PFL anuncia apoio a Roriz
PFL anuncia apoio a Roriz
Paulo Octávio vai concorrer ao Senado e seu partido faz aliança com o PMDB para apoiar reeleição do atual governador. Decisão do PT de lançar Magela candidato foi decisiva para os pefelistas
O deputado Paulo Octávio (PFL-DF) recebeu sinal verde do partido para fechar uma aliança eleitoral com o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz. Candidato à reeleição, Roriz tem procurado se aproximar do PFL oferecendo uma vaga ao Senado. A proposta agrada ao PFL, que terá 14 senadores em término de mandato no ano que vem e começa a trabalhar para eleger uma grande bancada de forma a garantir um espaço de poder importante junto ao futuro presidente da República, seja ele quem for. ‘‘Paulo Octávio tem toda a liberdade e todo o nosso apoio para consolidar a aliança’’, disse o presidente pefelista, senador Jorge Bornhausen (SC).
Paulo Octávio era o nome que o partido tinha para disputar o governo do Distrito Federal. Antes de se lançar internamente no PFL há seis meses, acenava ainda com a possibilidade de vir a apoiar Cristovam Buarque, caso o ex-governador decidisse concorrer contra Roriz. Mas Cristovam optou pelo Senado abrindo espaço ao deputado Geraldo Magela (PT), com quem o PFL do Distrito Federal não quer conversa.
Com a desistência de Cristovam, cresceram as candidaturas do próprio Roriz e a do deputado Agnelo Queiroz (PdoB-DF). Agnelo, nas projeções do PFL nacional, certamente levará os votos de centro, que não fecham com o PT de Magela, nem com o governador. Diante de um quadro tão fragmentado e com a vantagem de Roriz junto ao eleitorado mais pobre, o deputado pefelista se vê sem espaço e se mostra propenso a aceitar a proposta do governador. ‘‘Já houve o convite. Estamos conversando. É possível fechar a aliança’’, diz Paulo Octávio.
O PFL, que sempre trabalha pelo lado mais prático, decidiu que sua política nos estados será no sentido de não dar murro em ponta de faca. Isso significa, segundo seus caciques, que o partido não pretende insistir em candidaturas cuja perspectiva de vitória seja remota. Neste caso, a ordem é tentar fechar aliança com o favorito e garantir pelo menos uma das vagas ao Senado.
‘‘Cada estado elegerá no próximo ano dois senadores. Se tivermos um em cada estado na chapa favorita, podemos fazer pelo menos 20 e manter uma posição de destaque no cenário nacional’’, diz um dos caciques do partido. O PFL trabalhará no sentido de conquistar uma bancada que lhe renda a presidência do Senado, tradicionalmente, ocupada pelo partido detentor do maior número de senadores. O mesmo tipo de aliança que o PFL pretende fazer com Paulo Octávio e Roriz deve ocorrer em estados como Santa Catarina, terra de Bornhausen, e em Pernambuco, caso o governador Jarbas Vasconcelos (PMDB) seja candidato à reeleição.
Congresso no rastro do GDF
Deputados e senadores da bancada do Distrito Federal costumam trabalhar em conjunto quando o assunto é a luta por recursos do Orçamento da União. No entanto, na volta do recesso parlamentares de Brasília de diferentes partidos firmaram uma união inédita em torno de outro objetivo: fiscalizar atos do Governo do Distrito Federal. Foram aprovadas duas investigações, uma no Senado e outra na Câmara, sobre a aplicação de recursos nas obras do metrô de Brasília e operações executadas pela Companhia Imobiliária de Brasília - Terracap.
Na Câmara, os deputados Agnelo Queiroz (PCdoB), Geraldo Magela e Pedro Celso (ambos do PT) conseguiram a assinatura do peemedebista Alberto Fraga, correligionário de Roriz, no requerimento para abertura de investigação em desapropriações de terras e outras operações irregulares da Terracap. O pedido foi aprovado.
O Senado criou uma subcomissão especialmente para apurar a correção no emprego de verbas federais na construção do metrô. O pedido foi feito pelo senador Wellington Roberto (PMDB-PI).
O Conselho de Ética do Senado abriu sindicância para apurar denúncias de que Amaral utiliza verbas de seu gabinete para empregar funcionários de suas empresas. O deputado Wigberto Tartuce (PPB), acusado de desvio de verbas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) teve seus bens penhorados pela Justiça atendendo ao pedido de uma administradora de um cassino nas Bahamas para garantir o pagamento de uma suposta dívida de jogo contraída em 1990.
