Entrevista com diretor de Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, Mauro Pires



O Brasil inaugura a segunda década do século XXI com reduções históricas do desmatamento na Amazônia. Por trás dos bons resultados, uma forte política pública que passou a ver o desmatamento como um fenômeno que inclui vários segmentos da sociedade. Olhando para o todo, o governo conseguiu criar uma estratégia que beneficia a biodiversidade brasileira e ajuda todo o planeta a enfrentar o aquecimento global. Os detalhes dessa abordagem bem sucedida estão na entrevista abaixo com o diretor de Políticas de Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, Mauro Pires.

Em que situação se encontra hoje o desmatamento na Amazônia?

Em 2009, os satélites do INPE registraram a menor taxa do desmatamento na Amazônia, desde 1988.  Alcançamos a marca de 7,4 mil km², o que equivale a uma queda de 75%, se compararmos com taxa de 2004 (27mil km²). Sem dúvida é um bom resultado, mas vale ressaltar que essa área em termos absolutos ainda é muito grande. Por isso, não estamos satisfeitos e vamos continuar a combater o desmatamento ilegal.


Qual é a lógica da política de combate ao desmatamento do governo federal? 

Atuamos com base no Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal (PPCDAm), lançado em 2004. Na perspectiva do plano, o desmatamento não é visto como um problema tipicamente ambiental, mas enfrentado como um desafio de todo o governo e associado às demais políticas públicas. Por isso, o plano intervém no ordenamento territorial e fundiário, no monitoramento e controle ambientais e no fomento a atividades produtivas sustentáveis. Nós sabemos que não iremos superar o desmatamento sem enfrentar questões estruturais da ocupação da terra na Amazônia. Por isso, no primeiro momento, investimos muito no ordenamento territorial e fundiário. Criamos mais de 58 milhões de hectares de áreas protegidas e introduzimos o macrozoneamento econômico e ecológico de toda a região. Mais de 60 mil títulos agrários foram inibidos [impedindo a venda das terras e financiamentos em bancos públicos]. Investimos em aprimoramento dos sistemas de detecção do desmatamento com a criação do DETER, um sistema que emite alertas de desmatamentos e auxilia a fiscalização. Reforçamos a inteligência investigativa, o que gerou operações mais focadas e no desbaratamento de quadrilhas associadas ao mercado ilegal de madeiras. 


E como essa ação do governo se desenvolve na prática?

Em 2008, fizemos uma oficina com todos os órgãos operadores do governo envolvidos com o desmatamento e construímos o que chamamos de “arvore de problemas”. Aí, separamos causas e efeitos do desmate e qualificamos nossa concepção sobre as conexões entre as causas que incidem em mais desmatamento. Isso permitiu maior clareza sobre a nossa capacidade de intervenção. Vimos que, se os órgãos estaduais de meio ambiente não estiverem capacitados para exercer suas funções, nada adianta realizar a descentralização da gestão florestal. Se não investirmos em novas práticas produtivas que evitem a abertura de novas áreas de desmate, certamente teremos poucos resultados no combate. Por isso, aprimoramos o enfoque em alternativas econômicas ao desmatamento.


Essa estratégia se aplica só à Amazônia? Quando os demais biomas receberão o mesmo tratamento?

No mês de setembro, o presidente da República assinou o Decreto instituindo o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas no bioma Cerrado – PPCerrado. O plano era uma expectativa da sociedade. Trata-se de uma intervenção do governo para lidar com uma região totalmente distinta da Amazônia, portanto a estratégia deve ser diferente, apesar de que os resultados alcançados nela nos inspiram em relação ao Cerrado. Uma das diferenças se refere ao papel do setor empresarial. No Cerrado, a maior parte das terras é de origem privada, enquanto na Amazônia, não. No Cerrado, o Código Florestal estabelece um percentual de reserva legal menor, entre 20% e 35% da propriedade. Na Amazônia esse percentual chega a 80%. O papel do setor privado no Cerrado é bem maior e o plano compreende isso. Daí que uma das estratégias é desenvolver mecanismos que estimulem a iniciativa privada a conservar suas áreas para além daquilo que a legislação determina. Não é fácil, mas é o caminho. Também queremos expandir a ação para o bioma Caatinga. Na verdade, optamos por atuar nas regiões mais críticas. Por isso, se iniciou pela Amazônia. Agora o Cerrado, depois Caatinga e, posteriormente, o Pantanal.


É possível ao governo combater sozinho o desmatamento? Qual deve ser o papel do setor econômico?

O setor econômico é essencial. Nenhuma iniciativa do governo irá adiante no combate ao desmatamento se não houver o engajamento do setor empresarial. Veja por exemplo o que está ocorrendo na pecuária no estado do Pará. A partir de um termo de ajustamento de conduta entre o Ministério Público Federal e os frigoríficos, passou-se a exigir critérios de regularidade ambiental dos fornecedores de carne. A consequência imediata foi um crescente número de proprietários em busca da regularização ambiental. 


Combater o desmatamento ajuda a conservar a biodiversidade?
Sem dúvida, o Brasil é uma megapotência em biodiversidade e o desmatamento é a principal causa da perda da diversidade biológica. Reduzir o desmatamento significa muito para o País e o mundo. Iniciamos o século 21 com elevadas taxas de desmate e, ao iniciar a segunda década do novo milênio, estamos reduzindo cada vez mais. E temos compromissos nacionais voluntários de redução que vão nortear todas as políticas até 2020. Além disso, investimos muito na criação de áreas protegidas. O Brasil foi responsável por cerca de 70% do aumento de áreas protegidas em todo o mundo nos últimos anos. Não é pouca coisa. Vamos levar essa boa notícia à COP10.



Fonte:
Portal Brasil





22/10/2010 18:36


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