Governo segura reajuste da gasolina








Governo segura reajuste da gasolina
Valor do combustível deve subir 3,3% até o final do ano. Especialistas dizem que aumento tem total respaldo técnico. Entretanto, é evitado por motivos políticos. Cotação do dólar caiu ontem, mas ainda pressiona a inflação

O governo vai esperar o resultado das eleições presidenciais para aumentar os preços da gasolina. ‘‘O reajuste sairá logo depois de 3 de outubro, se Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, vencer no primeiro turno, ou logo depois do dia 27, seja quem for o ganhador no segundo turno’’, prevê o consultor Roberto Nogueira, da Federação das Distribuidoras de Combustíveis (Fecombustíveis). ‘‘Mas, se fossem levadas apenas as questões econômicas, como a alta do dólar e do barril do petróleo no exterior, o reajuste deveria ser já’’, emendou o diretor da DS Associados, Davi Zylberstajn, ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP). A rigor, um aumento agora pode desagradar a população e dar a Lula os pontos que faltam para vencer logo a eleição.

A reação dos especialistas foi uma resposta ao relatório da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), realizada na semana passada, que manteve em 18% ao ano a taxa básica de juros. No documento, os diretores do Banco Central (BC) projetam um reajuste de 3,3% para a gasolina. Até a reunião do mês passado, eles calculavam queda de 0,8% no preço do combustível. ‘‘Essa revisão é resultado do repasse do aumento do preço internacional do petróleo e do novo patamar de câmbio ao preço da gasolina ao consumidor’’, ressaltaram os diretores do BC. O preço da gasolina está congelado desde 30 de junho, a pedido do candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra. Desde então, o dólar subiu 30% e o barril do petróleo, 20%. Em Londres, ontem, o petróleo do tipo Brent para entrega em novembro fechou negociado por US$ 29,07 o barril, maior valor desde setembro do ano passado. Houve uma pequena queda ontem, porque o furacão tropical Isidore não afetou a produção mexicana, ao contrário do que temiam as empresas.

Os diretores do BC também projetaram, no relatório do Copom, novos reajustes para a energia elétrica. Ao longo do ano, as tarifas deverão subir 20,6%, dos quais 16,2% já ocorreram entre janeiro e agosto. Ou seja, as cotas de luz ficarão pelo menos 3,8% mais caras até o fim do ano. Para 2003, primeiro ano de governo do presidente eleito em outubro próximo, a energia elétrica será aumentada em 20,7%, com grande impacto sobre a inflação.

O aumento das tarifas públicas e dos demais preços ganharam, por sinal, grande espaço no relatório do Copom. Os diretores do BC admitiram que, mesmo mantendo a taxa básica de juros em 18% ao ano, a inflação continuará em alta, inclusive em 2003, sobretudo por causa da alta do dólar. Os diretores do BC foram claros: mantida a taxa de juros de 18% ao ano e a taxa de câmbio da véspera da reunião do Copom (R$ 3,20), a inflação ficará significativamente acima do teto da meta fixada para este ano, de 5,5%, e acima do centro da metas de 2003, de 4%.

Próximo presidente
O próximo presidente deve se preparar, segundo os diretores do BC, paraforte repasse da alta do dólar aos preços livres, que não são fixados pelo governo. ‘‘Tendo em vista a magnitude da depreciação cambial , o repasse aos preços pode aumentar’’, avisaram. Os repasses serão maiores em um ‘‘ambiente de retomada de crescimento’’. Quer dizer: se apostar na retomada do desenvolvimento, o futuro presidente terá de encarar uma inflação mais alta.

Os cálculos dos diretores do BC indicam que, por causa do dólar, os preços administrados (combustíveis, telefone, energia elétrica e passagens de ônibus) fecharão 2002 com alta média de 9,3%. No ano que vem, essas tarifas deverão aumentar 7,9%. Também vão subir com grande consistência os preços dos alimentos, principalmente aqueles que têm cotação em dólar, com o trigo (usado na produção do pãozinho, as massas e os biscoitos), o óleo de soja e a carne de boi.