Contagem manual
Naufragou a primeira eleição eletrônica para a escolha do presidente do PT, que introduziu a novidade na política brasileira no último domingo. O sistema informatizado que a legenda instalou para computar os votos enviados por 2.834 diretórios municipais e 27 estaduais entrou em pane.No final da tarde de ontem a direção petista anunciou que vai totalizar os votos manualmente. ‘‘O sistema não funcionou. Resolvemos receber os mapas de votação por fax’’, explicou o presidente do PT em exercício, deputado José Genoíno (SP). Foram utilizadas 3.040 urnas convencionais e 884 urnas eletrônicas, cedidas pela Justiça Eleitoral. Um levantamento extra-oficial dava como certa, ontem, a vitória do presidente licenciado do partido José Dirceu, já no primeiro turno
Longe do consenso
Com a renúncia de Jader Barbalho, a maior parte dos senadores sonha ser presidida por José Sarney. Mas o ex-presidente resiste. E dois outros senadores do PMDB postulam também o cargo
Um esforço vão. Dividido em várias facções e enfraquecido pelos reflexos da briga Jader Barbalho versus Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), o PMDB não conseguiu chegar a um candidato único para assumir a Presidência do Senado no lugar de Barbalho. Durante todo o dia buscou ungir ao cargo o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP). Não conseguiu nem a concordância de Sarney nem demover da disputa os demais postulantes. Hoje, haverá uma eleição interna no partido para escolher um nome. Já se apresentaram os senadores José Alencar (PMDB-MG) e José Fogaça (PMDB-RS). Os líderes no Senado, Renan Calheiros, e na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), ainda tentaram fazer com que eles desistissem abrindo espaço a Sarney, preferido de todos os demais partidos, mas os dois comunicaram a Renan que a disputa era democrática e direito de todos os peemedebistas.
‘‘Se adiaram a reunião, era porque eu ia ganhar fácil’’, ironizou Alencar. Ele se referia ao fato do PMDB ter adiado de ontem para hoje às 11 hs. a reunião em que os 27 senadores do partido indicarão o futuro presidente do Senado. Pretensão de Alencar. O adiamento foi necessário para que o partido ganhasse algum tempo para tentar convencer Sarney a entrar na disputa.
O PMDB passou o dia num zigue-zague. A primeira tentativa da cúpula peemedebista foi no sentido de fazer de Renan o sucessor de Jader. Mas Renan sofreu vetos por parte do PSDB e do PFL, que viram na candidatura dele uma vitória de Jader. ‘‘O nome da Casa é Sarney’’, afirmou o presidente do PFL, Jorge Bornhausen (SC), defendendo aquele que desde o início do ano era o preferido do então senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA).
Além dos vetos dos partidos aliados ao governo, Renan, se insistisse numa disputa ontem, poderia ficar numa situação difícil como líder da bancada. Seus amigos viam como um risco ele entrar numa disputa tão dividida. E, como líder, seria ‘‘feio’’ não conseguir sequer metade dos votos. No início da noite, Renan garantiu: ‘‘Meu nome não está posto. Lutarei até o fim para fazer de Sarney o presidente do Senado. Essa briga ACM versus Jader não existe mais. Estamos pensando no nome que mais agrega dentro do Senado’’, disse ele, ao deixar o gabinete de Sarney junto com Geddel.
Sarney, no entanto, garantiu a amigos que já ocupou todos os cargos que um homem público poderia almejar, inclusive a presidência da República. Agora, se for para assumir o que ele chama de uma ‘‘missão’’, só se houver consenso. O que Sarney evitou admitir é que ele teme também um destino igual ao de Jader, que a onda de denuncismo também o atinja. ‘‘O próximo presidente precisará ter a favor dele uma rede de proteção’’, disse, na conversa com Geddel e Renan. Um entrave ele deixou de ter. Num encontro com o presidente Fernando Henrique Cardoso na embaixada americana, Sarney recebeu o apoio do presidente.
Adeus melancólico
Sete meses depois de vencer a disputa pelo comando do Congresso, impondo a mais dura derrota à vida parlamentar de Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) renunciou ontem à presidência do Senado. Em um discurso de pouco mais de meia hora, Jader voltou a jurar inocência. Mais uma vez, apresentou-se como vítima de uma campanha política orquestrada por ACM e encampada pelos meios de comunicação.
