Inimigos políticos se abraçam na missa









Inimigos políticos se abraçam na missa
JACAREÍ - O governador Geraldo Alckmin (PSDB), que concorre à reeleição, e o deputado Aloizio Mercadante (PT-SP), candidato ao Senado, enfrentaram uma saia justa ontem, durante a missa de encerramento da Feira Agropecuária de Jacareí, interior do Estado. A convite do padre, subiram ao altar, rezaram um ao lado do outro e tiveram de trocar abraços na celebração da paz.


Projeto de Lula é ampliar volume de arrecadação
O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, elege o problema da arrecadação como o mais importante na questão previdenciária. "O que precisamos é recuperar a capacidade de arrecadação da Previdência, gerando mais emprego neste País, criando condições objetivas para que mesmo pessoas da economia informal possam contribuir", afirmou ele, durante um recente debate em São Paulo. E propôs, também, "garantir que a aposentadoria seja ligada ao aumento que a pessoa tivesse na sua categoria".

Discursos à parte, o PT não dispõe, ainda, de um projeto para o assunto:
embora tenha passado anos opondo-se duramente às tentativas do governo Fernando Henrique Cardoso de levar adiante a sua reforma previdenciária, o partido só preparou até agora um diagnóstico pouco detalhado do problema. No programa de governo que o partido divulgará no dia 23, são dedicadas 28 linhas ao assunto, nas quais se afirma que "é necessário resolver a questão do déficit, principalmente com a solução da questão da previdência pública, do crescimento econômico e a ampliação da formalização do trabalho".

O documento elaborado pelos petistas faz rápidas referências à "crescente participação das faixas etárias de maior idade, aliada ao aumento da expectativa de vida da população". E ataca, também, "o descompasso que existe entre os sistemas vigentes de aposentadoria nos setores privado e público, com uma clara desvantagem do primeiro".

A propósito desse descompasso, o texto lembra que "os pouco menos de 1 milhão de aposentados do setor público, que se retiraram da ativa com salários integrais, impõem aos cofres públicos um déficit em torno de R$ 40 bilhões".

Deixando de lado as críticas que fez às "injustiças" do modelo de Previdência do governo Fernando Henrique, durante a discussão da reforma da Previdência, em 1997 e 1998, o texto denuncia "a arrogância com que se encaminhou o processo, no qual o governo transmitia enorme insegurança quanto a direitos consagrados na Constituição".


Para Serra, crescimento maior vai garantir o sistema
A equipe do senador José Serra, candidato do PSDB, faz um diagnóstico otimista da situação da Previdência, apesar de reconhecer que o sistema enfrenta problemas sérios, como o acelerado processo de envelhecimento da população e o crescimento da economia informal no mercado de trabalho.

Pelos números em que se baseia a análise, a arrecadação líquida da Previdência é de R$ 60,6 bilhões, enquanto as despesas somam R$ 60,7 bilhões. O desequilíbrio aparece quando entram na conta os beneficiários e contribuintes da área rural, pois aí se chega a um déficit de R$ 12,8 bilhões, segundo a assessoria de Serra.

"Se dizemos que o regime previdenciário tem sustentação para os próximos anos, é porque jogamos com a perspectiva de que a economia vai crescer e melhorar o mercado de trabalho", observa o economista Geraldo Biasoto, da equipe do programa de governo do PSDB.

O crescimento da economia informal é uma preocupação, porque " participação dos trabalhadores com carteira assinada na população ocupada caiu de 57,5% para 45,4%" entre 1990 e 2001, segundo o diagnóstico do programa do candidato. Os economistas estimam que, ao invés do déficit de R$ 12,8 bilhões, a Previdência teria registrado superávit de R$ 3,8 bilhões no ano passado, se a estrutura do mercado de trabalho se mantivesse.

Biasoto adianta que o programa de Serra tem propostas para garantir a sustentabilidade do sistema previdenciário nos próximos dez anos. Uma das opções seria convencer os trabalhadores da economia informal a contribuirem para a Previdência como autônomos, "já que eles têm renda, mesmo estando fora do mercado". Outra medida seria o combate à sonegação.

O principal desafio da política previdenciária, segundo o diagnóstico, "é desarmar a bomba provocada pela combinação entre a baixa cobertura do sistema e o envelhecimento populacional".

