Marco Maciel diz que pacto político que levou à Constituinte foi o mais importante do período republicano



O pacto político que possibilitou a transição do regime militar à restauração da democracia no Brasil, na década de 80, foi classificado pelo senador Marco Maciel (DEM-PE) como o maior do período republicano. O senador fez a afirmação ao dar início aos trabalhos do penúltimo painel desta quarta-feira (11), segundo e último dia do seminário 20 Anos da Constituição Cidadã, realizado no Congresso.

Marco Maciel apresentou uma retrospectiva dos momentos que antecederam a elaboração desse pacto, salientando que dele resultaram os trabalhos constituintes. O pacto, recordou o senador, foi elaborado desde o início do quadro sucessório presidencial, em meados de 1984, com a associação do então Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e da Frente Liberal, dissidência do PDS, que criou condições para a construção de uma candidatura alternativa à apoiada pelo governo do general João Batista Figueiredo.

- Havia um sentimento profundo de retomada do Estado Democrático de Direito, mas havia outras questões como dívida externa, alta taxa de inflação, disparidades econômicas. Foi feito um acordo com figuras ilustres da política brasileira para que se executasse um programa de transição para o país - disse.

Marco Maciel recordou o compromisso assumido por Tancredo Neves de ir ao Colégio Eleitoral, não para referendá-lo, mas justamente para se contrapor a ele. Lembrou que Tancredo percorreu o país e, se naquela ocasião fosse possível a eleição direta, ele certamente teria obtido entre 70% e 80% dos votos dos brasileiros. Lamentou, porém, que Tancredo Neves tivesse falecido antes de completar seu projeto de conciliação.

Tancredo foi o responsável pela criação, disse Maciel, de uma comissão multidisciplinar encarregada de elaborar um pré-projeto de Constituição, que definiria os princípios norteadores da Carta.

- A Carta de 88 representou um grande avanço relativo aos direitos fundamentais. Uma grande contribuição foi o acesso à prestação judiciária pelo Estado. Sem isso, dizia Ulysses, ela não seria uma constituição-cidadã - disse o senador.

Democracia e conflitos

Hamilton Pereira, secretário de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, iniciou sua palestra mencionando a existência de uma tensão social permanente entre os novos atores sociais surgidos no final dos anos 70 - operários, movimentos agrários reorganizados, redes de base organizadas pela Igreja, resistência via Parlamento, imprensa alternativa e resistência de setores da imprensa convencional - e a tradição oligárquica herdada, para a conquista de novos direitos. O secretário referiu-se à definição de democracia da filósofa e historiadora Marilena Chauí, como "a forma política aberta aos conflitos, que permite conviver com eles, por meio da legitimação dos partidos políticos e pelo mecanismo eleitoral".

- A obra de construção da democracia é obra de muitas mãos. Do ponto de vista da cultura política é primordial, porque obriga ao árduo exercício do diálogo democrático - disse o secretário.

Para Hamilton Pereira, tal tensão social polariza duas concepções diferentes de democracia: a "schumpeteriana", de grupos que competem pela governança por meio de partidos políticos e homens que decidem quais são os problemas da sociedade e como resolvê-los e outra visão, de "democracia participativa", de emergência de novas forças sociais que buscam uma nova participação política.

- Não no sentido de substituir democracia representativa por democracia participativa. É o exercício da democracia direta como forma de participação direta, em que o sujeito se coloca, não como destinatário, mas como protagonista, como portador de direitos - explicou o secretário.

Deborah Macedo, subprocuradora-geral da República, que trabalha também com índios e outras minorias étnicas, afirmou que a Constituição de 88 representou "uma mudança de paradigma bastante significativa". Ela representa, segundo Macedo, a mudança de enfoque do direito formal, nos moldes da Revolução Francesa, para o direito constitucional.

- Uma sociedade hegemônica condena os diferentes - mulheres, negros, índios - a permanecerem em espaços confinados. Uma Constituição pluriétnica e multicultural, em seus artigos 215 e 216, ao falar de cultura, rompe com o imobilismo e permite vários modos de expressão - diferenciou a procuradora.

A Constituição de 88 possibilita, segundo Deborah Macedo, que se lancem regras jurídicas próprias, que surjam outros pólos de produção de direito; ao respeitar os usos, costumes e tradições desses povos, permite a produção de normas para esses próprios grupos.

A subprocuradora lamentou, porém, que apesar de o Judiciário reconhecer o protagonismo do direito constitucional, ainda continue agindo nos moldes do direito civil, em "absoluta incongruência constitucional".

A procuradora do estado de São Paulo Flávia Piovesan definiu a Constituição de 88 como instrumento constitucional de uma luta emancipatória, com uma concepção contemporânea dos direitos do homem e portadora de uma ética afirmativa da dignidade humana e preventiva do sofrimento humano.

Flávia Piovesan salientou que o Brasil possui uma agenda complexa em que convivem pautas pré-republicanas como a escravidão contemporânea e pautas pós-modernas como a decisão recente, do Supremo Tribunal Federal (STF), pela constitucionalidade da Lei de Biossegurança, que autoriza as pesquisas com células-tronco embrionárias.

- [A Constituição] reinventa o marco jurídico no que tange à tortura e ao racismo, ao direito de crianças e adolescentes, promovendo a pavimentação normativa ética. Petrifica direitos e garantias pela primeira vez - ressaltou a procuradora.

Para Flávia Piovesan, caso o Legislativo não vier a tratar de outros projetos, como o que pune a discriminação contra homossexuais, essas pautas acabarão sendo tratadas pelo Judiciário.

Ivair Augusto Alves dos Santos, assessor especial da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, fez um histórico das dificuldades enfrentadas pelos negros no Brasil para fazer valer a lei que pune o racismo. Citou a Lei Afonso Arinos, de 1951, que teve apenas nove casos levados a julgamento. Ele criticou o fato de que, em sua grande maioria, os acusados de racismo acabem sendo punidos por prática de injúria, apesar da previsão legal e da atual Constituição.

- Há o racismo institucional, praticado pela polícia e pelo Judiciário, que tentam negar a existência do crime - lamentou.

O assessor da Presidência sugeriu que os 20 anos da Constituição de 88 e os 120 anos da abolição da escravatura sirvam de estímulo para traduzir a norma em direitos para as comunidades negras.

Mais informações sobre os 20 anos da Constituição no endereço http://www2.camara.gov.br/internet/constituicao20anos



11/06/2008

Agência Senado


Artigos Relacionados


Marco Maciel ressalta caráter democrático do movimento republicano

Marco Maciel diz que presença do Senado em Feira do Livro é importante para a imagem da instituição

Terceiro Pacto Republicano terá pauta menor e mais simples

Novo Pacto Republicano promete tornar Judiciário mais ágil

Marco Maciel homenageia o político alagoano Rui Palmeira

2º Pacto Republicano une os três Poderes na luta por uma Justiça mais rápida e respeitada