Governo prevê dificuldade de reforma política entrar em vigor antes de 2012
A proposta de reforma política encaminhada ao Congresso Nacional nesta quarta-feira (27) pelo governo apóia-se na premissa de que o sistema partidário e as regras eleitorais vigentes levam à corrupção, ao uso de caixa dois, ao abuso do poder econômico e a uma relação não programática dos parlamentares com o Executivo. Apesar disso, os técnicos e ministros responsáveis pela elaboração de seis anteprojetos de lei e uma minuta de proposta de emenda à Constituição não crêem que o conjunto de mudanças eventualmente aprovado possa entrar em vigor antes de 2012.
De acordo com o Texto-Resumo que acompanha as propostas, qualquer mudança na legislação terá "o condão de alterar a atual correlação de forças da política brasileira". Por essa razão, afirmam seus autores, "apostar que os atuais beneficiários do sistema farão opção voluntária pela troca das regras vigentes é, além de ingênuo, completamente descabido".
No entender do ministro da Justiça, Tarso Genro, que entregou os projetos destinados a compor a reforma ao presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho, "o sistema político brasileiro precisa ser desbloqueado". Com o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Genro e o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, anunciaram a Garibaldi a disposição do governo de cooperar com o Congresso no desbloqueio do sistema, mas por partes, de forma a contornar impasses.
- Precisamos aprovar primeiramente tudo o que for consensual - aconselhou o ministro da Justiça, depois do encontro com Garibaldi.
A julgar pelo diagnóstico do governo, os obstáculos são de difícil transposição. A percepção é de que há hoje um desvirtuamento da representação da vontade popular, que estaria à mercê do poder econômico. "Vale a vontade do capital", diz o documento, no qual é apontada a "inviabilidade de candidaturas que não angariam financiadores de grande monta, independentemente do estrato ideológico representado pelo candidato".
O capital, entretanto, mostra-se generoso com os candidatos dispostos mais tarde a pavimentar o caminho para a execução de obras e serviços a serem pagos com recursos orçamentários. É o que diz o texto-resumo, ao mencionar como uma das mazelas do sistema o "envolvimento entre candidato e financiador, com impacto direto na defesa de interesses não-republicanos e na abertura de canais propícios ao favorecimento ilegal e ao desvio de dinheiro público".
Esse ambiente inóspito, onde são escassos o debate e a participação popular nas estruturas partidárias, tem estimulado o apelo ao marketing e a outras estratégias de campanhas eleitorais milionárias. "Cada candidato é impelido a produzir campanhas individuais, não centralizadas pelo partido, para estabelecer o diferencial de sua candidatura", dizem as autoridades do Executivo em seu diagnóstico. Elas detectam em suas observações "o enfraquecimento dos partidos e de seu aspecto programático-ideológico, com óbvio favorecimento a candidatos de mídia ou fortemente financiados".
Um dos remédios, embora considerado incerto, para esse mal seria o financiamento público de campanha. A idéia encontra resistências em amplo espectro da sociedade, mas os formuladores observam que o gasto orçamentário com partidos e campanhas seria bem menor que a sangria de recursos decorrentes dos vícios do modelo atual, principalmente por causa das relações promíscuas entre financiadores e candidatos e a pequena sintonia entre representantes e representados.
De todo modo, os autores ressalvam que o financiamento público não deve ser tido como "fórmula mágica de combate à corrupção sistêmica ou de bloqueio a métodos ilegais de arrecadação ou de financiamento (o chamado "Caixa 2"). Ainda que considerem a possibilidade de reduzir a incidência do problema, assinalam que a causa dele está "nas bases de nossa cultura política".
A estrutura estaria comprometida também do ponto de vista das relações entre o Executivo e o Parlamento com vistas à formação de maiorias. Segundo o documento, o sistema político-eleitoral brasileiro se ressentiria de um Presidencialismo sempre necessitado de coalizão, mas sujeito à volatilidade do quadro partidário fragmentado. "Tal situação pode favorecer - e efetivamente favorece - alguns aspectos contrários aos princípios democráticos representativos, como por exemplo relações partidárias formuladas em bases não-programáticas e concessões programáticas quase obrigatórias que desvirtuam, em alguma medida, a vontade popular".