Projeções do Ministério da Previdência indicam que, em 2025, mais da metade do contingente dos trabalhadores sem cobertura do sistema previdenciário (40,2 milhões, em 1999) terá mais de 60 anos de idade - o que significará aumento dos gastos assistenciais e redução da renda familiar.


Ciro propõe sistema de 'capitalização da Previdência'
O problema básico do déficit da Previdência, para o candidato do PPS, Ciro Gomes, é que "a demografia média brasileira, como a européia, está envelhecendo aceleradamente". Ou seja, está aumentando, ano após ano, o contingente de beneficiários inativos, em comparação com o de contribuintes.

"Juntando a média demográfica envelhecida com o crescimento de expectativa de vida, a queda da mortalidade infantil e a informalização do mercado de trabalho, já temos a proporção de 1,7 contribuinte para 1 aposentado", afirma o candidato, com a advertência de que um regime de repartição nesse nível não pode funcionar.

A proposta de Ciro, que ele promete detalhar no programa de governo para discutir com a sociedade, é a criação de um sistema de capitalização capaz de, no futuro, garantir recursos para pagar os benefícios. "Parece complicadíssimo, não sei fazer mágica, mas sei que funciona no mundo inteiro", diz.

O déficit da Previdência, calcula Ciro, está em torno de R$ 16 bilhões, considerando apenas o setor privado - pois, segundo ele, "o setor público é uma falácia", já que o governo não contabiliza a sua contribuição de empregador. "A folha de pagamento do funcionalismo federal é de R$ 64 bilhões por ano, embutidos aí os encargos previdenciários."

Ciro responsabiliza o governo pelo déficit. "Quando Fernando Henrique assumiu, tínhamos superávit", afirma, referindo-se à sua condição de ex-ministro da Fazenda de Itamar Franco. Em sua opinião, é "mistificação grosseira" dizer que o problema da Previdência é a despesa.

"O que está errado é ter um sistema de financiamento baseado na incidência na folha de pagamento", adverte Ciro. Se a situação se agrava com a informalização do trabalho, acrescenta, a saída é aumentar o número de empregos formais com o crescimento da economia, em vez de punir o salário mínimo.

O ex-ministro lembra que, no governo anterior, o salário mínimo era de US$ 100 - equivalente hoje a R$ 285 -, sem impacto negativo para a Previdência.

"O que estamos propondo é transitar gradualmente da folha de pagamento para o faturamento líquido, especialmente nos setores intensivos de capital", adianta Ciro.


PT evitará mudanças bruscas, diz Mercadante
Para conselheiro de Lula, que vai se encontrar com diretor do BC, há 'pouco espaço' para manobras

O Partido dos Trabalhadores está disposto a contribuir de todas as maneiras para evitar que a crise econômica do País se aprofunde no final do governo de Fernando Henrique Cardoso. A meta é garantir a governabilidade até a posse do próximo presidente. A informação é do deputado petista Aloizio Mercandante, conselheiro do presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva, que aceitou o convite do presidente do Banco Central, Armínio Fraga, para um encontro, no qual deverão conversar sobre o momento econômico. É provável que a data e a pauta da reunião sejam acertadas ainda hoje. "Ficou combinado que ele faria um contato comigo assim que retornasse da viagem aos Estados Unidos", disse Mercadante.

Na semana passada, o presidente do Banco Central reuniu-se com autoridades do governo americano e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Acredita-se que no encontro com Mercadante ele faça um relato desses encontros, no qual teria discutido a possibilidade de se prorrogar o atual acordo entre o Brasil e o Fundo, e fale sobre a transição da atual política econômica para a do próximo governo.

Mercadante evitou falar sobre o FMI ou qualquer outro ponto específico da conversa que terá com Fraga. Mas anunciou que ninguém deve esperar nenhum movimento brusco na economia caso Lula vença as eleições. A margem de manobra é muito pequena: "Não cabe nenhuma manobra brusca, pois estamos num carro a 300 quilômetros por hora. E em alta velocidade os movimentos tem que ser delicados."

Antes do encontro com o petista, porém, Fraga deve conversar com um representante do candidato José Serra - o deputado José Aníbal, presidente nacional do PSDB. Quando soube do convite a Mercadante, na quarta-feira, o deputado situacionista reclamou - e acabou ganhando um convite.

Mercado - A meta dos encontros é encontrar medidas capazes de tranqüilizar o mercado e evitar o aprofundamento da crise econômica.

