Jonas Pinheiro: "Prejudicar o setor agropecuário é não gostar do Brasil"
Em entrevista à Agência Senado o senador Jonas Pinheiro (PFL-MT) explica as causas da crise no setor agropecuário, que já acumula prejuízo de R$ 30 bilhões nas últimas três safras. Ele aponta soluções e critica o governo por, no recente Pacote Agrícola, não ter mirado o futuro, mas resolvido apenas questões emergenciais relativas à dívidas dos produtores.
Jonas Pinheiro também comentou a saída do ministro da Agricultura Roberto Rodrigues. Para o senador, Rodrigues pediu demissão porque não queria ceder às pressões para assinar a portaria que muda os índices de produtividade para efeito de desapropriação de terras para fins de reforma agrária. "Ele fez bem em não assinar", solidariza-se o senador, para quem o ministro era o esteio do agronegócio dentro do governo Lula.
Há 28 anos no Congresso Nacional, o senador Jonas Pinheiro tem empenhado seus sucessivos mandatos, seja como deputado ou senador, na defesa de políticas e medidas que considera apropriadas para a superação das questões estruturais da agricultura brasileira e para o crescimento do agronegócio no país.
Escassez de investimentos oficiais, ausência de uma política adequada de preço mínimo, obstáculos legais para o uso de transgênicos e, principalmente, o desequilíbrio entre os preços de produção e da venda dos produtos agrícolas têm contribuído, segundo ele, para que, no Brasil, todas as culturas dêem prejuízo, com exceção da cana-de-açúcar. "Nossa agricultura está mal!"- adverte.
Agência Senado - O que significou para os produtores rurais e para o projeto de política agropecuária do governo o pedido de demissão do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues?
Jonas Pinheiro - Foi uma pena. O ministro Roberto Rodrigues era o esteiodo agronegócio dentro do governo Lula. Se o governo Lulatinha alguma produção positiva no setor do agro- negócio isto se devia ao ministro Roberto Rodrigues. Politicamente perderam o governo e o produtor rural, porque ficam sem o seu esteio básico em defesa do agronegócio neste atual governo.
Agência Senado - Uma vez que a iniciativa de se afastar foi dele, de onde teriam vindo as dificuldades que o levaram a pedir demissão?
Jonas Pinheiro - Na verdade, o ministro Roberto Rodrigues sempre apoiou a iniciativa dos produtores rurais, através dos seus líderes ou da chamada bancada agrícola do Congresso Nacional. Havia uma simbiose de propósitos. O que nós pensávamos era exatamente o que ele também pensava. Mas ele tinha problemas. O mais complicado que ele enfrentou foi não querer assinar a portaria que muda os índices de produtividade para efeitode desapropriação para a reforma agrária. Isso aí é grave. Porque se não assinou, fez certo. Agora, ele devia dizer que estava saindo por isso.
Agência Senado- Isso teria que efeitos sobre o processo de desapropriação das propriedades para fins de reforma agrária?
Jonas Pinheiro - Iria facilitar a desapropriação. Mas veja: nestes últimos anos tivemos a seca em algumas regiões e o excesso de chuva em outras, a ferrugem asiática na soja, além da escassez de recursos aplicados em tecnologia adequada, fatores que contribuíram para baixar muito a produtividade. E diante dessa quedada produtividade, evidentemente, aumentar o índice de análise de produtividade iria prejudicar boas propriedades no Brasil.
Agência Senado - Qual é o verdadeiro quadro, neste momento, da agricultura brasileira?