Para o Copom, a pressão sobre o dólar não diminui por causa das perdas acumuladas nas bolsas de valores nos últimos dois anos e do impacto provocado pelas fraudes nos balanços das grandes corporações dos Estados Unidos. E, mais recentemente, a expectativa em relação a um possível ataque americano ao Iraque.


Renda cai. Emprego informal aumenta
Empresas fogem dos juros altos, reduzem investimentos e acabam com as esperanças de queda do desemprego no Brasil a curto prazo. Brasileiro trabalha cada vez mais sem carteira assinada e recebe salários menores

A crise de confiança política e econômica que sacode o país está levando a maior parte das empresas brasileiras a suspenderem os investimentos. Segundo informou ontem o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, o volume de empréstimos tomados pelas companhias para aumentar a produção e o emprego caiu. A queda em agosto foi de 3% na média mensal das operações disponíveis nos bancos. ‘‘A instabilidade econômica inviabiliza os investimentos do setor produtivo’’, disse Lopes. Sem investimentos, o Brasil caminha para a recessão e o aumento do desemprego, ressaltou a analista do Departamento de Emprego e Rendimento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Shyrlene Ramos de Souza, ao analisar os últimos números do emprego e da renda no país.

Pelas contas do BC, os descontos com promissórias caíram 4% em agosto e 22,4% no acumulado do ano. Os financiamentos para a compra de máquinas e equipamentos encolheram 7,8% no mês passado e 11% no ano. Os empréstimos vindo do exterior recuaram 35,5% em agosto e 55,3% no ano. A única modalidade de crédito às empresas que cresceu foi a de capital de giro. Por uma razão especial: a indústria está sendo obrigada a tomar empréstimos nos bancos brasileiros para pagar dívidas que não estão sendo refinanciadas no mercado internacional. Há uma grande aversão dos investidores estrangeiros ao Brasil.

Não foi à toa, segundo Shyrlene, que a taxa média de desemprego passou de 6,2% em agosto do ano passado para 7,3% no mesmo mês deste ano. O único dado alentador é o de que em julho essa taxa era um pouco maior: 7,5% da População Economicamente Ativa (PEA). ‘‘O desemprego continua alto e a tendência é de que esse índice cresça por causa do fraco desempenho da economia’’, afirmou. Ela ressaltou que a taxa de desemprego só não é maior, porque o setor informal está absorvendo parte dos que estão sem trabalho. Nos últimos oito meses, o aumento dos empregados sem carteira de trabalho assinada foi de 4,1%. As vagas com carteira assinada subiram apenas 1,8%.

O IBGE informou ainda que em agosto havia 1,425 milhão de desocupados nas seis principais regiões metropolitanas do país, um aumento de 24,6% frente a agosto de 2001. E mais: o rendimento médio dos trabalhadores ficou, entre janeiro e julho, 4,2% menor que em igual período do ano passado.

Apesar do desemprego maior e dos salários menores, a inadimplência no sistema financeiro vem caindo, disse Lopes. No início do ano, a média das dívidas em atraso era de 8,6%. Agora, 7,9%. Além de financeiras e bancos estarem mais seletivos na concessão de empréstimos, as pessoas estão fugindo dos juros altos e usando parte do dinheiro do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço para quitar dívidas.


A maioridade de Garotinho
Contrariando expectativas, candidato do PSB a presidente sobe nas pesquisas e ameaça o segundo lugar de José Serra. Em ascensão nas sondagens desde agosto, tem chance real de passar o presidenciável do PSDB, que está estagnado

No início da campanha presidencial, há cerca de quatro meses, a candidatura de Anthony Garotinho (PSB) era vista como insustentável, sem recursos e com pouca estrutura partidária. Para adversários e analistas políticos, suas propostas eram insconsistentes. Isolado no quarto lugar das pesquisas, ele não passava de um candidato folclórico à beira da renúncia. Mas os últimos levantamentos sobre a intenção de voto do eleitor alteraram as percepções sobre o presidenciável.

