo, José Genoino, e a prefeita Marta Suplicy.

— Esta carreata marca o início da semana mais longa da minha vida — disse Lula, no alto de um carro de som.


Ibope: no RS, Rigotto tem 58% e Tarso, 35%
Segundo a última pesquisa do Ibope, divulgada sábado no “Jornal Nacional”, a uma semana da eleição, o candidato petista ao governo do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, não conseguiu reduzir a diferença de intenções de voto em relação ao adversário peemedebista, Germano Rigotto. Na verdade, Rigotto subiu um ponto percentual e está com 58% das intenções de voto, contra 35% de Tarso. O índice de indecisos é de 5% e o de eleitores dispostos a votar em branco ou nulo, 2%. Rigotto tem 62% dos votos válidos e Tarso, 38%.

Já o governador de Santa Catarina, Esperidião Amin (PPB), que disputa a reeleição, e o candidato do PMDB, Luiz Henrique Silveira, estão rigorosamente empatados, com 44% das intenções de voto. Em relação à consulta anterior, Amin caiu um ponto e Luiz Henrique manteve o mesmo índice. Os indecisos, que deverão ser o fiel da balança na eleição, passaram de 8% para 10%. Os eleitores dispostos a votar em branco ou nulo somam 2%.

No Pará, a disputa também está acirrada. Maria do Carmo (PT) lidera com 49% e está tecnicamente empatada com Simão Jatene (PSDB), que tem 46%. Só 4% dos eleitores estão indecisos, enquanto 1% declarou que votará em branco ou nulo. Considerando-se apenas os votos válidos (com a exclusão dos indecisos e dos que votarão em branco ou nulo), Maria do Carmo tem 52% e Jatene, 48%.

O Ibope entrevistou 1.600 eleitores em Santa Catarina, em 78 municípios, entre 15 e 17 de outubro. A margem de erro é de 2,5 pontos percentuais para mais ou para menos. No Rio Grande do Sul, foram duas mil entrevistas em cem municípios, entre 15 e 18 de outubro, com margem de erro de 2,2 pontos percentuais. No Pará, o Ibope entrevistou 1.200 eleitores em 49 municípios, entre 15 e 18 de outubro. A margem de erro é de 2,8 pontos percentuais. Dos três estados, é em Santa Catarina que o candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, abre a maior vantagem sobre o candidato do PSDB, José Serra, com 61% a 27%.

Rejeição de Rigotto é de 15% e de Tarso, 34%
Além de liderar a sucessão gaúcha, Rigotto tem outra vantagem: seu índice de rejeição é 19 pontos menor do que o de Tarso. Segundo o Ibope, 15% dos eleitores disseram que não votarão de jeito nenhum em Rigotto e 34%, no candidato do PT. No Pará, o candidato mais rejeitado é Jatene: 34% dos eleitores disseram que não votarão nele de jeito nenhum. O índice de rejeição de Maria do Carmo é de 29%. Lula lidera no Pará com 54% a 41%. No Rio Grande do Sul, Serra reduz a diferença e tem 41%, contra 49% de Lula.


Ataques e alertas na reta final
No último domingo antes do segundo turno da eleição, os dois candidatos à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e José Serra (PSDB), ocuparam o programa da noite do horário eleitoral para trocar acusações e alertar os eleitores sobre as contradições que um diz haver nas propostas do outro. Lula disse que Serra e o presidente Fernando Henrique Cardoso não podem fugir da responsabilidade pelos erros do governo que, segundo o petista, estão na origem da crise econômica. Chamou ainda o candidato tucano de irresponsável por “tentar amedrontar o povo brasileiro”. Usando a mesma expressão dita pelo presidente Fernando Henrique semana passada, Serra afirmou que Lula praticará um estelionato eleitoral e enganará o povo, se cumprir os compromissos assumidos com os empresários, ou levará o Brasil à ruína.