Pesam contra Jader denúncias de ter se beneficiado de recursos públicos, junto com familiares e amigos, quando era governador do Pará, na década de 80. É acusado de ter ferido o decoro parlamentar ao negar seu envolvimento no episódio. Apesar das evidências, continua jurando inocência. E afirmou que se tornou alvo de ACM, junto com o PMDB, porque sua eleição à presidência do Senado o teria fortalecido politicamente no ‘‘jogo de poder’’ da sucessão presidencial.
‘‘O meu crime foi apenas ter ousado politicamente’’, disse Jader, em discurso usado como uma peça de defesa. Ele citou filósofos e cientistas políticos e até trechos da Bíblia. ‘‘(É) em retribuição à confiança que em mim depositaram (os senadores que me elegeram) que me afasto, hoje, da presidência do Senado Federal.
A esta renuncio para preservar o Senado e serví-lo, mas não abdico da resistência à injustiça e à infâmia’’.
Na quinta-feira, ele enfrenta, no Conselho de Ética, o pedido de abertura de processo por quebra de decoro parlamentar, que deverá levá-lo à perda do mandato e dos direitos políticos. Jader só tem o apoio de cinco senadores do PMDB dentro do conselho.
Artigos
Sinais da fumaça de Nova York
DENISE ROTHENBURG
A névoa resultante dos ataques ao World Trade Center e ao Pentágono começa a se dissipar, deixando boas perspectivas para quem é governo e um mundo sombrio em termos de convivência entre os povos. Primeiro, vamos ao conselho de nossos diplomatas, especialmente para quem tem um tom de pele mais moreno e qualquer traço genético com cheiro de Oriente Médio: fique longe dos Estados Unidos. Esses diplomatas lembram que a população estadunidense, grosso modo, nunca foi lá muito globalizada nem tem muita noção do mundo fora de suas fronteiras.
Esses funcionários do Itamaraty que já serviram nos EUA dizem que, sob pressão e medo, uma parte dos norte-americanos, menos esclarecida, responde na mesma moeda dos terroristas: joga seus carros contra mesquitas, surra e atira em quem não tenha o biótipo comum dos americanos. Esses, de pequena mentalidade, transformam o islâmico em sinônimo de diabólico, sem procurar conhecer os princípios da religião. Nestes dias de pânico, já foram registrados 247 incidentes de violência contra islâmicos no país. Chegou ao ponto de o presidente George W. Bush ir a uma mesquita e pedir a seus patrícios que não se voltem contra o islamismo.
Os cenários de irmandade entre povos de diferentes religiões e costumes levarão anos para se recompor.
No campo político, no entanto, a fumaça sobre os escombros se dissipa, mostrando uma luz para quem não via a menor chance de eleger um sucessor amigo. Da mesma forma como o presidente Bush viu sua aprovação subir da casa dos 50% para os 80% entre os americanos, aqui, no nosso mundinho, o comandante Fernando Henrique Cardoso recupera prestígio e pode fazer de seu candidato nome forte para concorrer à sucessão presidencial, seja ele quem for.
Num período de incertezas, julgam os analistas e o próprio presidente, a tendência é a população optar por quem já conhece. Não é à toa que o PMDB tentará agora inflar o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, da mesma forma que o PFL apresentou a governadora do Maranhão, Roseana Sarney. Estão é de olho na vaga de vice de um tucano num cenário de união nacional contra o terror e as incertezas mundiais. Apostam que, se, entre os povos, todos desconfiam daqueles que não conhecem, no mundo da política não será diferente.
Encruzilhadas
Conduzir a consciência do povo à refundação da democracia jeffersoniana, ou levar mais desgraças ao mundo
Mauro Santayana
No exaustivo estudo sobre a história das idéias, Die Legitimität der Neuzeit, Hans Blumenberg discute o afastamento de Deus, que se acelera com o Renascimento e o Iluminismo. A Idade Moderna vinha sendo assim a grande época em que o mundo se assumia como realidade explicável, mediante a associação entre a especulação filosófica e a experimentação científica.