Garotinho conseguiu se robustecer e, numa análise mais pessimista, divide hoje o terceiro lugar com o candidato Ciro Gomes (PPS). É o que mostra a última pesquisa do instituto Vox Populi, que os coloca empatados nessa posição, com 14% dos votos. Para os mais entusiasmados, Garotinho se descolou de Ciro e ameaça tomar o segundo lugar de José Serra (PSDB), que tem o apoio do presidente Fernando Henrique Cardoso. Essa análise é sustentada pelos números do Ibope e do Datafolha. Nessas pesquisas, o candidato do PSB está acima de Ciro e no limite do empate técnico com Serra. ‘‘É real a possibilidade de Garotinho ultrapassar Serra, pois ele está em ascendência, enquanto o candidato do PSDB está estagnado’’, arrisca o diretor do Datafolha, Mauro Paulino.


Serra, mais capaz de obter maioria
Para os eleitores, o candidato do PSDB é quem tem melhores condições de aprovar projetos no Congresso e enfrentar movimentos grevistas e protestos sindicais. Mas é em Lula que mais confiam para combater a corrupção

Na escala dos maiores problemas nacionais, a corrupção no poder está em quarto lugar, atrás apenas do desemprego, da saúde pública e da segurança. É o que revela a pesquisa Vox Populi/Correio. E o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva — que ontem lançou o programa Combate à Corrupção —, é aquele que, na ótica do eleitor, é mais capaz e preocupado em extinguí-la. Dentro do rol de problemas da agenda política do país, esse é o único em que Lula se destaca. Nos demais, a vantagem é do candidato do PSDB, José Serra. ‘‘O eleitor tem percepção de que é Serra quem construiu a maior aliança política em torno da sua candidatura. Portanto, é natural que seja ele aquele aparentemente mais habilitado a tratar dos temas políticos e se relacionar com o Congresso Nacional’’, avalia o presidente do Instituto Vox Populi, Marcos Coimbra.

Entre os dias 15 e 16 de setembro, o Vox Populi pediu aos eleitores que relacionassem os quatro principais candidatos à Presidência a uma lista de 17 qualidades e 14 problemas nacionais. Os eleitores deveriam dizer quem, na sua ótica, estava mais próximo de ter aquela qualidade ou a capacidade e a preocupação com a resolução de cada problema. No último domingo, apresentamos a situação de cada candidato quanto às qualidades. Na segunda, tratamos dos temas econômicos. Na quarta, daquele que foi considerado o maior problema do país, o desemprego. Ontem, a abordagem foi quanto aos itens sociais. Hoje, no último dia da série, os candidatos são confrontados pelos eleitores aos temas políticos — maioria no Congresso, combate à corrupção e capacidade para evitar greves. Foi a segunda pesquisa do tipo feita para o Correio. A primeira foi realizada nos dias 13 e 15 de julho.

O caderno Combate à Corrupção foi lançado ontem em São Paulo, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No caderno, Lula apresenta propostas para aumentar a transparência e a participação da sociedade na no Orçamento Geral da União. O candidato também promete controle público sobre as licitações de obras públicas e um maior aparelhamento da Receita Federal para combater a sonegação. Afirma ainda que combaterá o nepotismo e investigará as ramificações internacionais da corrupção. Durante o lançamento do programa, o presidente da OAB, Rubens Approbato Machado, declarou seu apoio a Lula.