Há aspectos formais e legais do sistema eleitoral que se somam ou refletem os aspectos econômicos e culturais arraigados no processo político brasileiro. O texto encaminhado pelo governo ao Senado critica o modelo eleitoral de lista partidária (ou por coligação) aberta, responsável por induzir o eleitor a erro: com a transferência de votos nominais para a legenda ou para a coligação, o eleitor auxilia candidatos do seu ou de outros partidos sem ter o devido conhecimento disso, o que resultaria na eleição de representantes praticamente sem votos. Uma conseqüência adicional desse emaranhado de interesses seria a falta de legitimidade dos suplentes.
A legislação atualpermite o registro de coligações esporádicas e "de ocasião" para as eleições proporcionais, gerando um esquema de "benefícios mútuos não-programáticos", segundo o documento. Um exemplo claro disso seria a existência de partidos "que se oferecem ou que são cooptados por outras agremiações em troca de seu tempo de propaganda eleitoral". Para dificultar a oferta de aliança fisiológica, imaginou-se o redesenho da cláusula de barreira (ou desempenho) a partidos com votação e expressão políticas inexpressivas. Assim, somente exerceriam mandato de deputado federal, deputado estadual ou deputado distrital os partidos que obtivessem 1 % dos votos válidos, excluídos os brancos e os nulos, obtidos em eleição geral para a Câmara dos Deputados e distribuídos em, pelo menos, um terço dos estados com o mínimo de 0,5%dos votos em cada um deles. O percentual mínimo de 5% dos votos para a Câmara dos Deputados, previsto na lei 9096/95, foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2006. Por essa razão, atualmente nada há que regule o tema.
Os acordos partidários espúrios teriam outra brecha fechada por meio da limitação do tempo no rádio e na TV ao do maior partido da coligação em eleições majoritárias (para cargos executivos e para o Senado). A proposta do governo de proibição das coligações em eleições proporcionais e a obrigação do eleitor votar em lista partidária fechada procuraria coibir esses vícios. E a lista seria usada também para tornar mais inclusiva a participação feminina nas eleições, com a obrigatoriedade de uma candidata em cada três na primeira metade da relação de nomes. Quanto aos mandatos, os partidos veriam confirmado, com alguma flexibilidade, o seu poder, em detrimento dos eleitos, como determina a nova regra do Tribunal Superior Eleitoral, aberta uma janela para troca de partidos entre uma eleição e outra.
O governo demonstra igualmente interesse em disciplinar aspectos negativos da política nacional que ficaram mais evidentes nos últimos anos. Em face da pressão popular e de grupos combativos da sociedade, está propondo regras para o tratamento dos chamados candidatos "ficha suja", que seriam considerados inelegíveis se condenados, judicial ou administrativamente, em decisão colegiada, independentemente de sentença definitiva (transitada em julgado). A inelegibilidade alcançaria da mesma forma aqueles eleitos com a ajuda de atos de violência.
A chegada dos anteprojetos ao Congresso foi vista pelos governistas como uma boaoportunidade de retomar a sempre adiada reforma política, como demonstram as declarações do próprio Garibaldi e do senador Renato Casagrande (PSB-ES). Para oposicionistas como o líder do DEM, José Agripino (RN), o g esto do governo foi mero oportunismo de quem vem adiando a aprovação, na Câmara, de uma proposta de reforma enviada àquela Casa pelo Senado.
Tão nebulosos quanto os caminhos que a proposta poderia trilhar em cada uma das Casas do Congresso, ou nas duas ao mesmo tempo, por meio de comissão mista, são os resultados desse tipo de remodelação. Durante debates realizados para orientar o governo na construção de sua plataforma, houve consenso entre os acadêmicos no que diz respeito à imprevisibilidade de resultados de qualquer alteração de regras partidárias e eleitorais. "A experiência internacional mostra, inclusive, grande leque de efeitos inesperados e de tentativas mal-sucedidas. Há de se ter cautela, portanto, em toda e qualquer proposta de reforma política, sendo clara a necessidade de não se venderem falsas expectativas", afirma o texto.
29/08/2008
Agência Senado
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