Pesquisa da Unicamp identifica gene associado à leucemia e câncer de mama



Conclusões fazem parte de dois estudos do Laboratório de Genética do Câncer da universidade

Dois estudos desenvolvidos em linha de pesquisa do Laboratório de Genética do Câncer do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp identificaram genes polimórficos associados à leucemia mielóide aguda e ao câncer de mama. Os trabalhos foram orientados pela médica e coordenadora da disciplina de Oncologia Clínica da FCM, Carmem Silvia Passos Lima.

Os genes polimórficos definem a cor dos olhos, da pele, o tipo de cabelo e outras características físicas transmitidas de pais para filhos. Eles também atuam de forma variada no metabolismo de substâncias tóxicas ao organismo ou de hormônios, na formação de vasos sanguíneos para a irrigação de células e no reparo de lesões ao DNA celular. Da mesma forma que um indivíduo pode herdar de seus pais olhos azuis ou castanhos, pode herdar, também, uma capacidade maior ou menor de inativar substâncias tóxicas ou hormônios, por exemplo.

Segundo Carmen, a célula normal que compõe os órgãos e tecidos do corpo humano cumpre um ciclo vital: divide, amadurece e morre. Quando danificada, em geral por anormalidades em um ou mais de seus genes, divide-se de forma descontrolada e produz inúmeras células anormais. O câncer invade estruturas vizinhas e atinge outras partes do corpo, por meio de suas metástases. Desta forma, acontece a destruição de órgãos e tecidos diversos e, caso o portador não receba o tratamento adequado, a morte.

Ainda de acordo com Carmem, o câncer resulta da interação entre a suscetibilidade genética e fatores ou condições relacionadas ao modo de vida e ao ambiente em que vivem os indivíduos que, aparentemente, têm pesos diversos na origem dos variados tipos da doença.

“Já é de conhecimento da medicina que mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 estão associadas ao câncer hereditário de mama e ovário, que representam entre 5% a 10% do total de casos dessas doenças”, afirma a médica.

Segundo a orientadora das pesquisas, outro tipo de câncer, o esporádico, está fortemente associado a fatores ambientais, como as infecções, o uso de substâncias aditivas, a dieta inadequada e a exposição ocupacional a carcinógenos. Esse tipo de câncer representa de 70% a 85% dos casos.

Um terceiro tipo de câncer, o familial, pode ser identificado em 10% a 20% dos pacientes e parece resultar de uma predisposição genética, como a determinada por genes polimórficos, associada à ação de fatores ambientais. “Não é o fato de alguém ter nascido numa determinada família que faz com tenha um câncer. O indivíduo pode herdar uma predisposição genética, mas para desenvolver a doença é necessário que seja exposto a substâncias tóxicas ou aos seus próprios hormônios. Assim, a ocorrência desse tipo câncer vai depender do que ele faz da sua própria vida, dos seus hábitos e vícios”, explicou Carmen.

O interesse pelo assunto surgiu quando ela era ainda aluna da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, numa época em que nem pensava em seguir carreira universitária. Carmen observou que seus ancestrais do lado materno, imigrantes italianos, tinham uma dieta inadequada, bebiam vinho diariamente e, muitas vezes, eram tabagistas.

Apesar desse “estilo de vida”, morriam com idade avançada por doenças cardiovasculares. Em contrapartida, os seus ancestrais do lado paterno, quatrocentões portugueses, eram adeptos de dieta adequada, não tinham os vícios do tabagismo e nem bebiam, mas morriam de cânceres de tipos variados.

“Na época, não se tinha uma explicação clara para isso. Hoje, sabe-se que genes polimórficos envolvidos com o metabolismo de carcinógenos e hormônios podem explicar a maior ocorrência de cânceres variados em membros de uma mesma família”, explicou Carmen.

O contato com substâncias tóxicas pode causar certos tipos de cânceres, como a leucemia mielóide aguda. Já o contato com o hormônio estrogênio está associado com o câncer de mama. Genes envolvidos no metabolismo dessas substâncias podem alterar o risco para as doenças. A identificação dos seus genótipos possibilita a estratificação de indivíduos em grupos de maior ou menor risco para os cânceres.

Assim, certos genótipos funcionam como “marcadores” de indivíduos com tendência para a leucemia mielóide aguda ou o câncer de mama. Esses indivíduos merecem receber orientações adicionais para a prevenção das doenças.

Leucemia mielóide aguda – Em uma das pesquisas, a aluna de medicina Gabriela Góes Yamaguti avaliou três polimorfismos presentes em dois genes que atuam no metabolismo de carcinógenos ambientais, como os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAP) presentes no tabaco, na gasolina, no tiner, no varsol, na aguaráz e no querosene. Para fundamentar seu estudo, Gabriela avaliou pacientes com leucemia mielóide aguda do Hemocentro da Unicamp e indivíduos normais.

A autora do estudo descobriu que indivíduos com a combinação dos genótipos variantes dos três polimorfismos gênicos tinham risco 12 vezes maior de apresentar leucemia mielóide aguda.

“A capacidade de um indivíduo inativar ou ativar os HAP é determinada, pelo menos em parte, por genes polimórficos. Indivíduos com o genótipo mais comum, dito selvagem, de certos polimorfismos gênicos rapidamente inativam esses agentes químicos. Aqueles com o genótipo variante são menos eficazes nessa ação e, conseqüentemente, sofrem mais os seus efeitos, podendo induzir a mutações no DNA da célula”, explicou Gabriela.