Segundo a pesquisa Vox Populi/Correio, o eleitor acredita que o candidato do PT fará mesmo o que promete. A corrupção foi indicada por 24% dos eleitores como o maior problema nacional. Para Marcos Coimbra, Lula herda a impressão que o eleitor tem de que o PT é um partido menos envolvido com denúncias de irregularidades na administração pública. Já na pesquisa de julho, era ele o que tinha o melhor conceito do eleitor nessa questão. O conceito melhorou agora: passou de 52% há dois meses para 59%. Todos os demais candidatos caíram neste conceito. Ciro Gomes, do PPS, despencou: tinha 64% de confiança em julho, agora tem 47%, uma queda de 17 pontos percentuais. Serra tinha 37%, agora tem 34% (menos 3 pontos). Garotinho caiu de 35% para 32% (queda de 3 pontos).

Maioria
Nas demais questões políticas, a vantagem é de Serra. Mas o candidato do PSDB experimentou uma queda na expectativa do eleitor quanto à sua capacidade de obter maioria no Congresso. Em julho, ele era disparado o candidato considerado mais capaz de conseguir estabilidade política. Essa era a opinião de 71%. Agora, seu índice é de 60%. Uma queda possivelmente motivada pelo fato de Serra ter perdido alguns aliados importantes, como o ex-governador do Ceará Tasso Jereissati, que aderiu a Ciro Gomes. Mas nem por isso Ciro se beneficiou. Despencou de 64% para 47% — queda de 17 pontos. Lula novamente foi o único que subiu: tinha 47%, agora tem 54%, sete pontos a mais. Garotinho caiu de 45% para 40% (menos cinco pontos). Conseqüência da percepção correta do eleitor de que ele não conta com nenhum outro partido além do pequeno PSB.

De tudo o que mostra a pesquisa Vox Populi, há apenas um ponto em que Serra seguramente pode comemorar. Ele é considerado o candidato mais capacitado e empenhado para enfrentar greves. É verdade que esse é o problema nacional menos importante. É grave apenas para 1% dos eleitores. Mas Serra é o mais competente nesse tema na opinião de 56% dos eleitores. Foi um crescimento muito grande com relação a julho, quando tinha 43%: 13 pontos percentuais. Líder operário, que surgiu para a política após um movimento grevista, Lula não merece do eleitor tanta confiança: seu percentual é de 49%. Ainda assim, maior que o de julho (44%). E maior que os de Ciro (48%) e de Garotinho (39%).

Nessa pesquisa, o Vox Populi ouviu 2.800 pessoas, em 172 municípios de todo o país. A margem de erro é de 1,9 pontos percentuais.


Candidatos se rendem à imagem
Políticos procuram mudar o visual com maquiagem e truques fotográficos, manipulados por computador. Estratégia é usada para conquistar votos, mas especialistas alertam que artifício pode ser mal interpretado pelo eleitor

Até onde se sabe, a fonte da juventude é lenda. Ficção que a ciência ainda não explica. Porém, em época de campanha eleitoral, alguns candidatos, assim como os mágicos, pinçam da cartola truques capazes de enganar os olhos da platéia — no caso, o eleitor. Maquiagem, efeitos fotográficos e recursos de computação gráfica são alguns dos artifícios usados para repaginar o visual dos políticos.

Em outdoors, cartazes e panfletos, cabelos impecavelmente penteados, sorrisos amplos e peles lisas como a de um bebê fazem os candidatos aparentarem menos idade do que têm. O Adobe Photoshop — programa de computador para edição de imagens — virou uma espécie de ferramenta básica dos políticos. O software é o mesmo usado para melhorar as fotos de mulheres nuas em revistas. Nessas publicações, todas as moças mostram pernas torneadas, seios firmes, barrigas retas como tábuas, e nenhuma tem celulite ou estria.

A serviço da política, o photoshop também opera milagres. Comandos simples do programa dão sumiço em rugas, manchas na pele e qualquer outra imperfeição na imagem do político. Entre os quatro principais candidatos à presidência da República, só José Serra (PSDB) deu claros indícios de que usou truques de informática para melhorar a imagem. Ciro Gomes (PPS) e Anthony Garotinho (PSB) estão de cara mais limpa. A mudança de Luís Inácio Lula da Silva (PT) já vem observada ao longo dos anos. O petista apresenta, por exemplo, um sorriso mais branco do que quando se lançou candidato pela primeira vez, há 13 anos.