Até então, não tínhamos outra origem e razão para o mundo que não fossem a vontade de Deus, ou dos deuses, e outra razão para o homem que não houvesse sido o arbítrio divino. Eliminamos a transcendência de nossa Weltanschauung — mas a velha transcendência, não obstante a afirmação vigorosa do pensamento moderno, permaneceu, latente, necessária, metamorfoseando-se, nos últimos cem anos, em nova transcendência. Se os deuses eram criação de nossa ignorância, a nova transcendência é criação do presumido saber moderno. Dizia o sr. Gustavo Corção (um engenheiro eletricista), em seu reacionarismo militante, que preferia acreditar nos anjos, de cuja existência não tinha outra evidência que não fosse a fé, a acreditar na televisão, da qual tinha todas as evidências, menos a fé.
O mundo virtual que nos envolve tenta substituir a transcendência que acompanhava o homem antigo. Em uma de suas novelas exemplares, El retablo de las maravillas, Cervantes antecipa a televisão criando miniatura de palco, em pequena caixa, que um mago esperto exibe aos crédulos. A realidade de nossos dias é a que nos é exibida no retablo de las maravillas, a tela dos videorreceptores. De vez em quando, as imagens mágicas fogem do retábulo, inserem-se no mundo concreto e são novamente por ele aprisionadas, para expandir-se na dimensão do mundo virtual, como vimos nestes dias.
São numerosas as leituras do que ocorreu na manhã de 11 de setembro. Uma delas é a da velha relação entre religião e política. Campanella, em suas Dubitationes, volta a Aristóteles, que critica por haver visto a religião como ‘‘tantum politicam inventionem’’, para afirmar que, ao contrário do estagirita, não é a política que faz a religião, mas sim a religião, com os mandamentos e transgressões, que determina a política. Uma boa religião — forte, sólida, que dê ao homem a promessa veraz do infinito — é vista como indispensável à vida coletiva. Talvez por isso, Hitler haja lamentado com Albert Speer que a desgraça da Alemanha fora justamente a de uma falsa religião. A falsa religião era a do cristianismo, que o Führer pretendia substituir pelos seus nibelungos e valquírias.
As religiões clássicas perderam seu apelo, e, para recuperá-lo, meteram-se em novas e ainda mais perturbadoras heresias. Talvez por isso, sendo minoritárias, as correntes ortodoxas se reafirmam, como é o caso dos xiítas. Quando os viajantes perdem o rumo, a tendência é a de retornar até a última encruzilhada. Se a operação de Nova York foi comandada pelo islamismo fundamentalista, pela direita norte-americana ou pela associação dos dois interesses, tendo os árabes como agentes úteis, isso não importa muito. Importa, sim, saber que o fundamentalismo muçulmano pretende ser instrumento político para o renascimento de um povo que teve a desgraça de ter tido sua grandeza no passado e a de viver hoje sobre terras encharcadas de petróleo, e, por isso mesmo cobiçadas.
Outra leitura mais premente no mundo ocidental é a da natureza e probabilidade do sistema democrático. Arthur Schlesinger, Jr., o maior intelectual vivo dos Estados Unidos, inicia o prólogo de seu livro clássico sobre os primeiros decênios da República, The Age of Jackson, publicado em 1944, em plena guerra, com frase atualíssima: ‘‘The world crisis has given new urgence of the question of the ‘meaning’ of democracy’’. O que é mesmo democracia? Será democrático um sistema no qual as grandes corporações ‘‘fazem’’ o poder político?
Andrew Jackson foi o presidente que, entre 1829 e 1837, deu alguma conseqüência prática ao ideário democrático dos fundadores de seu país — entre eles Jefferson e Paine, em oposição aos hamiltonianos — ao levar a república às massas, fazendo a participação política avançar para o Oeste e a plebeizando, ao libertá-la das oligarquias da Nova Inglaterra. Tendo nascido fora das antigas colônias, Jackson não tinha compromissos com seus mitos. Por isso, combateu, com coragem, os grandes banqueiros e rentistas, em favor dos pequenos fazendeiros, artesãos e modestos empreendedores.
A história dos Estados Unidos tem sido a de confronto permanente entre as duas principais correntes, a dos que têm (porque exploram) e a dos que querem ter (para viver), conforme a síntese de George Bancroft. Há presidentes que buscam dar realidade aos empenhos de justiça, e há os que se entregam aos interesses do establishment empresarial. Em um grupo, além dos jacksonianos, estiveram Lincoln e Wilson, Roosevelt e Kennedy. No outro, Monroe, McKinley, Teodore Roosevelt, Herbert Hoover, Truman, Nixon, Reagan e Bush.