— Se Lula fosse eleito, estaríamos diante de duas possibilidades: ou ele cumpriria seus compromissos recentemente assumidos com os empresários e estaríamos, assim, diante do maior estelionato eleitoral depois da eleição de Collor; ou, se tentasse cumprir suas promessas mágicas feitas à população, levaria o Brasil à ruína — afirmou Serra.

Lula: “É inaceitável a tática dele”
Lula denunciou a “política econômica totalmente equivocada” e enumerou dados que, segundo o candidato, retratam a deterioração da economia nos últimos oito anos. Citou o aumento da dívida pública em 466% e os 12 milhões de desempregados como conseqüências do caminho escolhido pelo governo que, a s eu ver, priorizou o pagamento dos juros da dívida, com sucessivos empréstimos, em detrimento da produção.

— É inaceitável a tática usada pelo candidato do governo que tenta, nesta última semana antes das eleições, e de forma absolutamente irresponsável, amedrontar o povo brasileiro, falando inclusive dos riscos dessa crise para a nossa economia, como se a culpa por essa crise não fosse deles. É de se perguntar: se ele sabe como resolver essa crise, por que já não fez isso antes, se desde o começo do governo ele sempre foi um de seus homens mais forte e influentes, tendo inclusive sido ministro do Planejamento? — perguntou Lula, ironizando as afirmações do candidato tucano de que é a pessoa mais preparada para conduzir o país.

Serra: “Pode voltar a superinflação”
Depois de citar os três fundamentos de sua política econômica — controle da inflação, responsabilidade fiscal e credibilidade junto aos investidores — Serra dedicou-se a enumerar as contradições que identifica no discurso de Lula, criticando-o por fugir dos debates e evitar a discussão dessas questões.

— Não pretendo vender aqui o Lula como um demônio perigoso, coisa que muitos fizeram no passado e que, na minha opinião, não é correto, está errado. Mas, se o Lula não é um demônio, ele também não é um santo. Lula é um candidato como eu, que pode e deve ser questionado.

Para o tucano, são incompatíveis o compromisso de responsabilidade fiscal, assumido por Lula junto ao FMI, e as promessas de aumento do salário-mínimo e de grandes reajustes para o funcionalismo.

— Para o povo, Lula diz que vai manter a inflação baixa. Mas, ao longo da campanha, assumiu tal número de compromissos que, para serem cumpridos, terão como conseqüência inevitável a volta da superinflação — disse Serra, para em seguida atacar as alianças do petista com “os políticos mais comprometidos com o atraso”.

Além de contestar as acusações de Serra, Lula, que falou antes, disse que sua equipe tem a colaboração dos economistas mais experientes do país. E acrescentou que já identificou o que é preciso fazer para tirar o país da crise. No fim de seu pronunciamento, o petista assumiu o favoritismo que as pesquisas mostram e, por duas vezes, disse que seu governo promoverá o diálogo e não perseguirá ninguém, usando a expressão “governo de paz”:

— O meu governo será um governo de paz, sem mágoas e sem rancores, e terá como marca registrada o entendimento e a negociação.

Serra insistiu nas críticas às propostas do PT que, segundo o candidato tucano, são superficiais e inconsistentes.

— A campanha do PT tem sido de encantar e cantar, sem se aprofundar nas discussões das mudanças que propõe.

Assim como outros parlamentares e dirigentes do PT, o secretário-geral do partido, Luiz Dulci, não viu novidades no pronunciamento de Serra no horário gratuito.

— Ele (Serra) apenas repetiu o que tem dito. Os ataques não deram resultado no primeiro turno e também não devem surtir efeito agora.

Já o líder do PSDB na Câmara, Jutahy Magalhães Júnior (BA), elogiou o pronunciamento do tucano e afirmou que o programa de ontem atingiu o objetivo de mostrar de forma explícita as contradições de Lula.