Os poderes do software fizeram o tucano, conhecido pela sisudez, exibir um amplo sorriso — com dentes visivelmente aumentados por truque fotográfico — nos cartazes, outdoors e panfletos. Amenizaram-se as rugas no rosto e foram suavizadas marcas de expressão no canto dos olhos do candidato. Nélson Biondi, coordenador de marketing da campanha de Serra, foi procurado pelo Correio para explicar a mudança, mas não retornou as ligações.

Na disputa pelo Buriti, as mudanças nas fotos de Geraldo Magela (PT) e de Joaquim Roriz (PMDB) são as que mais chamam a atenção. Nos outdoors, cartazes e panfletos, resplandece a face esbranquiçada de Magela. ‘‘Está igual a uma boneca de louça. Acho que exageraram no pó’’, critica o vendedor de seguros Arnaldo Duque, 35, ao ver um cartaz do candidato.

Magela garante que não se preocupou com a estética. ‘‘As propostas valem mais na hora de conquistar votos.’’ Ele jura não ter sido maquiado e atribui o aspecto embonecado a erros de impressão no papel. ‘‘Devolvi parte do material e mandei processar a gráfica.’’

Já o atual governador aparece remoçado. Sumiram os vincos em seu rosto de político experiente. ‘‘O cabelo está bem arrumado e ele parece mais novo. Mas a risada está estranha. Pessoalmente, ele é bem diferente’’, observa a dona-de-casa Sueli Costa, 40, moradora de Samambaia e eleitora de Roriz. A assessoria de comunicação do governador foi procurada, mas também não deu retorno.

Rodrigo Rollemberg (PSB) acredita que o zelo pela estética é irrelevante na campanha. Para ele, a postura durante a vida pública é o maior bem de um político. Mesmo assim, não escapou das críticas nas ruas. ‘‘O olho dele está meio verde. Acho que é lente de contato’’, aposta a estudante Luciane Pontes, 19. ‘‘Meus olhos são castanho-claros, não uso lentes. Deve ser efeito do flash. Só usei um pouco de pó na gravação da TV, para tirar o brilho da pele’’, justificou Rollemberg.

Benedito Domingos (PPB) é o que aparece de forma mais natural no material gráfico. Para ele, alterar a imagem é ludibriar o eleitorado. ‘‘Tem gente que quer parecer mais novo e passa até perfume para tirar foto ou gravar programa de televisão. Eu preferi não usar retoques. Na foto, ninguém me dá mais de 67 anos’’, brinca Benedito, que tem 68.


Imagem da campanha
Cabos eleitorais ocupam todos os espaços disponíveis para divulgar os nomes dos candidatos. Até as árvores da Câmara Legislativa são usadas para afixar faixas de propaganda política.


Artigos

José Serra na oposição
Walder de Góes

A rigor, o que está no fundo do quadro dessa campanha presidencial é o embate clássico entre governo e oposição. Caso Lula vença, se dirá que a oposição ganhou. Caso Serra vença, se dirá que o governo ganhou. E assim será.

Mas as histórias se tecem de mil maneiras. No mundo real, há governo e oposição, mas no mundo da campanha eleitoral só existe oposição. O governo é uma presença real, mas oculta. Talvez o mundo real nesse caso seja apenas nominal, se quisermos ousar mais para dizer que o candidato José Serra tornou-se oposicionista, pois o que propõe parece ter como base uma extensa e profunda crítica dos processos do governo Cardoso.