Em Vanity Fair deste setembro, a propósito do atentado terrorista de Oklahoma e do homem executado como seu responsável, Timothy McVeigh, Gore Vidal mantém a tese de que o sistema norte-americano, sendo controlado pelas grandes corporações financeiras, e não pelo seu povo, convoca a reação dos inconformados.
Entre os inconformados lembrou os davidianos de Waco, ‘‘assassinados pelo FBI’’. Cita trechos da correspondência que manteve com McVeigh para concluir que os milicianos antigovernamentais suspeitavam de que a explosão de Oklahoma, em 1995, fora operação de agentes infiltrados, a fim de obter legislação antiterrorista de Clinton. Mas o efeito foi contrário: segundo The New York Times, os grupos identificados de ação antigovernamental passaram de 220 a 850, entre 1995 e 1996.
Vidal lembra que McVeigh fez sua defesa citando emblemática frase de voto discordante do juiz Louis Brandeis, da Suprema Corte, nos anos 30: ‘‘Nosso governo é professor poderoso, onipresente. Para o bem ou para o mal, ensina o povo inteiro com seu exemplo’’.
A democracia norte-americana é mais espetáculo do que realidade: o sistema só é democrático no discurso, apoiado nas imagens do cinema e da televisão, destinado ao consumo interno e externo. Conforme denunciam eminentes intelectuais norte-americanos, trata-se de totalitarismo habilmente conduzido pela mídia, a serviço dos grandes interesses. A tragédia terrível da semana passada pode, com suas conseqüências finais, conduzir a consciência do povo à refundação da democracia jeffersoniana, ou levar mais desgraças ao mundo.
Editorial
Defesa da democracia
Na reabertura segunda-feira do mercado financeiro, cinco dias após os ataques terroristas a Nova York e Washington, Wall Street contabilizou prejuízo da ordem de US$ 590 bilhões. Foi o desempenho mais catastrófico de sua história. O índice Dow Jones da Bolsa de Valores nova-iorquina despencou 7,13%. Ontem, as operações voltaram aos parâmetros de estabilidade, embora sem recuperar as perdas. Há, porém, expectativas de que os negócios sigam rota estável, estimulados sobretudo pela redução das taxas de juros em 0,5%.
Mais poderosa economia do planeta, não há razão para desacreditar no potencial norte-americano de contornar turbulências econômicas graves, mesmo diante do declarado estado de guerra. Durante a Guerra do Golfo não houve oscilações com efeitos dramáticos sobre ativos de empresas negociados em bolsa ou trepidações econômicas significativas. O mesmo cenário se manteve durante os sete anos de envolvimento na Guerra do Vietnã, apesar do sacrifício de 72 mil soldados.
Longe daqui a ousadia de afirmar que a situação de emergência bélica experimentada pelos Estados Unidos não criará abalos internos. Tampouco que não desatará influências negativas sobre as relações econômicas mundiais. Apenas que o horizonte visível não autoriza alimentar pânico sobre a possibilidade de desastres irremediáveis. Há, porém, ameaça talvez maior.
Em planos distintos da consciência política infiltram-se, cada vez de forma mais intensa, propostas para reduzir os direitos civis e introduzir controle mais severo sobre as liberdades pessoais. São idéias que se alimentam de teorias conspiratórias recolhidas de vertentes autoritárias. Uma vez admitidas, costumam abrir portas para novas e mais drásticas investidas contra os direitos fundamentais da pessoa e segurança da sociedade.
A devastação bestial provocada pela demência de terroristas convoca o aparelho de segurança americano a adotar sistemas seguros de prevenção para evitar a repetição de novas barbáries. A própria guerra aos antros do terror e aos governos que os amparam está na lógica de um país agredido da forma mais traiçoeira e brutal possível. Nada, porém, justifica retroceder a práticas abandonadas ao longo da vida norte-americana como lixos da história.
Mais grave é que seduções sectárias do gênero tendem a passar nota de suspeição em desfavor de imigrantes de origem levantina. Casos já foram registrados de agressão e morte.
A grandeza dos Estados Unidos é avaliada no mundo não apenas por sua pujança econômica. Muito menos em razão de seu colossal poderio bélico. Mas, antes de tudo, pela devoção a um sistema democrático aberto, afluente, solidário. Um valor que, ao longo de mais de dois séculos de regime constitucional, desaguou em uma sociedade multirracial unida pela argamassa da liberdade e da solidariedade. É impensável imaginar que, para punir a ignomínia e a ferocidade de terroristas, conquista de tamanha dimensão histórica seja sacrificada.
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09/19/2001
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