Índios protestam contra decreto que acaba com postos da Funai em aldeias



Índios de diferentes etnias transformaram a audiência pública comemorativa dos 100 anos da política indigenista em um protesto contra decreto presidencial que extingue os postos de atendimento da Fundação Nacional do Índio (Funai) nas aldeias. A audiência pública chegou a ser aberta nesta quarta-feira (5) com um discurso do presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), senador Cristovam Buarque (PDT-DF), reconhecendo a "imensa dívida" da nação brasileira com os índios, mas logo as lideranças indígenas presentes começaram o protesto.

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Os índios argumentaram que o Decreto 7.056/09, pelo qual o presidente da República aprova o quadro de cargos e funções da Funai, viola a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O artigo 6º dessa norma internacional obriga os governos dos países signatários, como o Brasil, a consultarem os povos interessados a cada vez que adotarem medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente.

Ausência

Jeremias Pinita"Awe, de Campinápolis (MT), avisou que "com índio não se brinca" e acusou o presidente da Funai, Márcio Meira, de estar sempre fugindo - embora convidado, ele não compareceu à audiência pública e foi representado pela coordenadora Irânia Marques.

O representante indígena, que também é vereador em Campinápolis, cobrou explicação sobre o decreto, que considerou uma violação à Convenção 169. Pinita"Awe acusou a Funai de usar a Força Nacional de Segurança Pública para intimidar as lideranças indígenas. Segundo ele, "nem os governos militares desrespeitaram tanto" essas lideranças.

Conflitos

O indigenista Wagner Tramm - que também é geógrafo especialista em gestão e ordenamento territorial da Universidade de Brasília (UnB) - responsabilizou o decreto por conflitos entre comunidades indígenas e pediu sua sustação, "antes que mais sangue seja derramado nas aldeias". Ele disse que o Estado, que deve mediar os conflitos, estimula desavenças com o decreto.

Diante do clima tenso da reunião, Tramm disse que "índios não são baderneiros" e que lutam por questão de princípio - o respeito a seus direitos -, podendo participar de um debate organizado. Fez então uma sugestão a Cristovam Buarque: realizar uma audiência pública com a finalidade específica de discutir a revogação do decreto presidencial.

O presidente da CDH concordou com a idéia e leu a minuta do requerimento com essa finalidade, que seria votado logo em seguida. Mas avisou aos presentes que não poderia assegurar a presença do presidente da Funai, Márcio Meira.

Prometeu que, caso ele não compareça, acompanhará as lideranças indígenas em passeata até o Ministério da Justiça. O senador José Nery (PSOL-PA) também anunciou sua presença na passeata, se eventualmente Meira não for à audiência pública.

Debate

Cristovam e Eduardo Suplicy (PT-SP) insistiram na necessidade de se fazer um debate respeitoso sobre o decreto, ouvindo-se os dois lados - as lideranças indígenas insatisfeitas e a Funai. Suplicy afirmou que a comissão vai assegurar o respeito aos índios que querem ser ouvidos, mas também a manifestação da direção da Funai. A socióloga Azelene Kaingáng, presente à reunião, afirmou que os índios são guerreiros, mas sempre respeitam o próximo.

O índio Carlos Pancararu disse que os blogs de várias tribos, como os parecis, de Mato Grosso, relatam dificuldades resultantes da falta de estrutura para atendimento das aldeias. O problema, segundo ele, foi agravado pelo decreto presidencial.

Depois das várias manifestações, Cristovam anunciou para a próxima quarta-feira (12) a realização de audiência pública para discutir a suspensão ou reformulação do Decreto 7.056/09. No requerimento, o presidente da CDH levou em consideração o argumento dos índios de que o ato presidencial teria violado a Convenção 169, da OIT, e, consequentemente, o decreto legislativo que a aprovou no Congresso Nacional (DL 143/02).

Djalba Lima / Agência Senado 



05/05/2010

Agência Senado


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