Participar de milícias pode passar a ser crime tipificado pelo novo Código Penal
A Comissão Especial de Juristas que prepara um anteprojeto de novo Código Penal poderá tipificar como crime específico as ações das milícias, normalmente integradas por policiais que se organizam para impor domínio sobre áreas carentes das grandes metrópoles, utilizando de seu poder para obter vantagens ilícitas. Esse é um dos temas da jornada adicional de votações desta semana, em reuniões nesta quinta-feira (10), às 10h, e na sexta (11), a partir das 9h.
Na segunda-feira (7), quando os juristas ampliaram em mais 30 dias o prazo final dos trabalhos, a comissão deliberou sobre novos pontos referentes aos crimes contra a administração pública e também sobre os delitos contra a incolumidade pública, os que trazem risco para a população em geral. Agora o anteprojeto deverá ficar pronto até o fim de junho, para em seguida tramitar como projeto de lei ordinária.
Situação do Rio
O desembargador José Muiños Piñeiro Filho, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro recebeu do presidente da comissão, ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça (STF), a missão de elaborar uma proposta para o tipo penal que deve enquadrar as milícias. Isto porque no Rio de Janeiro o poder das milícias se tornou notório, à medida que esses grupos, de feição paramilitar, foram tomando territórios antes dominados por traficantes de drogas.
- No Rio a questão das milícias apresenta peculiaridades, não somente por ser o estado de origem do fenômeno, mas também o lugar onde essa modalidade criminosa alcançou maior gravidade – comentou o desembargador.
No lugar de levar uma única proposta à comissão, ele optou por duas versões: um texto formulado por ele mesmo e ainda uma sugestão do deputado estadual Marcelo Freixo, do PSOL do Rio de Janeiro, que comandou na Assembléia Legislativa do Rio uma comissão parlamentar de inquérito que investigou a atuação das milícias no estado. Nos dois casos, a intenção é tipificar o delito como um subtipo do crime de organização criminosa, já aprovado pela comissão em reunião anterior.
O texto do desembargador classifica o crime como “prática de milícia”, com maior detalhamento das finalidades e formas de ação das milícias, como a exigência de bens (móvel ou imóvel) aos moradores, sob qualquer razão, ou de valor monetário periódico pela prestação de serviços: segurança, transporte alternativo, fornecimento de água, energia e a venda gás liquefeito ou qualquer outra atividades não autorizada.
A pena básica vai de quatro a doze anos, mas poderá subir para a faixa de oito a vinte se a organização for integrada por agentes ou ex-agentes do sistema de segurança pública ou das forças armadas ou ainda agentes políticos.
Como diferença fundamental, o crime de formação de “quadrilha miliciana” sugerido pelo deputado Marcelo Freixo inclui entre as finalidades que devem ser criminalizadas não apenas o domínio da área e seu controle para exploração de atividades de serviço público e econômica, mas também o objetivo de controle dos votos dos moradores em disputas eleitorais. Ele sugere pena de nove a dezoito anos, com aumento pela metade para agente público que integrar a quadrilha.
Conforme o desembargador Muiños Piñeiro, a decisão por qualquer das propostas oferecerá aos promotores e juízos meios para dispensar tratamento penal mais rigoroso às milícias. Normalmente, explicou Muiños, os integrantes dessas organizações são denunciados por associação para o crime, constrangimento ilegal ou extorsão, com penas mais brandas e que dependem da denúncia da vítima.
- As milícias são organizações mafiosas, o que significa dizer que se trata de muito mais do que mera associação para a prática do crime. É um delito contra a paz pública e assim deve ser tratado – comentou o desembargador.
Princípio da insignificância
Ainda nesta quinta-feira, os juristas devem examinar algumas inovações para a parte geral do novo Código Penal, entre as quais a incorporação ao texto do “princípio da insignificância”. Noção já consagrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), essa figura permite o entendimento de que não houve crime quando os fatos envolverem “mínima ofensividade, reduzidíssimo grau de reprobabilidade do comportamento e baixa expressividade da lesão jurídica provocada”, conforme esclarece o promotor Marcelo André de Azevedo, também membro da comissão.
Em escala onde o delito for um pouco mais grave, em que a pena aplicada seja até acima de dois anos de reclusão, ainda assim os juristas vão examinar sugestão que poderá permitir o enquadramento do delito como crime de menor potencial ofensivo se o conjunto das circunstâncias objetivas permitirem esse entendimento – o exame do caso concreto, na linguagem jurídica.
Se o crime é reconhecido como de menor potencial ofensivo o autor recebe pena de até dois anos de reclusão, mas com possibilidade de substituição dessa punição por prestação de serviço comunitário. Além disso, se vingar proposta já aprovada pelos juristas, a pena pode passar a ser transformada por acordo com pagamento de multa à vítima, se ela assim concordar.
Crimes contra a humanidade
Nesta quinta-feira, além de pontos sobre a parte geral do Código e da proposta para a tipificação das milícias, os juristas devem ainda examinar sugestões para o enquadramento no texto dos crimes contra a humanidade. Descritos em Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) assinada pelo Brasil, esses são os chamados crimes de lesa-humanidade envolvendo perseguição, violência ou assassinato de grupos de indivíduos. A lista inclui o genocídio e o desaparecimento forçado. Esses crimes são imprescritíveis, um enquadramento que os juristas querem também consagrar na parte geral do futuro Código Penal.
Agenda de sexta
Uma agenda extensa foi definida pela comissão para a sexta-feira, quando devem ser examinadas propostas relacionadas a quatro tipos de crime: delitos cibernéticos (atualmente sem regulamentação especifica), contra a relação de consumo, interceptação telefônica e de lavagem de dinheiro.
09/05/2012
Agência Senado
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