Gilberto Silva fala sobre Copas de 2002, 2006 e 2010
Nos intervalos da produção de caramelos, na cidade mineira de Lagoa da Prata, o futebol tinha espaço garantido. No time da fábrica, havia um jogador de destaque, com rápida passagem pelo América-MG. Uma senhora fez a profecia nos idos de 1994: “esse menino vai jogar a Copa de 1998”. Ela errou por pouco, porque o tal garoto não foi à França, mas disputou os Mundiais de 2002, 2006 e 2010.
Os companheiros da fábrica ficaram com saudade, mas felizmente Gilberto Silva deixou o trabalho na cidade natal para retornar ao futebol. Do América para o Atlético-MG, do Atlético para a Seleção Brasileira, da Seleção para o mundo. O jogador está de volta ao Galo, foi campeão da Copa Libertadores de 2013 e agora se prepara para a disputa do Mundial de Clubes da Fifa, em dezembro, no Marrocos. Entre as atividades no Centro de Treinamento do Atlético e os compromissos do movimento Bom Senso Futebol Clube, Gilberto Silva concedeu uma entrevista especial ao Portal da Copa.
O defensor do Galo falou sobre as três diferentes experiências em Mundiais: a alegria e o foco de 2002, o “oba-oba” de 2006 e a tristeza de 2010. Ele ressaltou a importância do comprometimento durante a Copa da Coreia do Sul e do Japão e enumerou os motivos que levaram à derrota da equipe considerada favorita na Alemanha. “Por esse oba-oba que existia em torno da Seleção Brasileira, sentíamos que o clima estava mais solto entre os jogadores. Estava diferente, não tinha aquela mesma concentração em relação a 2002”, explicou.
Gilberto Silva também comentou a difícil formação do grupo que disputaria a Copa de 2010, narrou o sofrimento com a derrota para a Holanda nas quartas de final, e defendeu o técnico Dunga. “Todo mundo criticava o Dunga porque ele não liberava o trabalho da imprensa, mas ninguém sabe que muita coisa fomos nós os jogadores que fizemos.”
Começo complicado
Na minha primeira vez no América-MG, eu fiquei só cinco meses. Na época da Copa de 1994, eu já tinha retornado para Lagoa da Prata, fui trabalhar numa fábrica de doces, balas e leite em pó. Naquele momento, existia uma dificuldade financeira, o problema de saúde da minha mãe e, por ser o filho mais velho, em momento algum eu hesitei em voltar.
No período que eu fiquei na fábrica, uma das condições era que, estando ali dentro, eu poderia arrumar um emprego melhor, de mecânico talvez. Ainda bem que não deu certo. Fui amadurecendo a vontade de voltar para o América, eu não queria chegar na idade que eu tenho hoje e me arrepender de não ter tentado. Eu decidi voltar, fui me preparando para isso. Felizmente as coisas deram certo. Joguei de 1996 a até 1999 no América. Em 1999, cheguei ao Atlético-MG, uma nova vida, um clube grande.
Convocação para a Copa de 2002
Fui convocado para os dois últimos jogos das Eliminatórias. Quando o Brasil se classificou, foi um alívio. A estratégia que o Felipão (técnico da Seleção Brasileira na época) usou foi fazer sete amistosos com jogadores que jogavam só no Brasil. Nisso, eu fui no bolo. Eu, Kaká, Anderson Polga e o Kleberson. A partir do momento em que a gente já tinha jogado esses sete jogos, a expectativa era diferente. A gente teve um desempenho bem positivo nesses amistosos, então a ansiedade foi aumentando.
Preparação
Nesse período que nós ficamos juntos até o início da Copa foi super importante. Até o fato de termos saído daqui desacreditados fortaleceu muito o grupo. Fomos para Barcelona, de lá para Malásia, para ir adaptando ao fuso horário pouco a pouco. Com isso, você vai tendo mais tempo de trabalho, você vai conhecendo o grupo melhor. Os laços vão se estreitando, até porque nossa vida era treinar e voltar para o hotel, aquele foco total. A forma de trabalho do Felipão e da comissão técnica foi essencial, eles conseguiram fazer com que todo mundo direcionasse o pensamento para a competição, para a conquista.