Câncer de mama – No caso do câncer de mama, para a doença se desenvolver é necessário a formação de vasos sanguíneos para irrigar, oxigenar e nutrir o tumor. Isso é o que mostrou a pesquisa do biólogo e doutorando Gustavo Jacob Lourenço. O gene que codifica a produção da endostatina, um potente inibidor da angiogênese, é polimórfico em humanos. O genótipo variante do polimorfismo desse gene parece produzir endostatina com menor atividade. Os portadores desse genótipo, aparentemente, produzem maior número de vasos sangüíneos do que os demais e, assim, são mais suscetíveis à ocorrência do câncer de mama.

“O estudo já havia sido conduzido em homens com câncer de próstata, mas não em mulheres com câncer de mama. O risco de ocorrência do câncer de mama em mulheres com o genótipo variante foi extremamente maior do que o observado em mulheres com o genótipo selvagem”, disse Gustavo.

O genótipo variante esteve presente em 5% das mulheres com câncer de mama do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism), mas não foi identificado em mulheres saudáveis. A pesquisa também demonstrou que o número de vasos sangüíneos foi maior em tumores de mama de pacientes com o genótipo variante do que em tumores de mama de pacientes com o genótipo selvagem.

“Gustavo identificou um grupo de mulheres com alto risco para câncer de mama. Como foram diferentes os números de vasos em tumores de mulheres com os genótipos distintos, ele pode inferir que o polimorfismo atua na formação dos vasos sangüíneos do tumor. Já a descoberta da Gabriela foi também muito importante. Ela identificou um grupo de indivíduos com alto risco para leucemia mielóide aguda, doença que embora seja incomum, determina o óbito de 60% a 70% dos casos”, comentou Carmen.

Câncer de ovário – Na mesma linha de pesquisa, a médica Regina Sagarra estuda, há três anos, a susceptibilidade herdada ao câncer de ovário associada a polimorfismos gênicos na produção de vasos sanguíneos. O câncer de ovário representa 4% das neoplasias ginecológicas e é um tumor invasivo e complexo com mediana sensibilidade à quimioterapia. O tratamento para pacientes com a doença depende, portanto, de uma boa abordagem cirúrgica para a remoção completa do tumor e suas extensões. O trabalho ainda está na fase de coleta de amostras em pacientes atendidas no Caism.

“Tentamos descob rir se os genótipos isolados ou associados de genes que estimulam ou inibem a formação de vasos sangüíneos alteram o risco para o câncer de ovário”, disse Regina.

“Embora sejam inegáveis os avanços terapêuticos em oncologia, o câncer ainda é considerado uma doença letal. Alguns genes polimórficos podem funcionar como ‘marcadores’ de indivíduos com alto risco para certos tipos de câncer, que mereçam receber atenção diferenciada para a prevenção das doenças”, explicou Carmen.

Pacientes sob risco serão convocados

O cálculo do risco de ocorrência da leucemia mielóide aguda foi realizado com pacientes atendidos no Hemocentro e indivíduos saudáveis da região de Campinas, chamados de controles do estudo. No total, foram coletadas mais de 300 amostras de sangue. Os controles e os familiares de pacientes de grupos de alto risco para a leucemia mielóide aguda serão convocados para uma consulta pelo grupo de oncogenética do ambulatório de oncologia do HC da Unicamp.

“Do ponto de vista ético, é nosso dever orientar esses indivíduos dos riscos da leucemia mielóide aguda associados à exposição a carcinógenos ambientais. De forma geral, serão orientados a evitar determinadas profissões, como atuar em indústrias petroquímicas, indústrias siderúrgicas e postos de gasolina ou contato com carcinógenos, incluindo o tabaco”, explicou Carmen.

Já aqueles que necessitarem de orientações especiais sobre como evitar a exposição ocupacional a agentes químicos serão avaliados por médicos da área de medicina do trabalho.

Familiares de pacientes com câncer de mama com o genótipo variante serão também convocadas para consulta no ambulatório de oncogenética para que se possa identificar outras mulheres de alto risco para a doença na mesma família.

“Essas pacientes merecerão atenção especial para a prevenção da doença com os exames convencionais como a auto-palpação, a mamografia, a ultra-sonografia e a ressonância magnética das mamas”, disse Gustavo.

Segundo o autor do estudo, a pesquisa avaliou apenas uma amostra isolada da população de mulheres da região. Estudos adicionais com maior casuística e envolvendo mulheres de outras regiões do país serão fundamentais para obter conclusões consistentes sobre o papel do gene no risco de câncer de mama.

“Caso os resultados obtidos se confirmem, parece-me justificado que se realize a genotipagem como exame de rotina em mulheres adultas”, disse Carmen. O custo de uma genotipagem é de R$ 8,00 enquanto que uma mamografia custa de R$ 40,00 a R$ 260,00, segundo levantamento feito pela equipe. Entretanto, segundo Carmen, um exame não substituirá o outro. A genotipagem servirá para identificar mulheres de alto risco para o câncer de mama, que possam ser submetidas à mamografia mais precoce ou de forma mais freqüente que as demais.

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Da Unicamp



02/27/2008


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