Lei sobre ensino da história e cultura indígenas terá de ser apoiada "para pegar"



O Senado recebeu, nesta quarta-feira (11), uma série de sugestões para garantir o cumprimento da lei que tornou obrigatória a inclusão de conteúdos relativos à história e à cultura indígenas no currículo oficial da rede de ensino. Na opinião de quatro debatedores que participaram de audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), os parlamentares devem incentivar a formação dos professores e a produção de material didático sobre a história e a cultura indígenas e criar espaços para que as lideranças indígenas participem efetivamente do processo de discussão do ensino dessas matérias e dos demais temas de seu interesse.

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Foi recomendado também aos senadores ficarem atentos às tentativas de aprovação de leis que possam representar um retrocesso e apoiar reivindicações dos povos indígenas.

As ideias foram apresentadas a partir da pergunta feita pelo presidente da comissão, senador Cristovam Buarque (PDT-DF), sobre o que os debatedores esperavam dos parlamentares em relação à obtenção das metas para o ensino das matérias contidas na lei, que também inclui a cultura afrobrasileiras. Durante o debate, episódios de discriminação e repressão foram relatados por dois representantes de povos indígenas.

Álvaro Tukano, idealizador do projeto Séculos Indígenas no Brasil, contou, por exemplo, que, no colégio de padres salesianos em que estudou, os índios perdiam a merenda se falassem suas línguas. E a técnica de educação da Fundação Nacional do Índio (Funai) Mariléia Taiua, do povo Kurâ-Bakairi, relatou que o primeiro animal que seu pai aprendeu a desenhar na escola foi um elefante, e que as línguas e os rituais indígenas eram proibidos:

- Foi uma educação massificadora, homogeneizadora a que a geração de meus pais recebeu. Hoje, estamos tentando reverter isso - disse.

Raízes

Mariléia Taiua disse que os índios querem contribuir para que a lei sobre o ensino das culturas indígenas e afro-brasileira "pegue", a fim de que os brasileiros possam conhecer suas raízes e a diversidade cultural do país, o que poderá ajudar a mitigar o preconceito: "Queremos protagonizar esse processo", afirmou.

Álvaro Tukano disse que as crianças devem aprender que, antes da colonização, existiam mais de 1.500 povos indígenas no Brasil. Hoje, conforme informou, há 220 povos que "tomam conta da biodiversidade do país", reunindo cerca de 750 mil índios (segundo dados do IBGE) que falam 180 línguas distintas.

- Prestamos um grande serviço ambiental para o Brasil e a humanidade. Quem atrapalha o progresso é a monocultura, a devastação da Amazônia para introduzir gado, a grilagem de terra.

Álvaro Tukano afirmou que a situação da saúde dos povos indígenas é péssima, e que eles estão sendo vítimas de muita violência. Criticou a postura de "parlamentares de esquerda" contra a demarcação de terras indígenas e disse que o Parlamento não pode ser um espaço privilegiado "para quem continua cometendo crime ambiental ou grilagem de terra", ou para quem está envolvido em escândalos:

- Meu povo foi barbaramente violado e continuará a ser se não houver educação - acrescentou, para depois dizer que os povos indígenas esperam eleger senadores e governadores.

André Ramos, historiador indigenista e educador da Funai, afirmou que a educação contribuirá para pôr fim à visão dualista que há na sociedade a respeito dos povos indígenas, com os estereótipos do "mau selvagem" e do "bom selvagem". Outra distorção, segundo ele, é o de que os índios são inimigos do progresso. Há também a crença de que há muita terra para pouco índio:

- O primeiro desafio é rompermos esses estereótipos. Os povos indígenas são povos contemporâneos da sociedade brasileira, que enfrentam todos os problemas e desafios da modernidade. Não se consegue ver os povos indígenas como aliados do futuro do país, um país politicamente correto do ponto de vista ambiental e da sociodiversidade.

Outros desafios apontados pelo historiador foram a promoção de uma mudança nos livros didáticos, que ainda conteriam muitas ideias sem fundamento, e do diálogo entre a universidade, que tem grande produção de teses e dissertações sobre os povos indígenas, e a educação básica.

Frank Coe, coordenador-geral do projeto Séculos Indígenas no Brasil, apresentou o projeto - um trabalho de documentação da situação dos povos indígenas no Brasil, de seu cotidiano e dos problemas que enfrentam, realizado sob orientação essencialmente indígena, que reúne 45 horas de imagens em vídeo e mais de 3 mil fotos de 20 etnias, em 12 estados, num trajeto que totalizou 30 mil quilômetros. O projeto, como explicou, inclui uma ação educativa, com a formação de professores.

Rita Nardelli / Agência Senado



11/11/2009

Agência Senado


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