O senhor Constituinte
Antes da Constituinte de 1988, Ulysses Guimarães já havia adquirido uma reputação política considerável, construída na luta pela redemocratização. Quando se lançou anticandidato à Presidência da República, em 1973, tornou-se um símbolo da resistência à ditadura. Sabia que não teria chance no Colégio Eleitoral, mas queria pregar a resistência ao regime militar. "Não é o candidato que vai percorrer o país, é o anticandidato, para denunciar a antieleição, imposta pela anti-Constituição", dizia.
TALENTO POLÍTICO
A carreira de dirigente partidário iniciou-se em 1971, quando Ulysses Guimarães substituiria Oscar Passos na presidência do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), onde permaneceria até 1979. Depois, já no PMDB, seguiria na função até 1990, quando assume Orestes Quércia. Mas foi no MDB que Ulysses mostrou seu imenso talento político. Receberia a presidência num período de cerceamento das liberdades políticas, com um partido enfraquecido, com apenas sete senadores e 87 deputados. A pregação contra o regime, porém, havia funcionado, e a oposição, em novembro de 1974, elegeria 16 dos 21 senadores e 165 dos 364 deputados federais, lançando dois temas no Parlamento: a anistia e a convocação de uma assembléia nacional constituinte. À frente das articulações, Ulysses Guimarães se fortalecia e fortalecia seu partido - uma federação de correntes oposicionistas diversas.
Mas, em meados dos anos 70, Ulysses - que fora membro do conservador Partido Social Democrático (PSD) e, no início, não se opôs ao regime militar - se vê obrigado a reinventar o MDB. Cria uma organização política original, com estatuto de partido, atuação parlamentar e perfil de frente ampla. Ele transforma o MDB em instrumento poderoso de ação política, articulado com setores combativos da sociedade. O Dr. Ulysses conduzia sua criatura com habilidade. Navegar é preciso.
DIRETAS JÁ
Em 1980, com o pluripartidarismo, torna-se presidente do PMDB. A oposição vence as eleições de 1982 e inicia a campanha das Diretas Já, com a qual Ulysses - o Sr. Diretas - percorreria 40 mil quilômetros país afora. Mas a eleição seria indireta, e ele cede a candidatura a Tancredo Neves no Colégio Eleitoral de 1985. Tancredo morre, o vice José Sarney assume a Presidência, e Ulysses torna-se o homem forte da Nova República. Acumula a presidência do PMDB - partido com 80% dos ministérios e maioria parlamentar - e a da Câmara e substitui, por 19 vezes, Sarney no cargo. O Plano Cruzado, que reduziria a inflação temporariamente, renderia votos ao PMDB em 1986. A performance de Ulysses é extraordinária: 590.873 votos para deputado federal por São Paulo. Mais tarde, seria eleito presidente da Assembléia Nacional Constituinte.
ÓDIO À DITADURA
Promulgada a Constituição Cidadã, como ele a chamara, Ulysses Guimarães torna-se popular. A Constituinte é o auge de uma carreira de 11 mandatos ininterruptos de deputado federal. Naquele 5 de outubro de 1988, fez um discurso emocionado: "Traidor da Constituição é traidor da pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear as liberdades, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério. Tenho ódio à ditadura". O Plenário o aplaudiu de pé: "Foi a maior consagração da minha vida pública. Não foi um ritual, uma liturgia, foi uma explosão de alegria e felicidade". À noite, ele comemoraria com poire, no Restaurante Piantella, o fim da Constituinte como presente de aniversário. Ulysses Silveira Guimarães nasceu em Rio Claro (SP) em 6 de outubro de 1916, filho de um coletor federal e de uma professora.
O ADEUS
A Constituinte seria o seu canto de cisne. Desgastado, candidatou-se à Presidência da República em 1989. Abandonado pelo partido, ficou em 7º lugar, com apenas 4,43% dos votos. Rezaria sua Oração do Adeus: "Na política, mais difícil que subir é descer. Desço. Vou para a planície, mas não vou para casa. Vou morrer fardado, não de pijama". Desapareceu, aos 76 anos, em desastre de helicóptero no litoral do Rio de Janeiro, ao lado do senador Severo Gomes e de Ida de Almeida, a Mora, com quem se casara em 1955. Adotou os filhos do primeiro casamento dela, Celina e Tito, e não teve outros. Mas, na despedida da presidência do partido, declarou: "Meu filho PMDB! Vá em frente! Cumpriste o teu dever!"
08/10/2003
Agência Senado
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