Pintando a Liberdade gera salário e novas perspectivas para detentos
Material esportivo fabricado é distribuído gratuitamente em todo o País e já está sendo exportado
O programa Pintando a Liberdade (que consiste na confecção de material esportivo por parte de presidiários) leva emprego e renda a mais de 200 detentos da Penitenciária Nílton Silva, em Franco da Rocha, zona oeste da Grande São Paulo. Adotada há quatro anos, a iniciativa colabora também para a redução de pena do preso, pois três dias de trabalho representam um a menos na cadeia.
Praticado em todo o País, o programa é um convênio entre os governos federal (Ministério dos Esportes) e os estaduais. Em São Paulo, o parceiro é a Secretaria de Esporte, Lazer e Turismo, enquanto que o pagamento ao preso é feito pela Fundação Professor Manoel Pedro Pimentel de Amparo ao Preso, a Funap, da Secretaria de Administração Penitenciária. Segundo Luiz Carlos Martins, coordenador do Pintando a Liberdade, o ganho mensal médio de quem trabalha é de R$ 200. Mas já houve casos em que a produção rendeu R$ 500 num mês ao preso.
Ele conta que até o final do ano estará encerrado o segundo contrato do programa e outro provavelmente será firmado. O atual previa no início a fabricação de 54,5 mil camisetas, 15 mil bonés, 1,1 mil bolas para vários esportes e milhares de redes para voleibol e futebol de campo e salão. Todos os itens estão no final de produção. No âmbito nacional, foram produzidos 1,8 milhão de itens no programa no ano passado por cerca de 12 mil presos.
Produto de exportação – O material é distribuído gratuitamente a órgãos públicos (federal, estaduais e municipais e ONGs). Geralmente, destinam-se a escolas, creches, orfanatos, fundações do menor, como a Casa, em São Paulo, polícias, prefeituras e instituições comunitárias. Martins conta que as bolas do Pintando a Liberdade já atravessaram até fronteiras, rumo ao Haiti, China e Guatemala.
O primeiro contrato em São Paulo recebeu verba de R$ 1,1 milhão dos cofres da União e R$ 330 mil do estadual. Neste segundo, prestes a se encerrar, os recursos foram de R$ 1,9 milhão e R$ 600 mil, respectivamente. Para o próximo, Martins espera contar com total de R$ 3 milhões para aumentar a participação de presos. Este ano, a produção exigiu colaboração de detentos das penitenciárias Mário de Moura Albuquerque, vizinha à Nílton Silva, e a Feminina de Santana, na capital.
Com o recurso do programa, foi possível montar uma verdadeira oficina de confecção numa área de mil metros quadrados da Nílton Silva. São dezenas de equipamentos, máquinas e dispositivos para corte de peças, os chamados kits, para bola, camiseta e boné. No local, encontram-se linha de silk-screen e serigrafia, máquinas de costura (overlock e pespontadeira) e estoque de matéria-prima e produto.
Prazer em fazer – No caso das bolas, o preso corta os gomos e os desenha com silk-screen na oficina. O trabalho de costurar as pequenas partes é feito dentro do raio (quadra circundada por celas, onde o preso toma banho de sol, joga futebol e passa o tempo). Na Nílton Silva, há três raios, onde vivem 1,25 mil homens, já condenados por assalto, tráfico de drogas e homicídio.
A diretora substituta da unidade, Lucilene Fernandes, ressalta que o programa, além de gerar rendimento ao preso e à sua família, torna a penitenciária mais segura. O detento fica mais disciplinado, o que reduz o número de rebeliões.
Curiosamente, Lucilene lembra que em 2006, quando houve revoltas em unidades de quase todo Estado, orquestradas por uma organização criminosa, os presos de Franco da Rocha não deixaram um vidro inteiro na unidade, “porém não tocaram na oficina do Pintando a Liberdade”, frisa a diretora substituta. “Eles sentem prazer em trabalhar na oficina”.
O salário do preso do Pintando a Liberdade tem desconto de 25%. Haroldo José de Oliveira Silva, diretor do Centro de Trabalho e Educação da penitenciária, diz que o valor se destina a detentos que trabalham em outros serviços na unidade, como limpeza e manutenção, que não recebem salários normais. Além disso, com esse dinheiro também é possível comprar doces e chocolates, alimentos que não fazem parte daqueles enviados pelo Estado.
Haroldo conta que somente os presos do “seguro” não podem participar do programa na oficina. São homens que vivem isolados dos demais, por diversos problemas, como dívida e briga. Mesmo assim, o “segurado” pode levar bolas para costurar em sua cela e participar do Pintando a Liberdade.
Homens trabalhando
● Benevides Rosa dos Santos, de 55 anos, cumpre pena de 80 anos por assaltos e até participou de fuga da unidade. Recapturado, trabalha hoje no almoxarifado da oficina, catalogando entrada e saída de material. “Aqui, mantenho minha mente ocupada. Sinto-me um trabalhador, não um preso”.
● Ele é um dos “agulhas de ouro”, um verdadeiro ás na costura de bolas. É essa a fama de Pedro da Silva Romualdo (41 anos), que atua também no controle de qualidade das bolas. “Aqui, na oficina, começamos vida nova e nos integramos melhor com os colegas”, diz Pedro, condenado a 27 anos por homicídio.
● Vanderlei Martins, 40 anos, apenado a 27, por roubo, está no Pintando a Liberdade desde o início e já fez de tudo. Atualmente, trabalha na serigrafia, fixando desenho em camisetas e bonés. “Antes do trabalho, eu era irresponsável, cometia erros. Hoje, minha cabeça é muito diferente”.
● Enquanto costura bonés, José Ferreira Lima pensa na futura transferência para o regime semi-aberto, graças ao que faz na máquina de costura. “Costurar é uma profissão importante e aqui na oficina nos ajuda a reduzir nossa pena”. Tem 44 anos e está condenado a 54 por tráfico e homicídio.
● “Aqui, nós adquirimos conhecimento e técnica para trabalhar lá fora”, diz Edson Ferreira de Souza, especializado na confecção de redes. A de vôlei ele trança em 15 minutos. Já a de futebol de campo, exige mais de um dia na teia de fio de náilon. Cumpre pena de 30 anos, por homicídio.
Da Agência Imprensa Oficial
(M.C.)
08/08/2008
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