Lei Maria da Penha depende também de mudança cultural, diz advogada



Criada para proteger a mulher, principalmente contra a violência masculina nas relações afetivas, a Lei Maria da Penha completa quatro anos no próximo sábado (7). Especialistas no assunto concordam que a lei trouxe maior proteção às vítimas, assim como penas mais severas e rápidas aos agressores. Após a entrada da lei em vigor, o número de denúncias aumentou.

A Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), por exemplo, registrou mais de 343 mil chamadas de janeiro a junho deste ano. O número é 112% acima do registrado no mesmo período do ano passado (161 mil casos). Os pedidos de ajuda e informações cresceram 49% em relação a 2008. A maior parte das ligações é de pessoas solicitando informações sobre a Lei Maria da Penha.

Mas, com relação aos relatos de violência, as ligações trazem apenas metade das denúncias de uma violência física e depois a violência psicológica, dizem os mesmos especialistas. Os números da violência contra a mulher em todo o País seriam bem maiores do que os registrados nas delegacias. É o que afirma a delegada Martha Rocha, em entrevista à TV Brasil. “Quem nos dá os números mais próximos da realidade é a rede de saúde. Porque a mulher procura às vezes o hospital, mas não procura a delegacia”, explica.

Ela admite que a lei trouxe um aumento de pena para o agressor –  e também acabou punições irrisórias, como o pagamento de cestas básicas. Mas por quê ainda há tantas mulheres morrendo e sendo agredidas? O que falta acontecer para que a lei realmente seja cumprida?

Para a advogada Ana Paula Sciammarella, assessora da Superintendência dos Direitos da Mulher, mais que uma legislação, é preciso uma mudança na cultura na sociedade brasileira. E não apenas na cultura das pessoas, da sociedade de uma maneira geral, mas também daqueles que fazem a aplicação e a interpretação dessa lei.

“Precisamos também de uma mudança da cultura da polícia, da cultura do judiciário, em compreender esse fenômeno da violência doméstica, da violência contra a mulher como um fenômeno complexo. É muito diferente uma mulher apanhar de um desconhecido, de uma pessoa desconhecida na rua, e ser agredida por um companheiro, por alguém que mora com você, com quem você estabeleceu uma relação de afeto, com quem estabeleceu planos para o futuro. É preciso compreender a complexidade dessa violência”, afirma.

A mudança também passa pela educação dos filhos para uma relação que não se estabeleça por meio do poder, para que a própria mulher não perpetue as desigualdades de gênero, que é esse desequilíbrio de poder entre homem e mulher na sociedade, diz a advogada. “Com essa mudança cultural é que a gente vai quebrar a ideia de que o homem tem poder sobre a mulher, de que a mulher é propriedade do homem. Por isso, a questão da violência contra a mulher não pode ser mais naturalizada e nem tolerada na nossa sociedade”.

Para Ana Paula Sciammarella, portanto, as falhas não estão na lei. Elas ocorrem na interpretação e na aplicação da legislação. “É muito importante que o policial, por exemplo, quando receba a mulher, não faça pré-julgamentos – se ela vai se arrepender daquele registro, se vai ou não voltar com o marido. É preciso que ele acolha a mulher, compreenda que ela já teve muita coragem em denunciar e que ele possa retribuir a coragem dela com uma atuação adequada da polícia”. 

A assessora da Superintendência dos Direitos da Mulher destaca ainda os cuidados que devem ser tomados pelos policiais com relação ao retorno da vítima que vai à delegacia, faz o registro da violência e tem que voltar para casa, ficar cara a cara com seu agressor. “Em primeiro lugar, é importante que o policial informe a ela sobre a existência de medidas protetivas, que podem retirar aquele agressor daquela casa, por exemplo, se ela não tiver para onde ir”, explica.

 Outra medida possível é que ela procure um centro de referência, para ser encaminhada a um abrigo que recebe as mulheres vítimas de violência, juntamente com seus filhos. “Ela pode permanecer naquele abrigo, onde será encaminhada a programas sociais, para incentivá-la a conseguir trabalho, caso ainda não o tenha. Que volte a estudar, para poder restabelecer sua vida e superar a situação de violência”.

Se a mulher agredida não quiser deixar sua residência para ser encaminhada a um abrigo, juntamente com seus filhos, uma das medidas protetivas é que o agressor seja afastado da casa e ela possa retornar. Essa medida preventiva inclusive precisa ser tomada antes que seja decretada a prisão ou punição para o agressor.

Para Ana Paula, somente assim se pode quebrar o chamado ciclo da violência: mulheres com medo de denunciar agressões porque não vão receber o acolhimento adequado dos órgãos, como a delegacia ou como o judiciário, retornando sempre para uma relação de violência.

É preciso lembrar também que há fatores emocionais envolvidos no problema. Muitas vezes o agressor promete que não vai mais se comportar daquela forma – e porque existe entre eles uma relação de afeto – a mulher tende a perdoá-lo. Porque quer, mais uma vez, dar credibilidade ao companheiro e não ver frustrada uma relação para a qual criou grandes expectativas.

Para que essa mulher possa abandonar tal relação é preciso dar-lhe confiança. Ela precisa conhecer a legislação, a Lei Maria da Penha, que é um instrumento de empoderamento das mulheres, e confiar nas políticas públicas existentes.

“Procurar um centro de referência, se não se sentir segura para ir à delegacia sozinha, ligar para o 180 e para pedir informações mais precisas”, acrescenta. Quando ela procura um órgão público conhecendo a lei, conhecendo seus direitos, ela pode exigir melhor esses direitos.

Ana Paula destaca que as políticas públicas têm sido positivas para expandir os direitos das mulheres e coibir a violência contra elas e acolhê-las. “O saldo é positivo em relação às políticas públicas, mas ainda há falhas, porque a cultura das pessoas que vão operar com a Lei Maria da Penha, muitas vezes, não permite compreender a complexidade desse fenômeno [da agressão masculina]. Então, é importante entender o conceito do que é gênero, do que são essas relações desiguais, mas compreender também que não é para naturalizar esse tipo de violência”, finaliza.

Para ver a entrevista completa,  clique aqui.


Fonte:
TV Brasil



12/08/2010 07:50


Artigos Relacionados


Aplicação da Lei Maria da Penha ainda depende de julgamentos no Supremo, diz ministra

ALCÂNTARA: CONSOLIDAÇÃO DO CRESCIMENTO DEPENDE TAMBÉM DE PROJETO CULTURAL

Plenário aprova indicação da advogada Maria Thereza para o STJ

Maria da Penha

Lei Maria da Penha é constitucional, diz STF

Lei Maria da Penha recebe reforços