Essa ausência de governo na campanha é resultado de muitas circunstâncias. A temática mais conflitiva da agenda econômica foi suprimida do debate pelas delicadezas da instabilidade financeira. Ela perdeu, assim, função distintiva entre o que é governo e oposição no debate eleitoral e terá sido o fator gerador principal da ausência do presidente Cardoso da campanha. Antes disso, tateando possibilidades de estratégias para vencer o marasmo de sua candidatura, Serra pensou em uma plataforma que contemplasse continuidade e mudança, uma concessão, pois ele sempre trabalhou para evitar o carimbo oficial de sua candidatura. O tempo político é rápido. De um instante para outro o que ficou no cenário foi o Serra crítico, revisionista, um político de oposição, o que lhe foi facilitado pelo recolhimento do presidente Cardoso, calculado para isso ou não. Talvez Serra seja isso mesmo. Talvez seu oposicionismo seja mais do que campanha eleitoral.

De mais longe vinha a moderação de Lula e do PT, que fizeram um movimento suficiente para a viabilidade eleitoral, mas não tão radical a ponto de pôr a perder a identidade oposicionista. Vindos de opostos, Serra e Lula encontraram-se em propostas revisionistas muito semelhantes, talvez mesmo reflexos de análise comum sobre os comportamentos do poder central nos últimos anos.

De um lado, há o diagnóstico de Serra e Lula sobre a questão geral do Estado em face do mercado, a convicção de que o Estado se enfraqueceu institucionalmente em virtude de reformas liberais falhas em regulamentação. Para reabilitá-lo, receitam-se regulações mais abrangentes e severas da atividade econômica, ampliando-se as condições para intervenções governamentais. Um governo Lula e um governo Serra sofrerão muitas tentações intervencionistas. De outro lado, há o diagnóstico dos dois candidatos sobre a capacidade de ação do Executivo federal. Ele terá sido deserdado, seja pela descentralização algo desorganizada, seja pelas disfunções do presidencialismo de coalizão, de condições para liderar reformas e políticas públicas mais agressivas, para intervir mais eficazmente em situações pontuais, para assegurar ações mais resolutas na política exterior a fim de abrir espaço a interesses brasileiros. A noção de Estado-nação, que se opõe à da globalização, é mais forte em Serra e Lula do que no presidente Cardoso. Os candidatos receitam, para o caso, tanto Serra quanto Lula, aumento da agenda de funções do governo central, mais federalização das tarefas estatais. E há ainda um terceiro elemento de diagnóstico na base das propostas de Lula e Serra a confirmar-lhes o status oposicionista, a convicção de que faltaram nos últimos anos e governos vontades firmes para um reformismo social mais efetivo.

Sobre as razões oposicionistas de Lula nada é preciso dizer. Todos sabemos. Sobre as de Serra, há um pouco de muitas coisas. Há pragmatismo eleitoral, porque os sentimentos oposicionistas dos brasileiros são mais fortes este ano e se trata de passar por esse dado, de qualquer modo, e ganhar a eleição. Nesse caso, Serra vencendo teríamos a situação em que o governo ganhou a eleição com campanha oposicionista. Há também autocrítica nas razões oposicionistas de Serra. O governo sabe que errou e onde errou. Não pode confessá-lo, entretanto. Há ainda, de outra parte, a personalidade e as convicções de Serra, muito diferentes das do presidente Cardoso. Cardoso é um social-democrata com viés liberal e Serra um social-democrata com viés intervencionista. E há, sobretudo, uma questão política nas razões oposicionistas de Serra. Desde quando se distanciou do PFL, há dois anos, ao romper o protocolo sobre as presidências da Câmara e do Senado, o PSDB está orientado no sentido de recompor seu projeto político.

O projeto do PSDB é reconquistar a identidade social-democrata perdida nas relações de governo com os liberais, sobretudo os do PFL. Trata-se de algo simples, afinal. O governo Cardoso fez as reformas liberais, uma tarefa de ocasião inescapável, e para isso precisou aliar-se a partidos e grupos conservadores. Com isso, o projeto de poder do PSDB perdeu identidade, força própria. A reforma liberal construiu a estabilidade econômica e, feito esta, abre espaço à reforma social. Tal é a legitimidade que o PSDB quer conquistar e isso leva Serra a apresentar-se como líder de um projeto revisionista e, de fato, o que ele propõe é uma vasta revisão dos processos do governo Cardoso, pr incipalmente no plano da reforma social.