— Mostramos que a mudança tem caminhos seguros e inseguros. Cumprimos nosso dever de fazer um chamamento à realidade e um alerta para o que pode acontecer no futuro — comentou Jutahy.


Trocando de endereço
A pouco mais de dois meses do fim do governo Fernando Henrique Cardoso, cresce o movimento dos servidores do Executivo rumo à aposentadoria. Segundo o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, mais do que dobrou o número de pedidos de aposentadoria entre os funcionários públicos. Em setembro de 2001 foram 404 solicitações, contra 846 solicitações no mês passado. Este ano, a média mensal já está em 633, contra a média de 519 em 2001.

O ministro da Fazenda, Pedro Malan, é um dos funcionários de carreira que pretende se aposentar neste fim de governo. Ele entrou com seu pedido no início do mês, segundo um assessor. Malan, de 59 anos, é funcionário do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) há 37 anos. Antes de tornar-se ministro da Fazenda, exerceu outros cargos importantes, como presidente do Banco Central e diretor-executivo do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, também já avisou que deixará o serviço público na mudança de governo.

A renovação de cargos com a troca de governo pode fazer também com que cerca de dois mil funcionários, hoje em cargos de comissão, antecipem suas aposentadorias (neste caso, com vencimentos proporcionais).

Segundo o Planejamento, a maioria dos servidores com cargos mais altos na hierarquia do serviço público, os chamados DAS 5 e 6 (secretários-executivos, presidentes de autarquias e fundações e diretores) tem mais de 50 anos de idade e é composta por candidatos potenciais à aposentadoria. A idade média dos funcionários com DAS 6 é de 53 anos, requisito mínimo para que se entre com o pedido.

Serviço público perde experiência
De acordo com o secretário-adjunto de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Antônio Casella, é natural um aumento das aposentadorias em épocas de eleição. Em 1993, 14.199 servidores pediram aposentadoria e, no ano seguinte, esse número subiu para 17.601, o que representou um crescimento de 23,95%.

Ele ressalta, no entanto, que além de afetar ainda mais as despesas com pessoal inativo, o desligamento em massa de funcionários de áreas estratégicas pode significar perdas para a administração pública. Somente este ano, o governo investiu no treinamento de 1.802 funcionários com cargos de confiança, informa a Enap (Escola Nacional de Administração Pública).

Segundo o economista Raul Velloso, sempre há perda para a administração pública nos momentos de transição, principalmente nos setores estratégicos do governo.

— Além da paralisia nas funções menos burocráticas, você perde pessoas difíceis de serem repostas — afirma Velloso.


Tesouro: há colchão para o pagamento da dívida
BRASÍLIA. O secretário do Tesouro Nacional, Eduardo Guardia, prevê que a alta exagerada do dólar — que já elevou a dívida pública de 53% do Produto Interno Bruto (PIB), em dezembro de 2001, para cerca de 60% do PIB em agosto deste ano — deve ceder depois das eleições.

— Não dá para explicar o que aconteceu com a economia nos últimos meses pelo câmbio, pelo risco-país ou pela taxa de juros do mercado futuro. Os fundamentos da economia não mudaram. É uma questão de expectativa — disse Guardia.

Tesouro tem R$ 60 bi para resgatar títulos este ano
Apesar de os juros e o dólar, principais indexadores da dívida pública, estarem subindo, ele garante que não há risco de o governo não honrar seus compromissos. Para o curto prazo, o governo tem dinheiro em caixa e já está conseguindo rolar mais títulos do que esperava em meio à turbulência.

Para o Tesouro, se o superávit se mantiver em 3,75% do PIB, o dólar, nos atuais R$ 3,90, e a economia crescer 3,5%, a estabilização da dívida estará assegurada.

