Garibaldi: A Constituição foi resultado do espírito cívico que se espraiava pelo país



Em 1988, ano de aprovação do texto da Constituição em vigor, o presidente do Senado, Garibaldi Alves, exercia mandato de prefeito de Natal, capital de seu estado, eleito no primeiro pleito após os 20 anos de regime militar. A Assembléia Constituinte que deu ao Brasil um novo marco normativo, avalia ele, foi resultado do espírito cívico que se espraiava pelo país naquele momento e que orientou o trabalho dos parlamentares.

Havia necessidade, diz o senador nesta entrevista à Agência Senado, de o país passar a limpo sua história mais recente e começar a desenvolver capítulos democráticos. Os constituintes, na opinião de Garibaldi Alves, atuaram inspirados no respeito aos preceitos da pluralidade, da ética e do compromisso com as questões transcendentais da vida nacional.

Vinte anos depois, Garibaldi Alves considera que é o momento de o Legislativo exercer por completo suas funções constitucionais e, para isso, deve ter uma agenda mais forte que a imposta pelo Executivo por meio da edição abusiva das medidas provisórias. O Parlamento, afirma ainda o presidente do Senado, precisa completar a legislação infraconstitucional para evitar interpretações seguidas do Judiciário sobre a Constituição Federal. 

Agência Senado: Eleito em Natal, na primeira eleição direta para prefeito, depois de vinte anos de regime militar, naquele momento o senhor sabia que estava fazendo história? 

Senador Garibaldi Alves: Eu tinha consciência de que estava participando de um momento histórico. Disputei meus primeiros mandatos no auge da ditadura militar, em plena vigência de atos institucionais - e o mais duro deles, o AI-5.Em 1985, o ano da redemocratização, foi restabelecida a eleição livre e direta para prefeitos das capitais e claro que foi uma ocasião muito importante para mim: depois de duas décadas tornei-me prefeito eleito da terra onde nasci e assumi o primeiro mandato em cargo no Executivo. 

Agência Senado: O senhor se surpreendeu quando o então presidente José Sarney convocou essas eleições, dando início à redemocratização do país? 

Senador Garibaldi Alves: O presidente José Sarney, com seu espírito democrático, agiu como estuário que abrigou todas as correntes sociais, canalizando aspirações, interpretando demandas e expectativas, o que redundou na abertura do ciclo da redemocratização. Seu governo abriu as comportas da liberdade, dando lugar às pressões e contrapressões, acomodando interesses de grupamentos, classes e categorias sociais, ajustando o nosso sistema democrático aos paradigmas da liberdade, do direito, da justiça e da cidadania. Não me surpreendi por conhecer a alma cívica e democrática do presidente Sarney.

Agência Senado: Em algum momento, o senhor viu risco de retrocesso no pacto republicano que a oposição fazia com os generais? 

Senador Garibaldi Alves: É evidente que risco em início de um processo de democratização sempre há. Havia certo receio de que as coisas poderiam caminhar de forma acelerada, de modo a incomodar certos setores radicais. Mas os caminhos para a consolidação do ciclo da redemocratização foram bem pavimentados. As lideranças, a partir do presidente José Sarney, souberam manter e ampliar canais de diálogo e articulação com o sistema militar. 

Agência Senado: Em algum momento, o senhor teve dúvidas de que Sarney iria mesmo convocar a Assembléia Constituinte?

Senador Garibaldi Alves: A Assembléia Constituinte resultou do espírito cívico que se espraiava pelo país naquele momento. Havia necessidade de o país passar a limpo sua história mais recente e começar a desenvolver capítulos democráticos. Para tanto, fez-se necessária a convocação da Constituinte, que deu ao Brasil um novo marco normativo. O presidente Sarney foi quem abriu as portas do novo país que se desenhou a partir de 1988.

Agência Senado: Qual o principal erro cometido pelos constituintes?

Senador Garibaldi Alves: Erros são vistos e considerados sempre depois de cometidos. Naquele momento, a Constituição foi o abrigo das manifestações, anseios e expectativas da sociedade organizada. Não havia como deixar de incorporar visões plurais e atender a um grupo e deixar outro de fora. Por isso, tivemos uma Constituição detalhista, descritiva, muito aberta. Poderíamos ter feito uma Constituição mais sintética, mais objetiva e concisa. Hoje, podemos aduzir que parcela significativa dos problemas que vivenciamos se deve à letra constitucional. Para certas questões, ela se apresenta excessivamente detalhista. Para outras, há vácuos, que permitem ao Poder Judiciário interpretar a lei, dando lugar às observações sobre a judicialização da política.

Agência Senado: Em sua opinião, todo o processo de desmoralização hoje sofrido pelo Legislativo é resultado do instituto da medida provisória?

Senador Garibaldi Alves: Não. As medidas provisórias certamente contribuem para diminuir o papel do Poder Legislativo, na medida em que este se torna quase refém do Poder Executivo. O erro não é o uso da MP, mas o abuso. Fossem editadas sob os critérios de relevância e urgência, não receberiam críticas e seriam acolhidas por todos com muito agrado. O Poder Executivo, porém, percebeu que para ele é mais fácil governar com MPs. O Legislativo deve preencher por completo suas funções constitucionais. Para tanto, precisa ter uma agenda legislativa mais forte que a imposta pelo Executivo e completar a legislação infraconstitucional, de forma a evitar constantes interpretações do Judiciário sobre a Constituição Federal, dando margem a críticas sobre a invasão de competências. 

Agência Senado: Que outro erro o senhor aponta no trabalho dos constituintes? 

Senador Garibaldi Alves: É muito cômodo apontar erros vinte anos depois. Prefiro acentuar os acertos. E dizer que os constituintes atuaram inspirados no dever cívico, na obediência e no respeito aos preceitos da pluralidade, da ética e do compromisso com as questões transcendentais da vida nacional. 

Agência Senado: E qual foi o grande acerto?

Senador Garibaldi Alves: Sempre vi como acerto a idéia de uma Constituição voltada para exprimir os anseios plurais da sociedade brasileira. Daí ser conhecida como Constituição Cidadã. 

Agência Senado: O que o Congresso pode fazer hoje, em termos de mudança constitucional, para o país avançar mais?

Senador Garibaldi Alves: Tenho lutado para imprimirmos ao Congresso e ao Senado uma agenda que contemple a diminuição das medidas provisórias; a votação sobre vetos presidenciais que se acumulam; a seleção e votação de projetos altamente prioritários para a vida do país, a partir das reformas tributária e política; a instalação de comissões parlamentares de inquérito sob os critérios que as justificam - como clareza do objeto a se investigar - para que possamos oferecer maior força e credibilidade a esse instrumento de ação parlamentar; transparência nas ações das casas congressuais, entre outras questões. 

Agência Senado: A Constituição é motivo de orgulho para o senhor?  

Senador Garibaldi Alves: A Carta Magna é a bússola de uma Nação. Deve ser motivo de orgulho para todos os brasileiros. Para mim, é a bíblia que me orienta, a luz que aclara os meus caminhos.

Teresa Cardoso e Denise Resende Costa / Agência do Senado



03/10/2008

Agência Senado


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