Segundo Mercadante, a situação internacional mostra-se delicada, em razão do colapso na Argentina e da crise de confiança entre os investidores do mercado dos Estados Unidos. "Como o Brasil é uma das economias mais dependentes de capital externo, fica mais exposto a essa turbulência.

Devemos ter, portanto, muita responsabilidade, para impedir o agravamento da crise."

O próximo governo deverá, no primeiro momento, criar condições para controlar o carro que vai a 300 por hora, segundo o deputado: "Para reduzir a velocidade e permitir que o piloto, que é o governo, recupere os instrumentos de política econômica, teremos que reduzir a vulnerabilidade externa. O Brasil tem que exportar mais, melhorar a qualidade das exportações, e substituir importações."

Mercadante, que concorre a uma vaga no Senado, acredita que o centro da crise está no financiamento externo. "Ou se resolve pelo comércio, gerando divisas, ou continuaremos instáveis e vulneráveis."

O PT, segundo o conselheiro econômico de Lula, quer ajudar a manter a governabilidade do País até a posse do próximo governo. Não abdica, no entanto, da possibilidade de mudanças na atual política econômica. "Se ela trouxesse resultados, o Brasil hoje não estaria no meio dessa recessão."


Serra decide evitar polarização com Ciro
Ele critica clima de bate-boca na campanha e defende realizações do governo FHC

BARREIRAS (BA) - A nova estratégia do candidato tucano à Presidência da República, senador José Serra (SP), é evitar a polarização com Ciro Gomes (PPS). Ambos estão tecnicamente empatados nas pesquisas de intenção de voto. Serra criticou o clima de bate-boca entre os candidatos à sucessão de Fernando Henrique Cardoso e condenou a atitude de seus oponentes de ressaltarem apenas as mazelas do Brasil. "Em campanha eleitoral, a maior parte dos candidatos passa só falando mal; tende-se a acentuar o clima de negativismo", disse Serra, para uma platéia de empresários exportadores de soja e café irrigado, em Barreiras, oeste da Bahia, no sábado. "Eleição serve como uma ótima oportunidade para a gente debater idéias, propostas a respeito de nosso País; não para fazer baixarias, troca de insultos."

Na avaliação de estrategistas da campanha tucana, Serra não tem ganho nada ao enfrentar e trocar acusações com o candidato da Frente Trabalhista.

Recentemente, Serra disse que Ciro era um "genérico do Collor", comparando o candidato do PPS ao ex-presidente Fernando Collor de Mello.

E para tentar se diferenciar de seu principal oponente, o tucano decidiu adotar um discurso otimista sobre projetos, em especial os ligados à área social, que deram certo no Brasil. Ciro Gomes tem uma postura extremamente crítica ao atual modelo econômico. Em visita a Barreiras na tarde e na noite de sábado, Serra destacou todas as medidas por ele adotadas à frente da pasta da Saúde, como as campanhas de combate à aids, de vacinação e o programa Saúde da Família. Aos empresários da região, o tucano garantiu ainda que não pretende mudar os projetos do atual governo que estão dando certo. "Não vamos mudar programas que funcionam só porque mudou o governo", disse.

Rita - Fora o estresse final com o atraso do tucano na exposição, a visita de Serra à feira foi em clima de total descontração. Ao lado da candidata à vice-presidente Rita Camata, do PMDB, que tocou pandeiro na exposição, Serra seguiu à risca todos os passos de candidato em campanha: bebeu cerveja e chegou até a ensaiar alguns passos de samba com Graziela Sessa, uma morena de 30 anos com mais de 1m80 de altura.

"Claro que voto no Serra", garantiu a sambista. "Mas assim como minha família também voto em ACM", disse Graziela.


Artigos

A democracia e o mercado
Alcides Amaral

Democracia e capitalismo são incompatíveis, uma vez que o capitalismo sempre treme quando se vê diante do evento central da democracia, que são as eleições? Para que serve a democracia, se temos de votar no candidato que o mercado elege? Se tivermos de necessariamente seguir o mesmo modelo econômico, não seria o caso de instalar-se de vez a ditadura?

Essas foram algumas das indagações que recebemos como resposta ao artigo Uma avaliação do risco político, que publicamos, neste mesmo espaço, há 15 dias.