Segundo o secretário, o caixa do Tesouro conta atualmente com R$ 117 bilhões, dos quais R$ 60 bilhões podem ser usados para resgatar os títulos públicos que vencem até o fim do ano. Outros R$ 25 bilhões ingressarão com o pagamento de dívidas de estados e municípios à União, com os superávits primários do governo (diferença entre receitas e despesas públicas sem contar gastos com juros) e pela própria remuneração dessa conta do Tesouro.

— Trata-se de um colchão mais do que confortável para o caso de não se rolar nada até o fim do ano, o que não vai a contecer. Nas últimas seis semanas, mesmo com essas turbulências, estamos rolando uma média de R$ 2 bilhões semanais — afirmou o secretário.


Qual a melhor forma de proteger sua aplicação?
Em tempos de inflação e juros em alta, além de incerteza sobre o futuro, a palavra-chave dos analistas financeiros para aconselhar sobre investimentos é proteção. Isso vale para aplicadores de todos os cacifes. Os analistas, porém, divergem sobre qual a melhor forma de ser cauteloso. Uns acreditam que a aplicação diversificada das economias em vários ativos — “não deixar todos os ovos na mesma cesta” — é a forma mais prudente de esperar a poeira baixar. Outros dizem que o melhor caminho é não mexer nas economias:

— Vivemos uma crise estrutural. Não conjuntural. O momento é de extrema cautela. O melhor é deixar o dinheiro onde estiver — opina José Nicolau Pompeo, professor de matemática financeira da PUC-SP, lembrando que a mudança de investimento implica o pagamento de impostos, como a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Para cada dívida ou despesa certa, uma aplicação
Esta não é a visão do responsável pela área de renda fixa da Sul América Investimentos, Guilherme Abbud.

— Este é o momento de abrir mão da rentabilidade e buscar a segurança da diversificação — atesta Abbud.

Na opinião do gestor, o aplicador não deve ficar fora dos fundos DI, por exemplo, considerados conservadores por garantirem, no mínimo, a rentabilidade da taxa básica de juros (Selic), que subiu de 18% para 21% ao ano na segunda-feira passada.

Esses fundos são formados por títulos pós-fixados (LFTs): a cada mudança de juros, eles acompanham a oscilação e passam a render mais. Na última sexta-feira, os juros futuros, cujas taxas são negociadas na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) estavam projetando 24,25% ao ano para janeiro.

Se a regra é proteção e se existe perspectiva de alta da inflação, vários executivos, como o da Sul América Investimentos, também recomendam aplicar parte dos recursos disponíveis, até 20%, em fundos com rendimentos atrelados ao IGP-M (Índice Geral de Preços de Mercado, da Fundação Getúlio Vargas), que dão lastro maior para eventual alta da inflação.

— A composição do índice de mercado é diferente do IPCA, que o governo utiliza para monitorar a meta da inflação — explica Márcio Appel, gestor de fundos do Santander. Enquanto o IPCA pega os preços do varejo, 60% do IGP-M são constituídos pelos preços do atacado, grande parte relacionada à variação do dólar.

Appel, porém, concorda com o professor Pompeo e tem orientado seus clientes a manterem investimentos casados. Ou seja: para cada despesa fixa ou dívida, manter uma aplicação específica.

— É hora de correr poucos riscos — diz.

Nesse contexto, para quem é totalmente conservador, o gestor do Santander indica os chamados fundos de liquidez, que aplicam os recursos por um dia ( overnight ) em títulos do governo e são remunerados pela Selic.

— Esses fundos são recomendados para o investidor que não tolera que seu patrimônio sofra variação em real — diz.

Abbud ressalta que, dependendo do perfil do investidor, é aceitável até direcionar uma parte dos recursos para a compra de ações, que são consideradas ativos reais.

— Para médio e longo prazos, a bolsa vale a pena porque, no mínimo, protege o investidor da inflação — ressalta o executivo da Sul América.

Segundo ele, estudos revelam que alguns países viveram momentos de bom desempenho das bolsas depois de terem passado por rupturas. Exemplos: a Rússia, que deu o calote da dívida, e a Malásia, que centralizou o câmbio.