Jonas Pinheiro - É muito ruim, porque a situação, de fato, é delicada. O setor perdeu na safra2004/2005 R$ 17 bilhões. Perdeu, na safra seguinte, mais R$ 13 bilhões. As principais causas destas perdas são o câmbio e preço de commodities. Nuncao preço dos commodities esteve tão barato. Não é que commodities no mundo estejam baratos; mas no Brasil está muito barato. Quando você recebe em dólar e transforma em real percebe que o resultado do trabalho não valeu nada. E os juros também estão muito altos. Quando nós fizemos a securitização da dívida dos produtores, o maior percentual dessas dívidas estava nos bancos, o que é mais fácil de resolver. Hoje, o governo deixou de aplicar muitodinheiro no agronegócio e a solução do agricultor foi pedir dinheiro emprestado nas tradings [empresas privadas] com 26% de juros ao ano. O produtor teve de pularde 8,75% para 26% ao ano. Não há empreendimento que possa dar certo. Na verdade, o grande problema é que o custo de produção está muito mais alto do que o preço que se consegue com a venda dos produtos. Não há como o setor crescer porque não há matemática que feche neste negócio.
Agência Senado - Então, não há uma perspectiva, em curto prazo, de se resolver esta crise?
Jonas pinheiro - Nós conseguimos negociar uma parcela da dívida do atrasado. Isso é fundamental. Porque sem negociar esta dívida o produtornão podia ter acesso a um novo crédito. Negociamos com os bancos. Estamos levantando dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), com autorização do Conselho Deliberativo do FAT (Codefat), para adequar a dívida que está nas mãos das empresas. Nós temos de arranjar dinheiro para isso. Negociar essa dívida antiga, reformaressa dívida numa dívida nova. Só que a antiga está com 26% de juros. Nós queremos transformá-la numa dívida com13% de juros ao ano e expandir o prazo para pagarmos em cinco anos, com dois anos de carência.
Agência Senado - E o governo tem se mostrado receptividade a esta proposta dos produtores?
Jonas Pinheiro - Sim, isto já está acertado. Falta chegar lána ponta. Por outro lado, com relação ao preço mínimo dos produtos, a soja, por exemplo, tem um preço mínimo de R$ 14,50. O governo acenou com o preço referência de R$ 22,50. Mas a soja não está neste preço. Então, o governo acenou com um bônus para complementar esse valor. Se o mercado assume o preçode R$ 16, o governo podia dar um bônus para completar o valor dos R$ 22,50. Isto também está assegurado.
Agência Senado- Diante dessas perspectivas concretas, o senhor diria que estão se estabelecendo as condições para que a agricultura possa retomaros níveis anteriores de crescimento?
Jonas Pinheiro - Qual é o nosso problema? É que o governo resolveu o problema do passado, um problema emergencial. Mas, e o futuro? Vai continuar com esse desequilíbrio, custo de produçãoaltíssimo e preço do produto baixo? Precisamos de ações estruturantes na agricultura, com a diminuição dos impostos, sobretudo do óleo diesel; o uso de transgênicos - temos de usar transgênicos, senão não competimos -; e o uso de defensivo genérico, inseticidas de um modo geral. Você vai ali na Bolívia e compra pela metade do preço que se paga no Brasil. Nós queremos que as importações desses produtos genéricos se tornem mais baratas. E temos queusar o biodiesel. Queremos que o governo não prejudique aqueles que produzem o biodiesel.
Agência Senado - O que é que o senhor chama de o governo não prejudicar os que produzem o biodiesel?
Jonas Pinheiro - Não pode querer que o biodiesel pague imposto e colocar o biodiesel junto com o óleodiesel, porque aí o produto seria controlado pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), criando dificuldades para a produção na fazenda. Essas são algumas das dificuldades queestamos enfrentado. Estamos discutindo com o governo para tornar o produto agrícola rentável, porque hoje ele não é. Alguns dizem que é por causa da monocultura. Mas não é. Se você analisar, vai verificar q ue a soja dá prejuízo, arroz dá prejuízo, milho dá prejuízo, algodão dá prejuízo. O único produto que dá lucro é a cana-de-açúcar.
Agência Senado - O senhor faria alguma relação entre a falta de investimentos na agricultura e a prioridade que o governo tem dado à manutençãodos índices de superávit primário?