Titular da noite para o dia
Na hora da lesão do Emerson, foi uma tensão para todo mundo, estávamos na véspera da estreia, o jogo contra a Turquia. E o Emerson era o capitão do time, se você perde o seu capitão na véspera, gera aquela confusão, corre-corre... Eu não pensei na possibilidade de começar jogando porque, analisando os outros jogadores que estavam na Seleção, eu era a última opção. Havia outros jogadores que estavam na minha frente, que participaram de todas as eliminatórias.
De noite, o Felipão chegou no meu quarto, ele com o Murtosa (auxiliar técnico). Eu gelei. Deu aquele frio: o que eu fiz de errado? Eu convidei para entrar e eles já foram me falando que o Emerson estava cortado e que eu seria o titular. Eu disse: “tudo bem”. Falar mais o quê? Foi bacana a forma que eles me deram a notícia, porque me deixaram tranquilo. Disseram que eles só precisavam que eu fizesse o que fazia no Atlético. E eu acho que consegui.
O título mundial
Ali naquele grupo, tinha um pouco de tudo. Existia talento muito grande de cada um no que cada um fazia. Um comando que aquele grupo precisava, para saber conduzir e controlar a parte emocional e o ego de cada um. Para nós mais jovens, era aquela coisa do paizão, se eu fizer uma coisa errada, ele vai puxar a minha orelha. Para mim, era um aprendizado diário. Eu sentava do lado do Cafu, um ídolo muito grande. As experiências de cada um unidas por um objetivo.
Quando acaba, é correr para extravasar. Não tem outra coisa a fazer ou pensar. Depois de um tempo, mais consciente, você começa a voltar no processo que foi para você chegar à conquista...é muito sacrifício. Muita dedicação, trabalho intenso. As pessoas que estão por trás, o trabalho para montar vídeo, palestra, para dar condições para que a gente comesse a tempo e a hora. A gente queria ser campeão, não tinha outra palavra.
“Oba-oba” na Copa de 2006
Acho que nós não jogamos com clima de Copa de Mundo. Era um oba-oba muito grande em torno da Seleção Brasileira, houve certo exagero. A gente não tinha tempo de respirar, de treinar direito sem o oba-oba todo, torcida, excesso da imprensa. Não que a imprensa tenha que ser proibida, mas a imprensa estava a um metro da gente no treino, filmando, comentando o treinamento. A gente não tinha liberdade de conversar, de fazer as brincadeiras que estávamos acostumados. O grupo ficou tolhido nessa questão. No dia a dia dos treinamentos, o fato de ter torcedor na maioria dos treinos, os jogadores se sentiram intimidados até de errar um chute a gol. Erra um, erra outro, dali a pouco erra o terceiro, o torcedor que estava ali para aplaudir começava a ensaiar uma vaia, o pessoal começou a ficar inibido. A gente precisa ter uma privacidade maior para os treinos.
Sentia que o clima estava mais solto entre os jogadores. A partir do momento que a competição começou realmente, estava diferente, não tinha aquela mesma concentração em relação ao que tinha sido em 2002. A pressão era diferente. Em 2002, ninguém acreditava no Brasil, tivemos que provar uma situação. Saímos de 0 a 100. Ali, digamos que já estávamos no 100, no top, o favorito, e houve aquele relaxamento por parte do grupo, que não conseguiu se ajustar como precisava.
A grande frustração que fica, quando você olha no rosto de cada um, e vê a capacidade grande que você tinha de uma conquista, a oportunidade grande que estava lá e você deixou passar. A Copa do Mundo acabou para mim naquele dia (eliminação diante da França, nas quartas de final), eu não vi mais nenhum jogo, nem assisti à final. Voltei para Minas, fui para o interior, fiquei bem escondido. Eu aprendi que você não pode, em momento algum, achar que você é superior a um adversário se não provar dentro de campo.