— Talvez porque a expectativa das crises puniu muito esses mercados, por meio da fuga de capitais. Quando o fluxo foi restaurado, as bolsas dispararam — diz Abbud.

Appel, do Santander, até considera bolsa uma boa alternativa de médio e longo prazos, desde que se saiba escolher as empresas nas quais investir. O gestor do Santander reforça, porém, que a melhor forma de proteger o patrimônio é a aplicação casada: para quem tem dívida em dólar, por exemplo, os fundos cambiais ainda funcionam, mesmo diante da forte valorização da moeda americana.

Fundos multicarteira são opção para proteger-se
Para quem está livre de compromissos certos, Appel insiste na proteção das aplicações mais conservadoras e mais flexíveis, como os fundos multicarteira, que têm a liberdade de transitar por vários ativos:

— Esses fundos têm a vantagem de aproveitar as melhores oportunidades do momento, sem as mesmas exigências que os fundos de investimentos tradicionais. Nos multicarteira, os gestores buscam as melhores oportunidades de ganho e proteção.

Seguindo a linha conservadora, os analistas não recomendam a migração para os fundos de privatização da Petrobras a trabalhadores que aplicaram parte dos recursos do seu FGTS nos da Vale do Rio Doce.


Artigos

Ato de invasão
Maria Ignez Baldez Kato

Outra observação dos operadores do dirigível, durante os sobrevôos, é o comportamento dos bandidos nas favelas. Durante o monitoramento da Favela da Rocinha, em São Conrado, havia pessoas que saíam para as ruas para acenar para o dirigível, enquanto outras corriam para se esconder.

— Dá para ter uma idéia do motivo da fuga dessas pessoas -— brincou o diretor de tecnologia (O GLOBO, 22/9/02).

Nessa reportagem chama a atenção o fato de que o dirigível estaria sendo um instrumento de efetivo controle social. Importante seria, primeiro, a sociedade discutir a sua eficácia como instrumento preventivo do controle da criminalidade. Segundo, pensar que da mesma forma que eventualmente possa exercer um poder de contenção, de prevenção ao crime (fato ainda não comprovado), também é um instrumento de controle social do favelado, excluído e marginalizado.

Na verdade, há um constante monitoramento da vida social dos favelados, o que demonstra uma ilegalidade na prática de segurança pública, na medida em que a prevenção invade espaços privados. Tal fato constitui, sem dúvida, uma violação do direito de ir e vir e de permanecer, do direito à intimidade. O pior é que o fato consolida uma “suspeição” generalizada sobre o morador da favela, que passa a ser genericamente suspeito, razão pela qual há necessidade de ser monitorado diariamente.

O monitoramento gera outras práticas ilícitas que se vão tornando rotina, num processo de banalização do desrespeito de direitos fundamentais. Exemplo disso é o depoimento do diretor do Departamento de Planejamento e Controle Operacional, delegado Luiz Torres, que, na reportagem, fez menção a uma escuta telefônica para “confirmar a observação dos operadores do dirigível”. Ao admitir-se como lícita a filmagem, certamente não seria lícita a escuta telefônica obtida sem a autorização legal, ou seria?

O dirigível é mais uma medida emergencial criada neste suposto contexto de caos e de desordem, e por isso mesmo também mais um instrumento de rompimento de direitos. A imagem do caos e da desordem também faz parte de um imaginário veiculado e sustentado pelos meios de comunicação, que, silenciosamente, reproduzindo uma ideologia de dominação e de discriminação, torna aceitável e legítima a ruptura de direitos fundamentais.


Colunistas

PANORAMA POLÍTICO – Tereza Cruvinel

Cuidando do futuro
Somente no domingo será conhecido oficialmente o nome do futuro presidente da República. Mas os aliados de Luiz Inácio Lula da Silva já começaram as negociações para garantir maioria parlamentar para um futuro governo. Na quinta-feira, em São Paulo, o presidente d o PT, José Dirceu (SP), teve uma longa e discreta conversa com o presidente do PMDB, Michel Temer (SP).