O artigo pretendia mostrar o que hoje acontece, quando uma eventual vitória do PT nas próximas eleições presidenciais faz o mercado se recolher com relação ao nosso país, pressionando o dólar e o "risco Brasil". Embora não possamos esquecer que alguma volatilidade sempre faz parte do processo eleitoral em países emergentes, são perguntas pertinentes que merecem ser endereçadas.

Inicialmente, é bom que diferenciemos a figura do especulador da do investidor.

Para o especulador, quanto maior for a volatilidade, melhor. Com o mercado estático, sem oscilações, as possibilidades de arbitragem se reduzem drasticamente e as oportunidades para lucros fáceis se evaporam. Em situações semelhantes àquelas por que estamos passando, com incertezas no ar a ponto de o próprio presidente do México, Vicente Fox, ter afirmado, em recente visita ao País, que "o discurso de Lula precisa ser mais convincente", os especuladores atuam intensamente. Contra eles resta a atuação da autoridade monetária - o Banco Central, no caso -, interferindo no mercado, impondo limites, mostrando que possui munição para enfrentá-los.

Com relação ao investidor, aquele que financia e investe nas empresas e nos países, a situação é bem diferente. O que ele busca são condições políticas e econômicas que lhe permitam ter retorno garantido para os investimentos efetuados, sejam eles de curto, médio ou longo prazo. E alguns dos princípios básicos que, teoricamente, asseguram que o Brasil continuará a merecer confiança fazem parte de algumas conquistas do governo Fernando Henrique Cardoso. Responsabilidade fiscal, superávits primários nas contas públicas, controle da inflação, regime de câmbio flutuante e respeito aos contratos são considerados ganhos irreversíveis que não devem ser desprezados por nenhum dos candidatos. Sem eles a trajetória ficaria mais difícil e, portanto, a capacidade do País de continuar sua rota em direção ao crescimento sustentado ficaria irremediavelmente prejudicada.

Não bastasse, temos ainda os eventos na Argentina, onde os mesmos investidores - sejam eles credores, portadores de títulos ou investidores nas áreas produtivas - tiveram prejuízos gi gantescos. Em situações como essa, a aversão ao risco aumenta significativamente e, por vezes, a irracionalidade passa a prevalecer. Posições são reduzidas, novos investimentos rareiam e novos mercados são procurados. E exageros são eventualmente cometidos, como parece ser o nosso caso.

Entretanto, é bom que fique claro que essa não é uma atitude restrita ao investidor externo, aquele que, segundo alguns mal informados, busca apenas o lucro fácil.

Episódio semelhante tivemos recentemente aqui mesmo, no Brasil, dado pelo nosso poupador. Na medida em que os fundos DI e de renda fixa passaram a oferecer algum risco, houve uma corrida maciça para a caderneta de poupança.

Quase R$ 6 bilhões saíram dos fundos para a poupança, que, embora ofereça, ao longo do tempo, retornos inferiores aos fundos, é considerada porto seguro, sem riscos. Se agimos assim com nosso dinheiro, não é justo que o investidor externo, aquele que possui interesses legítimos, também o faça?

Como pode ser verificado, o problema não é a democracia - mesmo porque sem democracia os mercados não funcionam -, mas sim condições políticas e econômicas que mantenham os países no caminho da normalidade. Um redirecionamento das prioridades governamentais não raro é visto com entusiasmo, pois as condições macroeconômicas mudam e precisamos adaptar-nos a elas.

Um bom governo, por melhor que seja, sempre deixa coisas a fazer, e aí está a beleza da democracia. Procurar novas alternativas, sangue novo, para enfrentar os desafios que não deixarão de existir.

Não devemos, pois, nos deixar intimidar pelo mercado. Ele sempre reagirá negativamente quando o retorno do seu investimento estiver ameaçado - e declarações do tipo "vamos honrar os mercados, mas à nossa moda, e não à moda deles", do candidato líder nas pesquisas, em nada ajudam. O eleitor deve analisar cuidadosamente o que o seu candidato pode realmente oferecer-lhe, quais as condições reais para fazer do Brasil um país melhor.

As promessas devem ficar de lado, mesmo porque não há milagres em economia, tampouco modelos econômicos substancialmente diferentes ao redor do mundo.