O revisionismo do PSDB encontra em José Serra, ademais, a liderança que também promete rever o modus operandi político do presidente Cardoso. Para cumprir o que promete em ação governamental e status para o PSDB, alianças à direita não seriam as mais indicadas; uma aliança de governo que incluísse o PT e outros partidos da esquerda seria mais prometedora. Qualquer que seja a aliança, porém, ela apresentará disfunções, como as paralisias decisórias, os empalidecimentos de decisão e a cristalização de interesses privados no ambiente governamental. E para isso receita-se com Serra mais imperialidade da presidência da República e estratégias implacáveis de realpolitik.

Assim sendo, ficamos sabendo que Lula continua oposicionista e que Serra tornou-se um seu rival no mesmo campo. Caberá ao eleitorado decidir a quem entregar a tarefa revisionista, se à oposição histórica ou se a um dissidente do governo Cardoso, sabendo-se que na história muitas dissidências reformaram regimes que ajudaram a construir. O que por ora sabemos é apenas que, com Lula, Serra ou Ciro Gomes, Garotinho à parte, o que se verá a partir de 2003 será um forte esforço de revisão dos processos do governo Cardoso. Sob esse aspecto, em qualquer hipótese eleitoral, a oposição estará no poder.



Editorial

SAÚDE EM AGONIA

O estado do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF) justifica a preocupação dos brasilienses com o sistema público de saúde. Pesquisa realizada pelo Instituto Vox Populi nos dias 11 e 12 de setembro prova que o atendimento médico, a assistência hospitalar e o acesso a remédios constitui a maior inquietação dos moradores da capital da República. A apreensão ultrapassa as incertezas com segurança, educação, emprego ou transporte.

Centro de referência na cidade e arredores, o HBDF há tempos enfrenta séria crise. Filas intermináveis, falta de leitos, precariedade de pessoal e mau atendimento viraram rotina. De tão comuns e constantes, tornaram-se problemas crônicos. Os pacientes os aceitam como fatalidade. Sem poder lutar contra a poderosa estrutura, conformam-se na esperança de a providência divina chegar até eles.

Com o passar dos meses, a expectativa torna-se cada vez mais remota. Além dos habituais, novos percalços atormentam os pacientes. Muitos correm risco de perder a vida por falta de material e equipamentos. Vale o exemplo do setor de cirurgia cardíaca. Desde julho, os médicos só operam na emergência. Os cardiopatas ficam até seis meses à espera da oportunidade de ser atendidos. A longa demora debilita-lhes a saúde, tornando-os fortes candidatos a infecção hospitalar. Em abril, três pessoas morreram.

O Pronto-Socorro não foge à regra. Superlotação, desconforto para enfermos e acompanhantes, internamentos de meses de duração sem encaminhamento à especialidade adequada em tempo hábil, respiradouros artificiais sem manutenção e tantos outros desvios atestam o descaso com a saúde pública no Distrito Federal. A calamidade, que não constitui exclusividade do Hospital de Base, está sendo investigados pelo Ministério Público, que pediu ajuda à polícia.

O flagelo da saúde tem que ter ponto final. É inaceitável que pessoas doentes não tenham atendimento adequado, pacientes com enfermidades crônicas não encontrem o remédio que lhes garante a vida, crianças e adultos com todas as possibilidades de se submeter a cirurgia com êxito morram por falta de material e equipamentos. Administrar é definir prioridades. A situação de hospitais da rede pública é atestado de desprezo por quem não pode recorrer ao seguro de saúde privado. É lamentável.


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09/26/2002


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