José Dirceu não chegou a fazer nenhum convite para o PMDB participar do governo, mas disse claramente que a intenção de Lula é ter o partido como aliado. Michel Temer não avançou, mas afirmou que, mesmo fora do governo, o PMDB não fará oposição sistemática. Esta não seria a primeira vez que o partido daria apoio a um governo depois de ter sido derrotado nas eleições. Foi assim em 1994, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso elegeu-se e o PMDB perdeu com Orestes Quércia. Naquela época, como agora, uma parte do partido não marchou com a decisão partidária.

No encontro, trataram também da partilha das presidências do Senado e da Câmara. O PT elegeu a maior bancada na Câmara e o PMDB, junto com o PFL, a maior do Senado. O PT quer presidir a Câmara, mas ficaria satisfeito com o Senado. A cúpula do PMDB só não aceita que o entendimento possa beneficiar um dissidente. Um acordo político fortaleceria as pretensões de ambos. Dirceu e Temer não chegaram a firmar nenhum compromisso, mas combinaram voltar à mesa depois de 27 de outubro, já que, até lá, continuam em campos opostos.

Empenhado em construir uma maioria parlamentar para o caso de Lula vencer as eleições, José Dirceu já usou vários emissários para dizer que quer conversar com o PSDB. Mas, ao contrário do PMDB, em que os petistas acreditam que deve prevalecer a aproximação, há muitas dúvidas sobre o que os tucanos farão no caso de derrota. A cúpula petista trabalha com um cenário de divisão interna dos tucanos. Uma ala, liderada pelo presidente do PSDB, José Aníbal, faria uma oposição dura. Este grupo teria maior força no caso de uma vitória eleitoral do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Outro grupo, integrado pelos governadores eleitos de Minas Gerais, Aécio Neves, e de Goiás, Marconi Perillo, e pelo senador Tasso Jereissati (CE), tenderia a ter uma relação mais amigável. Usando salto alto ou não, os petistas se movimentam como se já tivessem vencido a disputa presidencial.

O presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), e o líder do PT, João Paulo Cunha (SP), têm encontro marcado nesta quarta-feira para tratar da agenda legislativa pós-eleição.

Novo ciclo político
Os resultados das eleições para o Congresso desmentiram todos os prognósticos e provocaram um realinhamento crítico de forças. A expressiva votação do PT, que elegeu 91 deputados e dez senadores, inaugura, segundo o cientista político Antônio Lavareda, um novo ciclo político na História do país.

— Os realinhamentos ocorrem de tempos em tempos e são precedidos de sinais, que estiveram presentes nas eleições municipais de 2000.

Depois do fim do regime militar, o Brasil passou pelo domínio do PMDB, na Nova República, e pela indefinição do período Collor, até chegar à fase da hegemonia do PSDB a partir de 1993. Depois do tucanato, a vida política do país passará a dançar sob a batuta petista, cujo ritmo será mais intenso com a vitória de Lula.

Os partidos até agora protagonistas da política nacional — PSDB, PMDB e PFL — terão de encontrar uma forma de sobrevivência. Um dos caminhos é o da oposição. Só o futuro dirá quem vai ocupar esse espaço, que ficará vazio com o PT no poder.

Paulistério
Os petistas estão com os olhos voltados para as eleições para o governo de São Paulo. E não é só pela importância política da possibilidade de o governador paulista ser do mesmo partido do presidente. Eles acreditam que, se José Genoino vencer, os petistas de outros estados terão mais chances de integrar o Ministério de um governo Lula. Do contrário, ironizam, não haverá cargos suficientes para acomodar tantos paulistas.