Isto feito, estando convicto de que o "seu" candidato é o que tem melhores condições para servir ao País, não hesite, pois não podemos abrir mão da democracia. Eleja-o no fim do ano, pois, se o novo presidente fizer aquilo que lhe prometeu, o mercado o aceitará tranqüilamente.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Na trilha de Herodes
Acho que todos os brasileiros estamos sentindo uma espécie de complexo de Herodes; co-responsáveis nesse morticínio espantoso de recém-nascidos do qual diariamente jornais, radio e TV dão notícia.

A epidemia (será mesmo epidemia?) ocorre nos locais mais distantes uns dos outros, como Boa Vista em Roraima, Fortaleza, Vitória, Niterói, etc. Os recém-nascidos morrem por infecção hospitalar, explica-se. A capacidade dos hospitais infantis é excedida de longe e não há tempo para higienizar os berços entre um e outro ocupante.

Ontem me dizia um velho cético que o mal é que nascem crianças demais no Brasil e no mundo. Crianças demais para recursos cada vez menores, pois que as crianças que escaparem de morrer de infecção hospitalar morrem mesmo em casa, mal paridas e maltratadas.

Todo criador de animais reduz o rebanho quando verifica que não dispõe de alimentos suficientes para os sustentar. O homem, não. Aliás, quero dizer, a gente pobre, porque os ricos têm os seus meios de reduzir a prole: ninguém vê um miliardário deixar 10, 12 filhos: "Um casalzinho ou, máximo, três crianças", diz a madame num suspiro. "Imagine a dificuldade que já é arranjar três babás!"

Os animais irracionais, como já foi dito, sabem como reduzir a prole, de acordo com os seus recursos naturais. O homem, animal racional, não o sabe. A causa principal nos países mais pobres é a religiosidade. As igrejas, por inegáveis motivos, têm mais força sobre os pobres do que sobre os ricos - não me atrevo a discutir aqui esses motivos que levam quase todas as confissões cristãs a condenar os anticoncepcionais. O mais alegado é que o ato do amor não deve ser gratuito, pura luxúria; é destinado a dar frutos; para isso o Senhor o concebeu e o permite. E como exigir isso seria exigir o impossível, os casais mais renitentes, ou se amam em liberdade e no dia da confissão acusam-se do pecado; ou simplesmente deixam de lado a abstenção, como obsoleta.

No interior do Brasil, por exemplo, a reprodução humana se faz como a dos pássaros ou dos sagüis. Os caboclos nem compreendem bem os sermões dos pastores, com suas palavras difíceis, ou não os freqüentam. (Cada vez diminui mais o número do clero católico no nosso interior. São substituídos pela invasão pregadora dos "crentes" ou "protestantes", que têm posições diversas a respeito de controle de natalidade, contra ou a favor.

Mas mesmo um casal que sente a necessidade de limitar os filhos não tem como o fazer. O anticoncepcional mais conhecido por eles, talvez o único, é a pílula, cujo preço exorbitante é inacessível para os seus recursos. Toda mulher sertaneja, com mais de quatro ou cinco filhos, já tem noção de que existe a laqueação das trompas, e sonha em realizá-la, mas tanto a lei dos homens com a de Deus a proíbem. Conheço um hospital mantido por religiosos (que aliás presta preciosos serviços à comunidade) que, durante os partos, deixa sempre uma freira acompanhando os movimentos do médico parteiro, vigiando se ele vai executar a atadura (que a parturiente lhe suplicou fizesse) alegando: "O senhor bispo proíbe que se faça isso aqui..."

Que fazer então? A rede hospitalar do País, é fácil ver nas estatísticas, é dolorosamente insuficiente para atender à população adulta, quanto mais os berçários, sobrecarregados de bebês, pondo-se até de dois num berço único...

Certa vez consegui de uma instituição americana o fornecimento gratuito de pílulas para as mulheres da nossa região. Em poucos meses inscreveram-se 90 mulheres e era um alívio vê-las menos sobrecarregadas de crianças, na barriga ou escanchadas nos quadris. Mas aí uma autoridade eclesiástica da cidade de onde provinham as pílulas soube do fato e imediatamente conseguiu sua proibição; ainda neste mês, uma das antigas freguesas das nossas pílulas morreu de parto, junto com a criança, ao dar à luz o sétimo filho - e eram apenas sete por causa da bendita interrupção daqueles três anos...

A questão é de dinheiro, de cultura, de governo, de política? Não se sabe. Enquanto isso, continuam todos como o velho Herodes, matando criancinhas com poucos dias de vida, como se já não bastasse as que morrem pelas outras causas, que também vitimam os adultos.