Jonas Pinheiro - O governo interfere pouco hoje no financiamento, deixando tudo por conta da iniciativa privada. Não quis colocar dinheiro na agricultura para ter superávit primário. Estamos com superávit primário, estamos com o dólar bom para algumas atividades, mas, para o agronegócio, para o setor exportador, para o setor produtivo o dólar não vale nada.
Agência Senado - E o que poderia ser feito para corrigir essa política de investimentos na agricultura?
Jonas Pinheiro - Prejudicar ou deixar de dar atenção para um setor que contribui com 34% do Produto Interno Bruto [PIB] brasileiro, com 37% dos postos de serviço e com 43% das exportações é não gostar do Brasil.
Agência Senado - A exemplo do que aconteceu, recentemente, há previsão de que os produtores rurais voltem a realizar novos "tratoraços"?
Jonas Pinheiro - Não. Em primeiro lugar, nós estamos confiantes que vamos conseguir resolver esses assuntos. Em segundo, o agricultornão tem mais fôlego. O produtor ganhou dinheiro nos anos anteriores, mas investiu em máquinas, tecnologia e no aumento de área plantada, o que ele fez sem financiamento. Foi aí que eleusou o dinheiro. Portanto, hoje, ele está esgotado, nãotem como "cortar mais gordura", ele está sem recursos.
Agência Senado- Como é que o Congresso pode contribuir para a superaçãodessas questões que o senhor apontou?
Jonas Pinheiro - Através de muitas medidas. No dia 12, pretendemos a derrubada do veto que o governo apôs na Lei dos Transgênicos. O Congresso Nacional aprovou um quórum para que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) dê autorização para o uso de transgênicos, seja na produção, seja na comercialização. O governo vetou esse quórum e o ampliou via decreto. Com esse novo quórum a CTNBio não consegue aprovar nenhuma medida. Portanto, dia 12 nós vamos fazer um esforço, aqui no Congresso, para derrubar o veto do presidenteda República.
Agencia Senado - Qual sua expectativa para esse novo capítulo da rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio, que está em vias de ter sua data marcada? Como se sabe, a negociação já se estende por cinco anos e ainda não se chegou a um entendimento em torno dos incentivos dos países ricosaos seus produtores agrícolas e das taxas de importação de produtos industrializados.
Jonas Pinheiro - A Rodada de Doha aconteceu em 2001. Lá ficou decidido que a reunião seguinte da Organização Mundial do Comércio, em Cancun [México], seria para discutir os problemas da agricultura a nível das relações internacionais, sobretudo no que dizia respeito aos subsídios. Só que naquela oportunidade, em Cancun, onde eu estive presente, a União Européia e os Estados Unidos não permitiram que a agricultura se tornasse a prioridade da pauta, como havia sido decidido. Agora, eles querem reviver Doha. Espero que revivam para que os países mais ricos não continuem a sacrificar tanto a produção agrícola dos países mais pobres.
Agência Senado- De que maneira os países mais ricos prejudicam a agricultura dos países em desenvolvimento?
Jonas Pinheiro - Primeiro, pelo excesso de subsídios que eles dão aos produtos agrícolas em seus países. O que faz com que os produtos, lá, sejam vendidos a preços muito mais baratos. Portanto, eles oferecem o produto mais barato no mundo. E aí não dá para a gente competir. Segundo, os países ricos, ao receberem nossos produtos, os agravam com uma alta taxa de importação, como acontece com o suco de laranja. A mesma coisa eles fazem com a carne de porco, galinha...
Agência Senado - E como é que o senhor avalia a participação dos movimentos sociais, como o próprio Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que também se manifestam favoráveis a mudanças nas políticas agrícolas do governo?
Jonas Pinheiro - Eles prejudicam, porque o fato de os produtores ficarem preocupados com invasão impede que expandam suas áreas de produção, investindo em suas terras. Os produtores têm medo que os movimentos sociais venham, um dia, conseguir a desapropriação de suas terras. É uma intranqüilidade no campo.
07/07/2006
Agência Senado
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