Saia justa
A maior confusão ocorreu ontem à noite na TV Bandeirantes. O tucano José Serra gravara sua entrevista no sábado, mas, no fim da tarde de domingo, descobriu que Lula falaria ao vivo. Os publicitários Nelson Biondi e João Roberto Vieira da Costa foram à emissora dizer que Serra poderia ir lá para participar de um debate com o petista. Lula acabou gravando uma entrevista minutos antes de o programa ir ao ar.

UMA COMITIVA de 30 prefeitos do Rio, comandada pelo deputado Francisco Dornelles (PPB), vai engrossar o ato em apoio a Serra hoje em Belo Horizonte.

O PEEMEDEBISTA Leur Lomanto (BA), que apóia Lula, disse à cúpula do PMDB que foi estimulado a adotar tal posição pelo governador eleito de Minas Gerais, Aécio Neves.

O PREFEITO de Vitória, Luiz Paulo Velloso Lucas, faz uma avaliação das eleições: “O sentido plebiscitário da eleição prevaleceu, a população está julgando o atual governo, e a nossa campanha não conseguiu romper esta lógica”.


Editorial

QUEM TEM MEDO DE REGINA DUARTE?

A intervenção da atriz Regina Duarte no programa eleitoral de José Serra suscitou reações de censura em cadeia pelo fato de afirmar sua preferência eleitoral em termos de medo de uma volta descontrolada da inflação. As reações negativas variaram quanto ao tom e à origem, mas tiveram em comum o esforço de elidir uma discussão sobre o caráter específico do medo da atriz e, com isso, um debate racional. Tivemos um documento da CUT, até aqui ausente do cenário político, acusando-a de “terrorismo eleitoral”, seguido de manifestações, pela internet, de críticas de seus pares do meio artístico. Culminaram na declaração de Lula, que desqualificou a atriz, imputando-lhe um tipo de medo que nada tem a ver com aquele expresso por Regina: medo da concorrência de atrizes mais jovens.

Na mesma linha, em que predomina a engenharia emocional sobre o debate de idéias, o programa do PT mobilizou a (jovem) atriz Paloma Duarte, não para desfazer os temores de Regina de forma persuasiva, como seria desejável, mas ao contrário, para contestar, através dela, o direito moral de José Serra de obter a confiança do eleitor.

O saldo dessa ofensiva, devidamente analisado, deve ir além das emoções de revolta, de indignação — e da onda de medo — que vêm suscitando entre democratas as práticas de patrulhamento, da censura organizada, de intolerância e, em particular, da desqualificação moral de quem manifesta de outra forma seu compromisso com o futuro do país. Prefiro sair em busca de oportunidades e advertências que esse episódio contém, graças à coragem de Regina Duarte como cidadã, partindo do seguinte suposto: com engenharia emocional não se governa democraticamente, ainda que este seja um recurso eficaz e historicamente comprovado para chegar ao poder pela via eleitoral. Aí vão algumas reflexões, com o intuito de pôr a bola no chão.

1. O medo de Regina nada tem de vago, irracional ou abstrato. É o medo de perder um bem material e político que “conquistamos a duras penas”. Esse bem é um bem público recém-conquistado, chama-se estabilidade, e beneficia principalmente as camadas mais pobres da sociedade e mais vulneráveis, as quais, por não terem poupança, ficaram expostas no passado aos efeitos corrosivos da inflação. Se não fosse assim, não haveria razão para esse bem ter sido incorporado ao novo ideário das lideranças mais moderadas do PT, cuja campanha se pauta hoje por valorizar essa conquista recente, com um olho nas demandas do eleitorado por mudança segura e o outro nas turbulências do mercado.