Editorial

DE POLÍTICA E RELIGIÃO

As estranhas alianças, trocas de posições, "revisões" doutrinárias - ou ideológicas -, que têm marcado o comportamento geral dos partidos políticos brasileiros, no momento em que caminhamos para as etapas decisivas da sucessão presidencial, trazem também, como não poderia deixar de ser, curiosos reflexos nas ligações, aproximações, afastamentos ou desligamentos entre as religiões, os partidos e os políticos. As alianças partidárias são pautadas pelo pragmatismo, visto que a grande motivação das candidaturas e legendas é ganhar mais tempo no horário eleitoral gratuito da televisão e do rádio, assim como apoios mais estruturados nos Estados, independentemente de quaisquer cogitações sobre coerência partidária e/ou afinidades programáticas. Da mesma forma, é o pragmatismo, e não qualquer tipo de consideração que pudesse levar em conta dados da espiritualidade - que deveria constituir o objeto fundamental das entidades ou organizações religiosas -, que tem prevalec ido nas atuais conexões e desconexões político-religiosas.

Interessante matéria publicada quarta-feira no jornal Valor Econômico leva a uma reflexão sobre o tema, ao apontar importantes mudanças, quanto ao apoio das entidades religiosas a candidatos e partidos. Entre as constatações da matéria está que "o candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, chega à eleição mais distante que nunca da Igreja Católica". Esse distanciamento se deve tanto à aliança feita pelo PT com o PL - atual braço partidário da Igreja Universal do Reino de Deus - quanto às afinidades da militância católica com o candidato tucano José Serra, que têm indiscutível base histórica.

A militância católica, que durante tanto tempo - e tantas eleições - atuou bem próxima e deu um sólido apoio ao Partido dos Trabalhadores (PT), de repente se viu "substituída", pelo menos no campo formal da aliança política, por grupos - os evangélicos da Universal - em relação aos quais não nutre afinidades religiosas nem políticas, sendo a recíproca verdadeira.

Assim, as correntes do catolicismo que se fazem representar na CNBB, por exemplo, passaram a se situar à esquerda do PT e, como disse o assessor político da entidade, padre José Ernane Pinheiro: "Lula tende a se enfraquecer nos grupos de base da Igreja."

Por outro lado, o candidato da coalizão PSDB-PMDB, José Serra, que foi fundador e militante da Ação Popular (AP), movimento que derivou da antiga Juventude Universitária Católica (JUC), engajou amplamente as pastorais da Igreja nos programas de saúde pública, quando esteve no Ministério. Além disso, Serra defendeu a isenção tributária das entidades filantrópicas, o que beneficiou especialmente a Igreja, porque, quando o governo baixou, em fins de 1998, uma medida provisória acabando com a isenção previdenciária da contribuição patronal das entidades filantrópicas, atingiu 2,3 mil delas administradas por católicos - enquanto as ligadas aos evangélicos, espíritas e de outras religiões, somadas, não ultrapassavam 900.

Uma das indicações de que é frágil a aliança entre Lula e os evangélicos é o fato que de estes, que costumam deixar claramente expresso (ao contrário da Igreja) o apoio a determinado candidato, não o fizeram em relação ao candidato petista à Presidência. É isso que também leva muitos militantes católicos a sustentar que a aliança PT-PL resultou em poucos ganhos - um minuto a mais no horário gratuito, um hesitante apoio nos palanques - em comparação com as perdas. Essa opinião foi bem sintetizada pelo presidente da Comissão de Justiça e Paz, o ex-vereador Francisco Whitaker, filiado ao PT, nos seguintes termos: "O PT não ganha muita coisa e perde muito. Mais vale para a militância ter um projeto do que assumir alianças contraditórias. Qual o nosso objetivo, mudar o País ou tomar o poder?"

Agora, ainda no campo do pragmatismo, há um outro componente no complicado processo de conexão Política/Religião, e este se refere ao sistema de concessões, alienações e expansões de canais das redes de televisão e rádio.

Não nos esqueçamos de que foi prometido ao grupo do bispo Rodrigues (da Universal), certamente nas penosas negociações que levaram à aliança PT-PL, pelo menos um ministério num eventual governo Lula. Seria o das Comunicações - justamente o que trata da organização das concessões públicas de canais de rádio e TV?


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07/15/2002


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