Rejeição pré-Copa de 2010
Para 2010, eu fiz parte de um grupo que teve que juntar os cacos da Seleção Brasileira, porque era uma Seleção que todo mundo esperava que fosse campeã e não foi. Com o passar do tempo, eu sofri uma rejeição muito grande. Na minha última temporada no Arsenal, de 2007 para 2008, eu não fui mais titular por algum motivo. Eu estava com poucos jogos dentro do Arsenal, mas continuava sendo titular na Seleção. Eu tinha que dar a vida, porque tinha um cara ali que apostava em mim e que confiava no meu trabalho. Quando tinha uma convocação para a Seleção, estava lá o meu nome. E toda hora aqui no Brasil: “O Gilberto não tem que estar na Seleção Brasileira. Ele não joga no Arsenal, porque está na Seleção?” E eu tinha que responder um monte de perguntas. Era como chegar na linha de frente de uma guerra. Mas em momento algum eu desrespeitei o trabalho de ninguém, mesmo me sentindo desrespeitado em alguns momentos e desvalorizado. Aprendi a conviver com isso.
Tristeza ao ser eliminado pela Holanda em 2010
Eu vivi ali uma tristeza maior do que eu vivi em 2006. Foi mais difícil, para mim, absorver aquela derrota para a Holanda. Por fazer parte do processo, pelo papel importante dentro do grupo.
E o grupo foi se fortalecendo, criou-se uma amizade muito grande, um respeito muito grande ali dentro. A gente ficou muito unido, tanto é que várias decisões que foram passadas para fora eram decisões nossas, não da comissão técnica. Eles sabiam que podiam contar com cada um ali dentro. Cada um assumiu a sua responsabilidade. Nós perdemos a nossa oportunidade, nós abrimos a boca sem vergonha de chorar. A gente sabia que estava tudo nas nossas mãos e de repente saiu entre os dedos, mas entendemos que é coisa do futebol.
Você já viu homem chorar? Já viu uma média de 50 chorar ao mesmo tempo? A gente chorava igual menino, um choro doído.
Defesa de Dunga
Todo mundo criticava o (técnico da Seleção Brasileira em 2010) Dunga porque ele não liberava o trabalho da imprensa, mas ninguém sabe que muita coisa fomos nós os jogadores que fizemos. Como já existia uma rejeição muito grande quanto a ele, ele acabou recebendo o impacto maior, por ser o treinador, por ser o Dunga, mas em muita coisa ele batalhou para que fossem atendidas as nossas exigências. Coisas que a gente viveu em 2006 que não queria passar novamente. A gente queria ter o nosso espaço de trabalho respeitado. E a imprensa brasileira poderia trabalhar como a imprensa dos outros países trabalhavam. A gente não proibiu o trabalho da imprensa, a gente só queria mais privacidade em relação ao que foi em 2006. Mas muita coisa partiu de nós jogadores.
Expectativa para Copa de 2014
Se tiver uma vaga para mim, pode chamar que eu estou pronto! Brincadeiras à parte, Felipão conquistou a Copa das Confederações e agora já existe uma base formada. Pode haver alguma surpresa, mas não muita. Na condição de espectador, fica sempre a torcida, porque estamos tendo a Copa no Brasil depois de muitos anos, então é uma grande oportunidade para fazer uma grande Copa. Mas, na minha opinião, nós não somos favoritos, nós temos que entender isso. Temos um grupo jovem, que está amadurecendo com dificuldades, é normal, até pelo fato de não ter passado por Eliminatórias, porque deixa de competir nesse período todo. Vamos ficar na torcida para que o Brasil faça uma grande Copa.
Jogar em casa
Pode pesar tanto a favor como contra. Eu lembro que, nas Eliminatórias aqui no Brasil, muitas vezes a gente sofria, com torcida contra, porque a torcida do Brasil é super exigente. Se você não faz gol com 15 minutos de jogo, ela começa a te vaiar.
Essa Seleção, mesmo jovem, conseguiu administrar isso bem na Copa das Confederações. O que vamos precisar é o que aconteceu na final contra a Espanha. Eles perderam o jogo no Hino Nacional, quando o Maracanã todo engoliu a Espanha naquele momento. Quem veste aquela camisa amarela sabe o peso quando o hino é tocado, é diferente. Dá um sentimento diferente ali dentro, você se transforma, você se agiganta no momento do hino. É isso que nós vamos precisar. A partir do momento que o torcedor brasileiro entender o quanto ele é importante na Copa e abraçar a Seleção... Temos nos portar como nação, com um mesmo objetivo. O sucesso de uma Copa no Brasil é o sucesso de todos nós.
Fonte:
Portal da Copa 2014
25/11/2013 13:01
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