2. Os temores veiculados por Regina têm a virtude de expressar o ânimo de uma parcela ponderável da população. Dados cruzados de pesquisas da Vox Populi imediatamente anterior a 6 de outubro autorizam essa conclusão. Diante das alternativas “crescimento e emprego”, de um lado, e de outro o risco de inflação e desestabilização, 43% dos eleitores declaram-se favoráveis à contenção da inflação e ao controle das turbulências, mesmo sem melhora do emprego. Embora esses objetivos não sejam tecnicamente incompatíveis no médio prazo, a questão em pauta é como os candidatos se situam em relação a esse trade-off entre essas duas aspirações legitimas da sociedade. Será um dos desafios do próximo presidente.

3. Seja quem for eleito, na hora das decisões mais duras não haverá espaço para o estilo plebiscitário de fazer política, e tampouco bastarão os dotes de bom negociador. Será necessária uma equipe econômica técnica e politicamente forte para dizer um NÃO responsável a muitos dos interesses que ora se abrigam sob o ideário de que “tudo é questão de vontade política”. Sem isso, com um arco de alianças tão heterogêneo como o de “Lula Presidente”, a variável de ajuste poderá ser mesmo a inflação. Diante de pronunciamentos de Lula , que contestam a necessidade de dar força às equipes lideradas pelo ministro da Fazenda, procedem, sim, os temores de uma erosão progressiva da estabilidade.

4. Os governos democráticos nas economias emergentes dependem do acesso aos mercados internacionais de capital para manter a estabilidade econômica, que, por sua vez, é indispensável para responder às outras prioridades do eleitorado, tais como crescimento e equidade social. Impor credibilidade aos mercados financeiros é, por isso, prioridade política e social, pois sem acesso a esses circuitos serão prejudicadas as chances de satisfazer as demandas por justiça .

É aí que se desenha uma assimetria no estilo de fazer política do PT. Por um lado, mobiliza equipes para persuadir investidores de seu compromisso com a responsabilidade fiscal e monetária, em busca (indispensável) da credibilidade junto aos mercados domésticos e internacionais. Por outro, ao tratar a equipe econômica atual e o governo FH como reféns de interesses internacionais minoritários, Lula promete confronto, desmandos, acionando uma ameaça de ruptura que seus assessores se esforçam por contornar. É essa ambigüidade o principal fator doméstico das turbulências atuais.

5. A boa prática democrática recomendaria que o PT mobilizasse seus recursos políticos, como faz com os mercados, para persuadir Regina Duarte e a muitos outros, com argumentos racionais, de que não há razão para ter medo, em lugar de tratar de silenciá-la e/ou de expor a atriz à execração de seus próprios pares que votam no PT.

6. Uma das virtudes desses episódios, cujo mérito cabe a Regina Duarte, foi a de ter trazido à luz, ainda que involuntariamente, a carência de debates substantivos. Parte da virulência nos ataques deve-se exclusivamente aos medos-fantasmas que o PT passa a ter, com a perspectiva de vitória. São de dois tipos: o medo de que o eleitorado desperte para a dúvida quanto ao caráter seguro das mudanças prometidas; agita-se o medo latente, em caso de vitória, de ser objeto de oposição tão ferrenha e implacável como essa que se manifesta na liquidação sistemática de tudo o que foi construído de bom pelo governo de FH e pela equipe econômica.

Com uma diferença: quando é parte da estratégia do PT, usa-se o eufemismo de “desconstrução”. Quando o governo, seus membros ou seu candidato contestam, é baixaria.

Não conheço Regina Duarte, mas para as mulheres de nossa geração ela simboliza coragem em múltiplas encarnações. A da Malu, a nova mulher que emergiu dos anos de chumbo; a da Viúva Porcina, paródia da arrivista que aprende rapidamente a usar os recursos das classes (e das mulheres) dominantes; a do Príncipe Sigismundo, herói de Calderon de la Barca, que ela ousou encarnar pela primeira vez no Brasil. Com esse estoque cultural e com essa biografia , não há o que temer. O público e as mulheres jovens, ou menos jovens, agradecem pelo exemplo.


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10/21/2002


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