Especial D.O.: Encontro de Mulheres Quilombolas discute problemas da comunidade
Debates durante três dias de reunião resultaram em documento com 21 reivindicações entregue à Secretaria da Justiça
Energia elétrica, saneamento básico, infra-estrutura rodoviária e licença-maternidade são alguns serviços ou benefícios de que a comunidade quilombola não dispõe. Após longo trabalho da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, em conjunto com o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), o INSS estendeu o benefício da licença-maternidade às mulheres dessas comunidades.
Para discutir problemas como esses, a Secretaria da Justiça realizou, de 31 de agosto a 2 de setembro, o 1º Encontro Estadual de Mulheres Quilombolas. As lideranças femininas do movimento entregaram documento com 21 reivindicações. Participaram do encontro as secretarias da Saúde, Educação, Habitação e Cultura, o Ministério Público, o Conselho Estadual da Comunidade Negra, representantes de segmentos religiosos e educadores.
Havia 80 lideranças de 31 comunidades, que puderam ter contato mais próximo com agentes públicos. Foram realizadas oficinas para tratar de temas como saúde da mulher e auto-estima. Apesar de as mulheres terem famílias numerosas, com média de quatro filhos, a maioria concluiu o ensino médio.
Principais reivindicações
As mulheres quilombolas estão preocupadas, sobretudo, com a situação de isolamento. Algumas não dispõem de estradas, o acesso se dá por meio de barco, trilhas na mata ou balsas. As crianças ainda fazem longas caminhadas para ir à escola, às vezes molhando os pés nas travessias de riachos. Muitas vezes, o socorro médico a um doente se torna quase impraticável e algumas comunidades não dispõem de energia elétrica.
As quilombolas Laura e Maria Tereza, da comunidade Cedro, por exemplo, informaram que a população local vive no escuro, pois a eletricidade ainda não chegou ao território. A falta de energia tem como conseqüência a piora na qualidade de vida, pois os alimentos não podem ser conservados e o consumo tem de ser imediato.
Na área de saúde, os problemas são vários. O representante Luiz Eduardo Batista explicou que muitos afrodescendentes são levados à morte por transtorno mental (alcoolismo), tuberculose, malária, doenças coronárias agravadas pela hipertensão, óbitos em parto e aids.
Outra questão levantada pelo representante da Saúde é que nos municípios onde há quilombos o índice de desenvolvimento humano (IDH) é baixo e as cidades recebem uma verba do Programa Qualis. Batista disse que a aplicação desse recurso destinado às comunidades deve ser fiscalizado. Dados de 2004 revelam que Ubatuba recebeu R$ 2,94 milhões e Itapeva, R$ 2,98 milhões. Registro, Barra do Turbo, Cananéia e Iguape, somados, tiveram quase R$ 2 milhões. Batista explicou que, quando há exames de saúde bucal, os municípios recebem mais 50% dessas verbas.
A Secretaria da Justiça está tornando viável o reconhecimento de oito comunidades, três localizadas em Barra do Turvo, outras três no litoral norte e mais duas em Eldorado/Iporanga. Foram reconhecidas 21 e cinco foram tituladas.
Titulação das terras
Os quilombolas podem ajudar na preservação da Mata Atlântica. De acordo com a representante Vanda Maldonado, Cananéia é uma comunidade quilombola que conseguiu melhorar sua geração de renda por meio da criação de ostras em tanques em Mandira. No caso do extrativismo, Vanda denunciou que o palmito está cada vez mais raro e distante das comunidades. Para modificar esse quadro, o Itesp entregou sementes, e os habitantes cuidaram de novas plantações. "O projeto está bem estruturado, com recursos governamentais. Paranapiacaba é um exemplo de projeto de conservação bem-estruturado", explicou Vanda.
A questão da terra é importante para esse tipo de comunidade. Por isso, as lideranças pediram para que sejam apressados os processos de reconhecimento e titulação das terras dos remanescentes de quilombos. Outras solicitações foram o esforço junto aos cartórios para que entreguem os títulos finalizados de posse dos territórios e negociação para eliminar os entraves que não permitem a construção de moradias populares da CDHU em áreas não reconhecidas ou tituladas.
Esse último item, segundo Maria Costa Brandão, da CDHU, representa um entrave. De acordo com ela, é impossível expandir o número de construções, pois a verba pública não pode ser empregada em áreas ainda não reconhecidas ou de litígio. A CDHU entregou mais de 355 mil habitações para quem ganha de 1 a 10 salários mínimos. Para os quilombolas foram entregues 144 casas. Maria informou que em novembro serão iniciadas obras em São Pedro de Iporanga.
O Itesp informou as lideranças quilombolas sobre o andamento dos processos, sobre o papel do Estado paulista na área de terras devolutas e o papel do Incra na área de desapropriação das terras particulares.
Cultura
A representante Maria Aparecida de Laia ministrou palestra acerca do perfil da mulher no mercado e demonstrou que a mulher afrodescendente, mesmo sendo a provedora da família, sofre discriminações. "O Poder Judiciário é um exemplo que deve ser seguido, pois a metade das mulheres exerce o cargo de procuradora ou juíza", disse Maria Aparecida.
A representante propôs a criação de agentes culturais oriundos da própria comunidade, que possam interagir com a população local, além de ampliar o projeto de sala de leituras. No Dia Nacional da Consciência Negra, 20 de novembro, haverá ações específicas sobre o tema.
Maria Brandão, da CDHU, informou que a parceria com o projeto Quilombos Vivos, da Secretaria da Cultura, possibilitará a construção de mais quatro bibliotecas quilombolas neste ano.
As lideranças entregaram à Secretaria da Justiça um documento com 21 pontos sobre essas ações. O texto será repassado às secretarias que integram o Conselho Gestor
09/14/2006
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